Nova ordem

Liberdade de imprensa deve ter novos limites no Brasil

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11 de julho de 2005, 11h49

A jornalista presa nos Estados Unidos por se recusar a revelar o nome de quem lhe deu uma informação considerada sigilosa teria problemas no Brasil também. É o que se pode depreender do clima captado entre juízes e ministros do Supremo Tribunal Federal.

Das entrevistas feitas, emerge que dias mais difíceis vêm por aí para o jornalismo brasileiro. Algumas modificações possíveis na maneira de interpretar a legislação que se anunciam:

1) O jornalista poderá passar a responder pela publicação de informações obtidas em processos protegidos pelo segredo de justiça. Hoje, o entendimento predominante é o de que o sigilo vincula apenas os agentes públicos e pessoas com acesso ao processo.

2) O sigilo da fonte, princípio constitucional que assegura ao repórter o direito de não informar a origem de suas informações pode não ser aplicado quando a Justiça entender que a informação foi obtida por meios ilícitos.

3) A não revelação da fonte conduzirá à responsabilização do jornalista que arcará com a condenação agravada pelo fato de que a quebra do segredo de justiça pela imprensa prejudica muito mais a parte exposta.

Más notícias

Outra novidade que integra o conjunto de más notícias para a imprensa é a declaração de inconstitucionalidade dos dois principais pilares de proteção dos jornalistas na Lei de Imprensa: o limite do valor da indenização em 200 salários mínimos e o prazo de três meses para apresentação da ação ao Judiciário.

Os cinco ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal entenderam que a Constituição de 1988 eliminou esses dois pára-choques da imprensa. Falta agora a 1ª Turma manifestar-se. Quanto à extinção do limite, analisa um dos mais experientes juízes da Corte, “a tendência é essa mesmo”. Mas quanto à decadência há dúvidas, já que existe “uma série de direitos em outros pontos da Constituição a se observar”.

O relator da matéria na 2ª Turma, Carlos Velloso, citou nos fundamentos de seu voto diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça nessa mesma direção.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, estabeleceu a chamada “responsabilidade tarifada”, como expõe outro ministro do STF. E nesse ponto “não se determinaram limites”. Ou seja, o teto para reparação fixado na Lei de Imprensa não foi recepcionado.

A discussão sobre os três aspectos acima enumerados, sobre o segredo de justiça, entrou em pauta com o artigo Grampo público, de autoria dos juízes federais Alexandre Cassettari e Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira (Clique aqui para ler) neste site.

Em suas conclusões, Cassettari e Pacheco Chaves de Oliveira afirmam que “os direitos constitucionais à liberdade de expressão e à manutenção do sigilo da fonte, como de resto os demais, não são absolutos, pois encontram sua conformação pela aplicação de regras principiológicas que visam atingir a harmonia entre todos os princípios previstos na Constituição Federal”.

E prosseguem: “O sigilo da fonte, nessa medida, não prevalece, sendo possível a adoção de diligências investigativas com o fim de identificar o responsável pela divulgação inicial do conteúdo da interceptação. Impossível, da mesma forma, a invocação do direito à liberdade de expressão para possibilitar a exclusão de responsabilidade penal do jornalista em relação ao delito”.

Sigilo da fonte

No Tribunal Superior Eleitoral, os limites à liberdade de imprensa também estão em pauta. Discute-se lá processo movido pelo governador Joaquim Roriz contra o jornal Correio Braziliense. Pode sair dali uma contribuição para o debate, mas não será consensual. De dois ministros ouvidos, um considera “duvidosa a tese de se suspender o sigilo de fonte”, o outro acha possível “de acordo com a circunstância”.

Mas, assim como ocorre em outros tribunais, prevalece a noção de que a imprensa abusa. “Não se pode apoiar essa bagunça que vocês fazem, expondo todo mundo sem prudência alguma”, disse sobre o desrespeito ao segredo de justiça um alto juiz eleitoral.

Felizmente para a imprensa, ainda há quem defenda o sigilo da fonte como prerrogativa profissional e pressuposto do Estado de Direito. O ministro Celso de Mello, em processo que contrapôs o jornal O Globo e um delegado da Polícia Federal, assegurou a liberdade de imprensa. O conflito se deu no âmbito da CPI da Previdência Social.

Com o apoio da Procuradoria-Geral da República, o delegado quis forçar o jornal a revelar sua fonte. Celso de Mello disse não. Asseverou que a prerrogativa, constitucionalizada, é um direito que não sofre restrições e que a intensidade da força normativa era suficiente para que o jornal não revelasse a fonte sem ser responsabilizado por isso.

Em sua decisão, o ministro chamou a atenção para o fato de que se delito houvesse nesse comportamento, o governo não teria formulado, como fez, projeto para incriminar quem divulga informação coberta por sigilo.

Em matéria penal, defende o ministro, o que não é tipificado não existe. E o sujeito ativo do crime contra o segredo de justiça, pela legislação em vigor, só pode ser o funcionário público. “Nas hipóteses previstas pelo Código Penal”, assinalou o ministro em julho de 2000, não se prevê o jornalista como agente da prática.

Segredo escancarado

Contra a disposição dos juízes que querem enquadrar os jornalistas pelo vazamento de informações indesejadas tanto a Constituição quanto o Código Penal prescrevem um antídoto fulminante como garantia da liberdade de imprensa. Trata-se da justa causa, também conhecida como interesse público. Ou seja: nem todos os “segredos” têm igual proteção, embora o titular da privacidade reivindicada assim o queira.

Um quarto ministro do STF chama a atenção para outro aspecto: “Nem tudo o que está nos autos está apenas nos autos”, ressalva. “Um recorte de jornal está no mundo e não vai se tornar segredo porque está nos autos”. Outra coisa, adverte, são as interceptações telefônicas que, muitas vezes, chegam ao conhecimento público antes que o próprio juiz tenha conhecimento. Ou pior: a dramática suspeita que a comercialização dos grampos tenha por meta menos a elucidação de crimes e mais outros tipos de disputa.

Um dos juízes brasileiros mais liberais do país, o ministro Marco Aurélio também reflete o desconforto da magistratura. “A premissa do segredo de justiça é que a informação protegida não deveria ser divulgada”, comenta. A contraposição do interesse público como neutralizador da proibição, afirma, é inadequada. “Se há interesse público na divulgação, então não deveria ter segredo de justiça”. Por isso, defende, o sigilo só se impõe como medida excepcionalíssima. “Sou contra a generalização do segredo, isso implica tornar regra a exceção”, diz.

Para Marco Aurélio, nesse debate, é importante examinar a nova redação do artigo 105 da Constituição, recentemente alterado pela Emenda Constitucional 45:

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;.”

O trecho grifado, na interpretação do ministro, acentuou a primazia do interesse público sobre o segredo privado e deve ser levado em conta na nova configuração que, se imagina, tenham as regras sobre os limites da liberdade de imprensa.

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