Levou, pagou

MPF move ação para que Detran-SP cobre multas federais

Autor

9 de julho de 2005, 13h07

O Ministério Público Federal em São Paulo quer obrigar o Detran do estado a criar mecanismos para exigir a quitação das multas aplicadas nas rodovias federais pela Polícia Rodoviária Federal no ato de licenciamento dos veículos, conforme determina o Código de Trânsito Brasileiro. Para tanto, o órgão entrou com Ação Civil Pública na Justiça Federal contra o estado de São Paulo. A União também figura com ré na ação.

De acordo com o procurador da República Márcio Schusterchitz da Silva Araújo, autor da ação, é necessário que seja formulado um convênio entre o governo federal e o estado com objetivo de arrecadação e compensação de multas impostas e transferência de dados e informações. “Hoje os dois sistemas não se comunicam. É como se as multas federais fossem invisíveis”, afirma Araújo.

Segundo a ação, um levantamento do MPF aponta que a maioria dos infratores não paga as multas federais. Na prática, alega, o motorista de São Paulo que for multado numa rodovia federal receberá a multa em casa, mas não terá a obrigação de pagá-la, pois ela não aparecerá no sistema do Detran na hora do pagamento do licenciamento. E a União nunca receberá o valor da multa, uma vez que só são lançados na dívida ativa débitos superiores aos valores das multas.

Na ação, o MPF pede ainda que o Detran faça constar do prontuário do condutor os pontos decorrentes das multas aplicadas pela PRF — Procuradoria Rodoviária Federal. O Ministério Público propõe também que União e estado (via PRF e Detran, respectivamente) integrem seus sistemas ao Sistema Nacional de Trânsito.

O MPF investiga o assunto desde 2004, quando começou a apurar questões de falta de infra-estrutura na PRF. Durante os últimos meses, o órgão negociou com o Detran a solução do problema de forma extrajudicial, mas o órgão não conseguiu se desvencilhar de entraves burocráticos.

Leia a íntegra da inicial

Exmo. Sr. Juiz Federal da _______ .ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Paulo

O Ministério Público Federal, por seu Procurador que ao final assina e com base no artigo 129, II e III da Constituição Federal, e do artigo 1.º e seguintes da Lei n.º 7.437/85, vem ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de ANTECIPAÇÃO DA TUTELA em face de:

UNIÃO, pessoa Jurídica de Direito Pública Interno, de notório endereço;

ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa Jurídica de Direito Pública Interno, de notório endereço.

Pelos seguintes fundamentos de fato e de direito

I. Introdução

Pela presente ação, pretende o Ministério Público Federal ver o Estado de São Paulo, através do respectivo Detran, exigir a quitação das multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal por ocasião do licenciamento dos veículos, conforme determina o art. 131, § 2.º, do CTB, bem como que faça constar do prontuário do condutor os pontos decorrentes das multas aplicadas pela PRF.

Ademais, quer ver União e Estado, pela Polícia Rodoviária Federal e pelo Detran, respectivamente, integrados nos termos do determinado pelo Código acima referido.

Assim com base no seguinte entendimento.

A regulação do trânsito no Brasil foi pensada, nos termos da legislação pertinente, Código de Trânsito, Lei n.º 9503/97, como um Sistema Nacional de Trânsito, a englobar entes administrativos das três esferas da Federação. Assim dispõe a Lei citada em seu artigo 5.º

O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que têm por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades

Enquanto decorrência de uma República Federativa, dito sistema não é uma compartimentalização egoística de competências, mas um desenho institucional que deve ser caracterizado pela coordenação e cooperação entre as diversas esferas, sob pena de os próprios entes anularem a finalidade constitucional e legislativa imposta.

Há assim uma repartição de atribuições administrativas que não deve ser encarada sob um perfil patrimonialista, como faculdade irrestrita em face dos demais entes do mencionado Sistema Nacional de Trânsito.

Notadamente quanto aos Estados, restou na competência dos mesmos as atribuições quanto ao licenciamento de veículos e cadastro de condutores. Não obstante, tais atribuições não implicam que os veículos licenciados não andem por estradas federais ou que não existam esses condutores para Municípios e União. Na verdade não há, pois, um direito do Estado, absoluto, dentro do Sistema, mas um ônus que deve ser devidamente respeitado para permitir o atingimento das finalidades dos órgãos federais e municipais.


Entretanto, conforme os termos da representação n.º 1.34.001.002929/2004-61, ficou evidenciado que as multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal não estão sendo consideradas pelo DETRAN/SP por ocasião do licenciamento de veículos, bem como não estar esse mesmo ente computando devidamente os pontos perdidos pelos condutores em razão das multas aplicadas pela PRF.

A legislação pertinente, CTB, diz:

Art. 130. Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, para transitar na via, deverá ser licenciado anualmente pelo órgão executivo de trânsito do Estado, ou do Distrito Federal, onde estiver registrado o veículo.

Art. 131

§ 2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.

Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:

I – advertência por escrito;

II – multa;

III – suspensão do direito de dirigir;

IV – apreensão do veículo;

V – cassação da Carteira Nacional de Habilitação;

VI – cassação da Permissão para Dirigir;

VII – freqüência obrigatória em curso de reciclagem.

§ 1º A aplicação das penalidades previstas neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito, conforme disposições de lei.

§ 2º VETADO

§ 3º A imposição da penalidade será comunicada aos órgãos ou entidades executivos de trânsito responsáveis pelo licenciamento do veículo e habilitação do condutor.

Pela leitura dos artigos, temos que o CTB, ademais de prever o Sistema Nacional de Trânsito, prevê a necessidade de procedimentos de comunicação entre o conjunto de órgãos e entidades que o compõem.

Quanto às multas, não obstante, aplicadas pelo órgão com competência sobre a via, devem ser, como acima transcritas, comunicadas ao órgão responsável pelo licenciamento do veículo, o qual, por sua vez, deve considerá-la por ocasião desse licenciamento.

Porém, como já dito e como observado na representação que acompanha a presente, não é como vêm se desenvolvendo os fatos.

Há ademais outra questão na presente ação.

Assim pretende-se ver também discutida a necessidade de convênio para a integração dos órgãos do SNT, conforme ponto 4 da presente inicial.

Dessa forma, ademais da necessidade de considerar as multas da PRF por ocasião do licenciamento e ainda a necessidade de fazer constar os pontos resultantes das mesmas nos prontuários dos condutores, objetos tidos como independentes de convênio, pretende-se aqui ver efetivado um convênio entre os réus para fins de arrecadação e compensação de multas impostas e transferência de dados e informações.

II. Em preliminar

Competente a Justiça Federal por se tratar de ação proposta em face de autarquia federal, nos termos do artigo 109, I, da Constituição Federal.

A ação civil pública é cabível e autor legítimo é o Ministério Público, com base no disposto nos incisos II e III do artigo 129 também da Constituição Federal (cf. REsp 89.646, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, constando da ementa: “na sociedade contemporânea, marcadamente de massa, e sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania”) (1).

Ademais, como diz Caio tácito:

“O direito ao funcionamento regular dos serviços públicos (o dever de boa administração a que se refere a Constituição italiana de 1948) inscreve-se destacadamente no elenco dos direitos fundamentais dos indivíduos e das empresas”(Temas de Direito Público – Estudos e Pareceres, vol. I, Editora Renovar, p. 403).

Assim, de se dizer que a efetividade da educação e da segurança no trânsito, o respeito por parte dos entes públicos aos princípios constitucionais do Direito Administrativo, a tutela das receitas públicas, bem como os direitos da sociedade enquanto destinatária das atividades públicas são, por certo, direitos difusos, nos termos do artigo 1.º da LACP.

Dessa forma, a legitimidade do Ministério Público Federal, decorre tanto do já referido art. 129, II e III, da CF, como, em base infraconstitucional, do artigo 1.º da Lei da Ação Civil Pública e do Capítulo I da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público Federal (Lei Complementar no. 75), que prevê as atribuições pertinentes à proteção dos direitos difusos já enunciados.


Especificamente quanto à atividade em causa do Ministério Público Federal, dispõe o artigo 5.º, da referida LC 75/1993:

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:

I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios

h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;

II – zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:

d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente

e) à segurança pública;

III – a defesa dos seguintes bens e interesses:

a) o patrimônio nacional;

IV – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;

Por conclusão, temos, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Ministro José Delgado (RESP 427140 / RO):

2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado

de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

III. Do Sistema Nacional de Trânsito

O trânsito no Brasil, país federativo que é, se dá, naturalmente, em território em que, simultaneamente, há a União, Estado e Município. Daí a necessidade de um Sistema Nacional de Trânsito, congregando os diversos órgãos e entes das diversas esferas da Federação.

Ademais o trânsito do indivíduo não é privativo da União, do Estado ou do Município, representando já uma necessária unidade entre essas esferas. Ademais, a legislação é única e coordenada. As sanções e as perspectivas do Código de Trânsito são as mesmas independentemente do órgão responsável pela aplicação das multas em determinada circunstância, havendo necessária acumulação.

Há no trânsito, pois, como na própria Federação, a diversidade na unidade.

Assim, apesar da divisão de atribuições, há algumas que são concentradas no interesse de todo o Sistema de Trânsito em um órgão.

Ou seja, não dispensa a legislação a responsabilidade da parte, o órgão ou ente administrativo com a totalidade do Sistema ou com os demais órgãos. Dessa forma, a divisão de atribuições ou competências não pode chegar ao cúmulo de representar a sujeição de um órgão a outro.

III. 1. Do licenciamento

Sobre o licenciamento esclarece o sítio da revista especializada Quatro Rodas na internet (http://quatrorodas.abril.com.br/servicos/licenciamento/):

O licenciamento dos veículos automotores, que deve ser feito anualmente e autoriza o veículo a circular em território nacional, teoricamente serviria para atestar suas condições de segurança e conformidade quanto às normas de emissão de poluentes e ruído. Efetivamente não é exatamente isso o que acontece e a emissão do CRLV — Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo — por enquanto ainda não está vinculada a uma inspeção rigorosa do carro.

A taxa de licenciamento, teoricamente, serve para cobrir os custos da emissão da documentação do veículo.

Não há uma regra definda e cada Estado acaba estipulando o valor para os veículos registrados em seu território. Vale lembrar que o CLVR é um documento de porte obrigatório para o condutor do veículo, independente de ser ou não o proprietário. Além disso, para fazer o licenciamento, a lei exige o pagamento do IPVA e de todas as multas vinculadas ao veículo, independente do motorista responsável pelas infrações cometidas.

No mesmo sentido, a página do Detran do Estado do Maranhão (www.detran.ma.gov.br/licenciamento/):

(licenciamento) É a regularização anual do veículo junto ao Departamento Estadual de Trânsito, para efeitos de verificação das condições de segurança bem como da quitação dos débitos previstos na legislação em vigor.


De acordo com o Artigo 131, §2º, do Código de Trânsito Brasileiro, o veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independente da responsabilidade pelas infrações cometidas.

Temos assim, nos termos da legislação mencionada, que o licenciamento é um procedimento vinculado ao poder de polícia de trânsito enquanto sistema global, havendo um só, anual, para todos veículos. Não há assim diversos licenciamentos perante diversos órgãos.

Tanto implica, pois, que o licenciamento pelo Detran/SP é um ato de validade e vinculação a todos os órgãos de trânsito.

Por outro lado, por ocasião do licenciamento considera-se a quitação de todas as multas vinculadas ao veículo, e não apenas as multas estaduais.

Por fim, o poder de polícia na espécie é vinculado e não discricionário, não havendo faculdade de se dispensar tal ou qual débito.

Conclui-se, portanto, que o Detran/SP está vinculado no ato de licenciamento à consideração de todas as multas vinculadas ao veículo em questão, o que nos leva a dizer ilícito seu procedimento de desprezar as multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal até a data do licenciamento.

Do ato ilícito mencionado, o dano é a falta absoluta de efetividade das multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal. Dessa falta de efetividade, ou seja, dessa impunidade, resulta o desrespeito pelas regras e boa conduta no trânsito e o aumento da insegurança nas vias federais.

Se não devemos desprezar os efeitos da queda da arrecadação federal na hipótese, temos, porém, que estar alertas à finalidade da sanção no trânsito, que, em última instância, e como dito acima, é a segurança nas estradas.

III. 2. Os “pontos na carteira”

Não obstante se caracterizar por ser um diploma legal vinculado à cidadania, impondo aos poderes públicos uma série de deveres perante os usuários das vias de transporte, o Código de Trânsito também se caracteriza por buscar evitar a impunidade no trânsito e assim garantir a segurança dele.

Instrumento a tanto destinado é, obviamente, a pontuação incidente no prontuário do infrator. Assim apresenta o sistema a página do Detran/CE (2):

As infrações estão divididas em quatro grupos. Além de pagar a multa, o infrator terá contabilizado na carteira de habilitação, os pontos referentes às suas infrações. Quando atingir o total de 20 pontos, o condutor tem sua carteira de habilitação suspensa.

Novamente, por necessidade de unidade no Sistema Nacional de Trânsito, esse processo de contagem da pontuação dos motoristas é centralizado nos Dentran’s (3).

Novamente, ilicitamente, o Detran/SP, enquanto dever-poder vinculado seu, não vem considerando a pontuação por multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal, o que torna o CTB, de fato, derrogado parcialmente.

Esses itens, III.1 e III.2., temos que são deveres do DETRAN em atuação vinculada independente de convênio.

Não obstante, como nos manifestamos abaixo, há ainda também a necessidade desse como forma de integrar os órgãos no que se refere à arrecadação e compensação de valores de multas e transmissão ou transferência de dados ou informações.

IV. Da necessária integração

O Código de Trânsito Brasileiro funda-se, dentre outros princípios, pela necessidade de integração entre as diversas entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito. Sabe que o atingimento de seus propósitos, a garantia de um trânsito são e vinculado a comportamentos tidos por adequados, quer por parte dos motoristas, quer por parte dos poderes públicos, não é conseguida isoladamente por qualquer que seja o órgão de trânsito.

Nessa linha, os seguintes dispositivos do CTB:

Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:

III – estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório e a integração do Sistema;

Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais:

X – integrar-se a outros órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito para fins de arrecadação e compensação de multas impostas na área de sua competência, com vistas à unificação do licenciamento, à simplificação e à celeridade das transferências de veículos e de prontuários de condutores de uma para outra unidade da Federação;

Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

XIII – integrar-se a outros órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito para fins de arrecadação e compensação de multas impostas na área de sua competência, com vistas à unificação do licenciamento, à simplificação e à celeridade das transferências de veículos e de prontuários de condutores de uma para outra unidade da Federação;


XIV – fornecer, aos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários municipais, os dados cadastrais dos veículos registrados e dos condutores habilitados, para fins de imposição e notificação de penalidades e de arrecadação de multas nas áreas de suas competências;

Há assim inafastável necessidade de os réus se integrarem para fins de arrecadação e compensação de multas impostas, com vistas à unificação do licenciamento e à simplificação dos procedimentos. Tanto nos termos literais e vinculantes do Código de Trânsito.

Ademais, não há como escapar às imposições de um federalismo que deve ser tido como cooperativo.

IV. Do federalismo cooperativo

Para compreender os termos da Constituição de 1988, temos que o constituinte, sem buscar o centralismo do período autoritário antecessor, fundou-se em um federalismo em que os entes autônomos se apresentassem em posição de solidariedade e soma de esforços no atingimento de suas tarefas constitucionais.

Nessa linha, como dito acima, o CTB prevê necessária integração entre as estruturas administrativas federais e estaduais, ademais das municipais, vinculadas à execução da legislação de trânsito.

Ou seja, a penetração do federalismo na Constituição não se faz apenas no sentido de estancar as competências, mas também, em encontro com os princípios da Administração (eficiência, legalidade, finalidade, razoabilidade, impessoalidade), traz para os entes federados a necessidade de conjugação de esforços no desenlace dos respectivos misteres.

Veja-se que, em matéria financeira, envolvida a arrecadação, a consideração global e co-responsabilidade são grandemente reforçadas, mormente depois da legislação a cuidar da responsabilidade fiscal, a negar a possibilidade de desperdício de receitas, e, na esteira, de desperdício de esforços.

Assim, eficiência e coordenação andam juntas na nova ordem constitucional, como ensina Antônio Fonseca (4):

“Modernamente, três desafios são postos ao Estado: reafirmação da sua autoridade, cumprimento da sua finalidade e motivação dos cidadãos pelo esforço em assegurar, a estes, acesso à informação, educação, participação nas decisões e garantia das liberdades. A efetividade desses três conjuntos de condições depende de uma série de fatores, entre os quais a eficiência da Administração Pública (…) A improbidade, visualizada como negação da eficiência e da economicidade (controle ex post da eficiência), reclama uma atuação repressiva em busca da racionalidade na aplicação dos recursos da sociedade” (p. 35/36).

“Coordenação significa evitar duplicação, superposição ou superabundância de recursos desnecessariamente aplicados em um ou mais objetivos e que poderiam ser alocados mais eficientemente para outros objetivos” (p. 47/48).

Temos, pois, que não pode o Poder Público recusar forma constitucionalmente incitada e especificamente prevista no Código de Trânsito garantidora de eficiência e economicidade na atuação administrativa dos entes do SNT.

Temos assim que, exercida a competência em nível legislativo, a atividade administrativa é instrumental e finalisticamente dirigida, e aí, cumpre ao administrador ser efetivo, dentro de seu dever-poder constitucional e legalmente imposto.

Por outro lado, a integração entre os réus visa ao atendimento de minimização dos incômodos aos administrados, por exemplo, a necessidade de deslocamento a vários órgãos quando a pendência a ser resolvida poderia ser atendida com a presença apenas a um deles.

Não se pode aqui se resguardar a omissão que a presente ação condena com base na simples argumentação de tratar-se a norma do CTB mera faculdade administrativa. Tanto não há nesta seara, em que claro o poder-dever de agir da Administração, em busca do benefício dos bens a que cumpre gerir.

Como ensina José Alfredo de Oliveira Baracho (5):

“O federalismo assenta-se, originariamente, sobre a repartição dualista de competência e poder. Entretanto, nos últimos tempos, o federalismo dualista evoluiu, graças aos processos de cooperação e coordenação política, criando uma espécie de federalismo intergovernamental ou cooperativo. Procura-se conciliar a unidade na diversidade”.

Por outro lado, como diz Caio Tácito:

“A Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho de 1998, aditou a possibilidade de consórcios públicos e de convênios de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a serem objeto de lei reguladora, no sentido da gestão associada de serviços públicos e a transferência total ou parcial de encargos e serviços (nova redação do artigo 241 da Constituição). São expressões modernas do federalsimo cooperativo” (Temas de Direito Público, Estudos e Pareceres, 3.º Volume, Editora Renovar)


Temos assim, pois, pelos argumentos expedidos, que estão em mora os réus quanto à conclusão de convênio, sendo ilícita e geradora de responsabilidade a omissão deles.

V. Da antecipação da tutela

De forma a atender aos modernos institutos de processo civil, tendentes a inibir o dano, temos por presentes os requisitos determinados pelo Código de Processo Civil para a antecipação da tutela.

O fumus boni iuris decorre dos argumentos acima expedidos.

Presente também o perigo da demora.

Não pode a segurança do trânsito aguardar o encerramento do processo em todas suas fases e recursos, nem pode também o Sistema Nacional de Trânsito não se efetivar como previsto pelo legislador.

Assim porque a integração entre os órgãos de trânsito e a efetividade das sanções aplicadas aos infratores são a garantia da segurança nas estradas, da tranqüilidade e proteção dos motoristas, passageiros e pedestres, bem como do correto funcionamento de toda estrutura pública vinculada ao trânsito.

De fato, a impunidade no trânsito e a desintegração entre os órgãos trazem aos usuários por qualquer maneira das estradas perdas irrecuperáveis e que não devem ser permitidas enquanto pendente de decisão final o presente feito.

Dessa forma, não se quer recusar a garantia inibitória dada pelo artigo 461 e 273 do CPC e pelo artigo 84 do CDC, este instrumentalizado especificamente a tutela dos interesses difusos e coletivos.

Sobre a tutela inibitória e sua aptidão para impedir a continuidade de uma situação negadora do direito ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

“A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação. Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que multiplicam-se os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados novos direitos. (…) A tutela inibitória não visa apenas a impedir um fazer, ou seja, um ilícito comissivo, mas destina-se a combater qualquer espécie de ilícito, seja ele comissivo ou omissivo. O ilícito, conforme a espécie de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo, o que abre a oportunidade, por conseqüência, a uma tutela inibitória negativa – que imponha um não fazer – ou uma tutela inibitória positiva – que imponha um fazer” (6)

Por fim, de se ver que além de não ter que se falar em irreversibilidade da medida, a tutela nos termos aqui propostos é para atender às próprias finalidades dos réus.

VI. Do pedido

Ante o exposto, nos termos do art. 282, IV, do CPC, é a presente ação para requerer:

a antecipação da tutela para se determinar ao Estado de São Paulo para, através do DETRAN/SP, que considere todas as multas exigíveis aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal até o dia do licenciamento para fins do mesmo, nos termos dos arts. 130 e 131, §2.º, do Código de Trânsito, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos;

a antecipação da tutela para se determinar ao Estado de São Paulo que faça incidir no prontuário do infrator a pontuação decorrente das multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos;

a antecipação da tutela para se determinar ao Estado de São Paulo e à União a, em um prazo de três meses, ou outro assinalado pelo Juízo, concluírem convênio visando à integração do DETRAN/SP e da Polícia Rodoviária Federal, para fins de arrecadação e compensação de multas e transferência de informações e dados, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos.

a citação dos réus, para que, no prazo legal, apresentem a defesa que entendam de direito;

ao final, a condenação do Estado de São Paulo para, através do DETRAN/SP, considerar todas as multas exigíveis aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal até o dia do licenciamento para fins do mesmo, nos termos dos arts. 130 e 131, §2.º, do Código de Trânsito, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos;

a condenação do Estado de São Paulo a fazer incidir no prontuário do infrator a pontuação decorrente das multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos;

a condenação do Estado de São Paulo e da União a, em um prazo de três meses, ou outro assinalado pelo Juízo, concluírem convênio visando à integração do DETRAN/SP e da Polícia Rodoviária Federal, para fins de arrecadação e compensação de multas e transferência de informações e dados, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC e seus parágrafos.

Provará o alegado por todos os meios em direito admitidos.

Atribui-se à causa o valor de R$ 1000,00.

São Paulo, 07 de julho de 2005

Márcio Schusterschitz da Silva Araújo

Procurador da República

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!