Salário atrasado

Justiça dá reparação por dano moral por atraso de salário

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12 de julho de 2005, 14h25

O empregado que enfrenta dificuldades financeiras e acaba com dívidas por causa do constante atraso de seu salário deve ser reparado por dano moral. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo condenou a cidade de Guarulhos a pagar R$ 5 mil a um ex-funcionário, confirmando o julgamento da Vara do Trabalho.

Segundo o relator no tribunal de São Paulo, juiz Sérgio Pinto Martins, “o salário tem natureza alimentar. O empregado e sua família sobrevivem do pagamento do seu salário. Atrasos constantes lhe trazem prejuízos no pagamento de suas obrigações”.

Para o advogado trabalhista Marcel Cordeiro, a reparação por danos morais é a melhor forma de conseguir que o empregado seja compensado pelos seus prejuízos, já que o salário tem caráter de sobrevivência, e é a melhor maneira de punir a empresa que não cumpriu seu compromisso. “A CLT estabelece um prazo até o 5º dia útil do mês seguinte à prestação de serviços para que a empresa pague o que deve. Já é um prazo dilatado e, por isso, não haveria porque ultrapassar esse prazo. O trabalhador tem contas para pagar, prazos para cumprir e, se ele dispôs de sua mão de obra, único bem que ele tem, ele tem que receber seu salário em dia”.

O trabalhador entrou com processo na 1ª Vara do Trabalho de Guarulhos, Grande São Paulo, pedindo reparação pelos danos morais sofridos por causa dos freqüentes atrasos no recebimento dos salários no ano de 1998. De acordo com o ex-funcionário, a partir do atraso do salário de março de 1998, seu saldo bancário ficou negativo. A situação se repetiu nos meses seguintes, o que o obrigou a fazer empréstimos no mês de agosto.

Ele também informou que não conseguiu quitar cheques, que foram devolvidos por falta de fundos. Em conseqüência, passou a constar de listas de restrição ao crédito do Banco Central, da Serasa e do SPC – Serviço de Proteção ao Crédito.

A primeira instância condenou o município a indenizar o ex-funcionário em R$ 5 mil. O município recorreu sustentando que a lei não garante indenização por danos materiais e morais por atraso no pagamento salarial. O trabalhador também apelou ao tribunal, pedindo que o valor da indenização fosse de 10 vezes o valor dos cheques devolvidos e dos empréstimos realizados.

Para o juiz Sérgio Pinto Martins, o contrato de trabalho é uma relação bilateral, “contendo direitos e obrigações recíprocas. O empregado prestou os serviços, logo, deveria receber os salários no prazo legal. Se a ré não o fez, deve assumir os riscos decorrentes do seu ato, na forma do artigo 159 do Código Civil”.

“A indenização pelo dano moral sofrido pelo autor foi fixada de forma moderada. O nexo causal foi decorrente do atraso no pagamento dos salários do autor e dos encargos que incorreu em razão disso. Evidente é a vergonha do reclamante em ter seu nome incluído no SPC e Serasa e em listas negras dos bancos, razão pela qual não pode ter conta corrente bancária”, decidiu o juiz.

Sobre o pedido do trabalhador, de aumento do valor da indenização, o juiz Martins observou que ela tem “objetivos pedagógicos, de evitar que o réu incorra no mesmo ato novamente. Não visa ao enriquecimento do autor”.

Para a advogada trabalhista Silvia Ponte, no caso desse trabalhador, que provou ter dívidas em conseqüência dos atrasos dos salários, o valor estabelecido para a reparação é bastante razoável. Mas alerta que têm visto casos de dano moral julgados pela Justiça Trabalhista em que os valores são excessivos “a reparação de uma estilista que foi chamada de relapsa ser estipulado em R$ 43 mil é um grande exagero”.

Para a advogada, deve haver um cuidado maior ao estabelecer valores para os danos morais em alguns casos na Justiça Trabalhista. “O dano moral sofreu transição da Justiça Civil para a Justiça do Trabalho. A Civil já estabeleceu critérios para decidir o valor, mas a Justiça do Trabalho ainda julga com muito menos rigor, precisa estabelecer melhor os critérios”.

Silvia Ponte também afirma que “o dano moral é muito subjetivo e o atraso do pagamento do salário para uma pessoa pode não significar nada e para outra pode causar grandes transtornos. A Justiça do Trabalho tem que tomar muito cuidado para não dar indenização muito além do dano sofrido pela pessoa, que tem que ser proporcional ao sofrimento, senão ficamos como nos Estados Unidos, que qualquer coisa gera dano moral”.

Ainda segundo a advogada, existem outras formas legais de punição pela delegacia do trabalho. “A empresa tem que pagar uma multa significativa para o Estado caso seja autuada pelos fiscais do Ministério do Trabalho, o que seria uma melhor forma de punição. Isso porque ela vai pensar duas vezes antes de atrasar o salário dos trabalhadores, já que a multa prevista no artigo 459 da CLT para esses casos é de 378,2847 Ufir , o que equivale a R$ 402 reais por empregado com salário atrasado”, concluiu.


RO 00316.2001.311.02.00-8

Leia a decisão

Proc. n.º 20030444750 (00316.2001.311.02.00-8)

1ª Vara do Trabalho de Guarulhos

Recorrentes: Município de Guarulhos

Júlio Cesar Maia

Recorridos: os mesmos

EMENTA

Dano moral. Atraso no pagamento de salários.

O Município atrasou o pagamento de salários em vários meses. O nexo causal foi decorrente do atraso no pagamento dos salários do autor e dos encargos que incorreu em razão disso. Evidente é a vergonha do reclamante em ter seu nome incluído no SPC e Serasa e em listas negras dos bancos, razão pela qual não pode ter conta corrente bancária. Devida a indenização por dano moral.

RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário Município de Guarulhos afirmando que não há direito a indenização por danos materiais e morais por atraso no pagamento salarial. Quem deu causa ao rompimento do contrato de trabalho foi o recorrido. É indevida a multa do artigo 477 da CLT. Devem ser autorizados os descontos previdenciários e fiscais. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 129/36.

Apresenta o reclamante recurso ordinário alegando que tem direito a indenização por dano moral e material em valor superior ao fixado na sentença.

Parecer do Ministério Público de fls. 140/2. É o relatório.

II- CONHECIMENTO

Os recursos são tempestivos. Conheço dos recursos e da remessa oficial por estarem presentes os requisitos legais.

III- FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

A- Recurso do Município

1. Indenização

Os documentos juntados aos autos demonstram que o reclamante no ano de 1998 pagava os salário com atraso. No mês de junho a ré somente pagou corretamente o adiantamento salarial. No mês de julho o salário não foi pago no momento próprio. Os pagamentos somente foram feitos em dezembro do mesmo ano.

O salário de fevereiro de 1998 foi pago no dia 10 de março e o de maio de 1998 no dia 13 como adiantamento salarial.

O não pagamento do salário de março de 1998 mostra que o reclamante começou a ter saldo devedor no banco.

Pela própria demonstração da ré de fls. 111 verifica-se que: o salário de janeiro foi pago em 10.02.98; o de fevereiro de 1998, em 10.3.98; o de março de 1998, em 17.4.98; o de abril de 1998, em 9.6.98; o de maio de 1998, em 14.7.98; o de junho de 1998, em 10.12.98; o de julho de 1998, em 16.12.98 (fls. 112). Houve, portanto, atraso no pagamento dos salários, que trouxe prejuízos ao autor. O atraso foi considerável em alguns meses.

Não importa que os salários de agosto a dezembro de 1998 foram pagos dentro do mês, pois os anteriores causaram problemas financeiros ao reclamante.

O atraso no pagamento dos compromissos no Auto Posto Thiane são decorrentes dos salários anteriores a agosto que não foram pagos ou que o foram com atraso.

No caso dos autos não se está discutindo mora contumaz para se aplicar o parágrafo 1.º do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 368/68.

O empregado organiza sua vida e paga seus compromissos na expectativa de receber no prazo legal seus salários. Se a ré não o fez, o empregado sofreu prejuízos com os atrasos.

O contrato de trabalho é uma relação sinalagmática, contendo direitos e obrigações recíprocas. O empregado prestou os serviços. Logo, deveria receber os salários no prazo legal. Se a ré não o fez, deve assumir os riscos decorrentes do seu ato, na forma do artigo 159 do Código Civil.

O salário tem natureza alimentar. O empregado e sua família sobrevivem do pagamento do seu salário. Atrasos constantes lhe trazem prejuízos no pagamento de suas obrigações.

O atraso no pagamento dos salários não tem fundamento para elidir a indenização, pois os riscos do empreendimento são do empregador (art. 2.º da CLT). Dificuldades financeiras do Município não podem ser repassadas aos seus trabalhadores.

Em razão do atraso no pagamento nos salários, o reclamante sofreu prejuízos materiais, como os noticiados às fls. 106. São devidas as referidas verbas.

A indenização por dano moral também é devida, pois decorrente do sofrimento do reclamante em não receber salários e ter de contrair empréstimos, com juros elevados no Banco Cacique, Fininvest e Banespa.

Embora o reclamante tenha recebido o salário de setembro de 1998 não recebeu os de junho e julho de 1998, razão pela qual teve de proceder ao empréstimo.

Os cheques sem fundos emitidos pelo autor foram decorrentes da falta de pagamento dos salários no prazo legal.

Seus pagamentos eram feitos fora do prazo legal, incorrendo em multa, juros e correção monetária.

Os documentos de fls. 129/33 do volume de documentos mostram que o reclamante teve seu nome incluído em lista negra, no SPC, em razão dos cheques sem fundos.


Não há previsão legal por multa por atraso no pagamento de salários como forma de compensar o problema do autor. Assim, o réu deve responder pelo pagamento da indenização. Fica mantida a indenização, pois foi fixada de forma moderada.

O Município não pagou o salários do autor de forma intencional, causando-lhe prejuízos. Isso também decorre da má administração municipal em relação às suas finanças. O autor não pode ser responsabilizado por tais fatos, pois a ré é que deu causa aos atrasos do reclamante por não lhe pagar salários no prazo legal.

Afirma Aguiar Dias que o dano moral “consiste na penosa sensação da ofensa e humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provado pela recordação do defeito ou da lesão, quando tenha deixado resíduo mais correto, seja pela atitude de repugnância da reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”.

A indenização pelo dano moral sofrido pelo autor foi fixada de forma moderada. O nexo causal foi decorrente do atraso no pagamento dos salários do autor e dos encargos que incorreu em razão disso. Evidente é a vergonha do reclamante em ter seu nome incluído no SPC e Serasa e em listas negras dos bancos (documentos 129/33 do volume de documentos, razão pela qual não pode ter conta corrente bancária. Fica mantida.

2. Multa do artigo 477 da CLT

Quanto à multa do parágrafo 8.º do art. 477 da CLT, não há que se falar em aplicação do artigo 169 da Constituição, pois o contrato de trabalho foi firmado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, devendo a reclamada comprovar o pagamento das verbas rescisórias no prazo estabelecido pelo parágrafo 6.º do artigo 477 da CLT.

Se não há prazo para pagamento de verbas rescisórias, o ente público simplesmente pode não pagar as verbas rescisórias ou pagá-las quando quiser.

A Orientação Jurisprudencial n.º 238 entende aplicável a multa do parágrafo 8.º do artigo 477 da CLT a pessoa jurídica de direito público.

O documento de fls. 40 mostra que houve dispensa sem justa causa. Logo, foi o Município quem deu causa à rescisão do contrato de trabalho.

Cabia ao Município demonstrar que o reclamante deu causa ao atraso no pagamento das verbas rescisórias, o que não foi feito.

O Município admite que pagou as veras em 3.3.1999, porém o contrato de trabalho terminou em 13.2.99.

3. Imposto de renda e previdência social

Sobre as verbas deferidas na sentença não incidem imposto de renda e contribuição previdenciária, pois foram deferidas apenas verbas de natureza indenizatória.

4. Custas

Na época dos fatos as custas eram devidas ao final, pois não havia a previsão do artigo 790-A, I, da CLT.

Nada impede que o Município faça o requerimento da isenção das custas posteriormente, tanto que não houve apelação do réu nesse sentido.

B- Recurso do autor

1. Danos morais

Previa o artigo 1.553 do Código Civil de 1916 na época da prolação da sentença que a forma de fixação da indenização por dano moral era por arbitramento. O juiz já fixou a indenização por arbitramento, pois a dor não tem exatamente um preço tarifário a ser fixado.

Na fixação da indenização por dano moral deve atentar o juiz para o antigo artigo 400 do Código Civil de 1916, que indica o binômio necessidade/possibilidade na fixação de alimentos: “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

Assim, deve-se usar da razoabilidade na fixação da indenização, da lógica do razoável de que nos fala Recasen Siches e também da proporcionalidade.

A indenização foi fixada com razoabilidade pelo juiz no valor de R$ 5.000,00. Tem objetivos pedagógicos, de evitar que o réu incorra no mesmo ato novamente. Não visa ao enriquecimento do autor.

Como afirma Valdir Florindo: o montante da indenização deve traduzir-se em advertência ao lesante e à sociedade, de que comportamentos dessa ordem não se tolerará (Dano moral e o Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, p. 206).

Não tem fundamento legal a indenização ser fixada em 10 vezes o valor dos cheques devolvidos e dos empréstimos realizados.

Fica mantida a indenização.

2. Danos materiais

Não há provas claras nos autos em relação a outros prejuízos materiais sofridos pelo autor para se alterar a indenização fixada a títulos de danos materiais, que também deveriam ser apontados claramente no recurso, inclusive em relação a cada página dos autos.

A indenização deferida tem fundamento nos danos efetivamente comprovados com os empréstimos de bancos. Fica mantida.

IV- DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço dos recursos e da remessa oficial, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, nego provimento aos apelos e à remessa oficial, mantendo a sentença. Fica mantido o valor da condenação. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator

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