Invasão remediada

Justiça determina sigilo de material apreendido de advogado

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8 de julho de 2005, 13h26

Os documentos, agendas, fitas de vídeo e equipamentos de informática apreendidos na casa do advogado Silvio Maciel de Carvalho devem ser protegidos e mantidos em sigilo. A liminar é do desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relator do Mandado de Segurança impetrado pelo delegado da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas dos Advogados, Fábio Felipe Pitta Fernandes Corrêa.

No dia 9 de junho, Silvio Maciel de Carvalho teve sua casa invadida por policiais portando mandado de busca e apreensão, que levaram computador, laptop, disquetes, documentos de clientes e outros utensílios profissionais. O pedido partiu da promotora de Justiça Valéria Videira Costa, quando instaurado inquérito policial na Delegacia de Homicídio da Zona Oeste do Rio, com a finalidade de investigar crimes praticados no uso de máquinas caça-níqueis.

De acordo com o processo, o pedido do Ministério Público relata a existência de dez homicídios relacionados à disputa de pontos de exploração das máquinas caça-níqueis. Silvio Maciel de Carvalho é advogado da empresa Adult Fifty Games e apontado pela promotora com “laranja” e “testa de ferro” da empresa.

Porém, segundo o desembargador Amado, não há menção a qualquer conduta do advogado que possa ser tida como envolvimento na “guerra entre quadrilhas”. O desembargador ressaltou que “o advogado é inviolável na sua profissão e no sigilo dos seus arquivos, dados, correspondências e comunicações, que deverão ser respeitados como verdadeiros santuários”. Mas fez a ressalva: “somente quando o advogado se envolve com a prática delituosa, ultrapassando as barreiras do exercício profissional, aí sim, e só neste caso, poderá ele ser alvo da diligência”.

O desembargador entendeu que faltaram fundamentos para justificar a medida “de extremo rigor e força, como a busca e apreensão na residência ou escritório de um advogado”.

O advogado pediu que fosse declarada a ilegalidade da busca e apreensão e que fosse devolvido tudo o que foi apreendido, mas a liminar não concede a devolução do material, apenas resguarda o sigilo do que foi apreendido. Segundo a decisão, existe a possibilidade de outros motivos e investigações, que tenham formado a convicção do juiz que concedeu a medida, mas que não constam ainda nos autos. “Afinal, a ocorrência de indícios que possam mostrar conduta ilícita do impetrante ainda não é de ser descartada”, afirmou o desembargador.

Leia a íntegra da liminar

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.078.000-46

(Ação nº 2005.204.006369-7)

IMPETRANTE: SILVIO MACIEL DE CARVALHO

IMPETRADO: JUIZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DE BANGU

RELATOR: DES. ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO AMADO

DECISÃO

Trata-se do Mandado de Segurança, com pedido de Liminar, ajuizado por Silvio Maciel de Carvalho, Advogado, inscrito na OAB/RJ sob o nº 88.361, representado pelo Delegado da Comissão de Defesa, Assistências e Prerrogativas dos Advogados, Dr. Fábio Felipe Pitta Fernandes Corrêa (Procuração fls. 09), contra o ato do Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Bangu, aduzindo que, em 17/01/2002, representou contra a Promotora de Justiça Valéria Videira Costa, por força de uma investigação desenvolvida por ela, em relação ao homicídio do irmão do impetrante.

Em contrapartida, a mesma Promotora ajuizou uma ação penal contra o impetrante, por calúnia, injúria e difamação e uma ação cível indenizatória, ambas julgadas improcedentes, inclusive em segunda instância.

Todavia, ao ser instaurado o Inquérito Policial na Delegacia de Homicídio-Oeste, com a finalidade de investigar eventuais crimes praticados no uso de máquinas caça-níqueis, a mesma Promotora como Representante do Ministério Público, requereu a expedição de Mandado de Busca e Apreensão no escritório e residência do impetrante, sem esclarecer os antecedentes ora referidos, ao Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal.

Ocorre que, em 09/06/2005, o impetrante teve sua residência invadida por policiais civis, portando Mandado de Busca e Apreensão mencionado Juízo, ocasião em que foram apreendidos computador, laptop, disquetes, documentos de clientes e diversos utensílios profissionais do impetrante.

Não foi confeccionado o Auto de Apreensão e, paralelamente, não se entregou cópia ao ora impetrante.

Insiste que foi violado o direito de inviolabilidade do segredo profissional do impetrante e que Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz da 1ª Vara Criminal, rejeitou a exceção de Suspeição que lhe foi interposta, mesmo com os elementos indicados pelo impetrante.

Acresce que no relatório da Autoridade Policial só se menciona Busca e Apreensão na sede das empresas IVEGE (Adult Fifty Games) e OESTE RIO GAMES.


Argumenta com o art. 7º da Lei nº 8.906/2004, com a Constituição Federal e com a violação dos arts. 243 e 245 do Código Processual Penal.

Pede, liminarmente, que seja declarada a ilegalidade da Busca e Apreensão e devolução de tudo o que foi apreendido, ao impetrante.

Isto posto, decido.

A questão referente à eventual suspeição ou impedimento da ilustre promotora. Drª. Valéria Videira em relação aos procedimentos em que o impetrante seja parte ou mero advogado, não pode ser solucionada, naturalmente, pela via ora escolhida, isto é, da Liminar. Afigura-nos, por enquanto, temerário afirmar que a medida perseguida pelo Ministério Público tenha mesquinho interesse da vingança. Custa-me crer em tal conduta abjeta e indigna.

Nada impede, entretanto, que, liminarmente, examine-se a eventual Ilegalidade da Busca e Apreensão praticada.

A medida de Busca e Apreensão deve ser colorida com fundadas razões, visando a apreender coisas obtidas por meios criminosos, apreender armas e munições e instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fins delituosos, além de qualquer objeto ou quaisquer elementos de convicção, necessários à prova de infração ou defesa do réu (art. 240, § 1º, “b”, “c” “d” “e” “h”, do Código de Processo Penal).

A medida cautelar, portanto, tem uma amplitude extensa.

No caso em tela, examinando a documentação trazida com a inicial, observo que a investigação policial iniciou-se pela Delegacia de Homicídios da Zona Oeste, mediante provocação que se vê às fls. 57/61, em razão de uma disputa de pontos de anotações do jogo do bicho, bem como de máquinas caça-níqueis da região da zona oeste.

Foram identificadas algumas pessoas que teriam sido vítimas da atuação desse confronto entre os grupos criminosos, concluindo então o Chefe da Investigação pela Busca e Apreensão de máquinas e equipamentos de caça-níqueis das empresas ADULT FIFTY GAMES E OESTE RIO GAMES, bem como dos softwares dos referidos computadores, além da quebra de sigilo irrestrito dos dados de informática das referidas máquinas e equipamentos.

Os fatos narrados foram encampados pela Delegada de Polícia Fátima Cristina dos Santos Bastos, que representou pela Busca e Apreensão nas sedes das empresas já referidas, nos galpões de reparo de máquinas, bem como pela quebra do sigilo de dados, referente aos ditos equipamentos que deveriam ser apreendidos (fls. 62/65).

O procedimento foi remetido ao Ministério Público que, através do parecer do fls. 66/73, solicitou a Busca e Apreensão e a quebra de sigilo de dados, não só em relação às ditas empresas — únicas referidas na investigação policial — mas também em relação à residência de Silvio Maciel de Carvalho, Fernando Ignácio de Miranda, Marcos Paulo Moreira da Silva e Rogério Costa de Andrade e Silva.

O pedido do Ministério Público relata a existência de dez homicídios, relacionados à disputa referente ao domínio de pontos de exploração das máquinas caça-níqueis e que as empresas são administradas por Fernando Ignácio de Miranda e Silva, ambos, gerente e sobrinho do falecido Castor de Andrade.

O confronto iniciou-se depois da morte de Castor de Andrade, com o homicídio de Paulinho de Andrade.

Existe o envolvimento de policiais civis, militares e servidores públicos, tanto na contravenção do jogo do bicho, como na exploração das máquinas caça-níqueis.

Para a repressão da prática dos acontecimentos narrados, há necessidade de se coibir, impedir e reprimir as atividades ilegais. Daí porque se tornam necessárias as seguintes medidas cautelares, ou seja:

– Busca e Apreensão dos documentos escritos, cadastros, cadastros de pessoas envolvidas na exploração das máquinas caça-níqueis;

– Armas e instrumentos utilizados na prática criminosa;

– Análise de programas utilizados nos jogos eletrônicos

– Verificação de procedência dos materiais de componentes eletrônicos.

Continua o pedido da Ilustre Promotora, mostrando a necessidade da medida cautelar, falando da violência, vinculação com o narcotráfico, proliferação da máfia da contravenção, poder dos “capôs”, seus advogados e políticos, também envolvidos.

Insisto na necessidade de pôr fim a barbárie e que existem indícios de que Fernando Ignácio de Miranda e Rogério Costa de Andrade e Silva são os mandantes dos crimes de homicídios praticados na declarada guerra entre quadrilhas.

Finalizando o pedido de busca e apreensão, a Ilustre Promotora justifica a necessidade da cautelar se estender à “residência de advogados e dos seus “testas de ferro”, verdadeiros laranjas, como são os advogados da empresa Adult Fifty Games “SILVIO MACIEL DE CARVALHO (o impetrante) e MARCOS PAULO MOREIRA DA SILVA, vulgo “Marquinhos sem Celebro”, gerente geral da empresa ADULT”.


A medida é justificada, contínua e ilustre Promotora, “ em razão da informação de que os mesmos, conhecedores da legislação, marcam seus encontros e reuniões em horário noturno, justamente para evitar serem surpreendidos por inclusões policiais que, como é cediço, são realizadas sempre em horário diurno, por força da norma constitucional.”

O pedido foi integralmente acolhido pela decisão de fls. 88/103, pelo Ilustre Juiz de Direito da 1º Vara Criminal de Bangu, que determinou, então, tanto a Busca e Apreensão nos locais indicados, como a quebra de sigilo de dados do software dos computadores e máquinas apreendidas.

O despacho do Ilustre magistrado é longo e fundamentado, mas da sua leitura não encontrei qualquer referencia à aludida prova de que o impetrante é um dos “laranjas” da empresa.

De qualquer forma, nos relatórios policiais trazidos com a inicial, também não há menção a qualquer conduta do impetrante que possa ser tida como envolvimento na guerra entre quadrilhas.

A referência ao impetrante surge apenas no parecer da ilustre Promotora de Justiça, mas sem indicação de qualquer peça ou depoimento do inquérito ou das investigações, que possa levar a conclusão de que o impetrante está envolvido na quadrilha e que não atua apenas como advogado.

A conclusão mais se robustece em vista da certidão que consta às fls. 12, onde está dito que Silvio Maciel de Carvalho não está indiciado em qualquer dos procedimentos que tramitam na Delegacia de homicídios-Oeste, encarregada da investigação dos fatos. A certidão é posterior à data da busca e apreensão.

A isolada afirmação de que Fernando Ignácio de Miranda se reúne na residência de seu Advogado e de seus “testas de ferro”, é muito fraca para justificar uma medida de extremo rigor e força, como a Busca e Apreensão na residência ou escritório de um advogado. Por esse aspecto, a liminar se impõe ante a falta de fundadas razões para a sua concessão.

É claro que o exame da documentação trazida com a inicial é sempre limitado, pois, naturalmente, junta-se apenas os documentos que protegem a pretensão. Só com as informações da Autoridade Coatora é que serão conhecidos, definitivamente, todos os elementos até então apurados e que poderão demonstrar sérios indícios, ou não, do comprometimento do impetrante.

É certo que o advogado é inviolável na sua profissão e no sigilo dos seus arquivos, dados, correspondências e comunicações, que deverão ser respeitados como verdadeiros santuários.

Diferentemente, entretanto, como assegurou em recente entrevista o Ministro Thomas Bastos — eminente advogado, de passado impecável, ex-presidente do Conselho Federal da Entidade e, como tal, sem qualquer herança de truculência que o desabone — em se tratando, não do advogado que exerce as suas funções, mas daquele que traindo o seu grau e honra profissional, torna-se co-autor, cúmplice ou participo dos ganhos e benefícios de um grupo de crime organizado. Este não pode alegar a sua imunidade, porque não atua como advogado, mas “data venia”, como criminoso.

Tenho conhecimento, inclusive, que o ilustre Ministro da Justiça, baixou recentemente Portaria, no âmbito da atuação da Polícia Federal, no tocante a Buscas e Apreensões envolvendo advogados, ressalvando que o pedido não possa se fundamentar, exclusivamente, no exercício regular profissional. Vale dizer, que pode haver uma atuação do advogado que não se enquadre no seu “munus”, mas sim, como participante ou co-autor de uma conduta criminosa e que, como tal, não mereça a proteção da inviolabilidade.

Não é sem razão que o não menos ilustre Presidente da OAB-RJ Dr. Otávio Gomes, assegurou pontualmente em artigo hoje publicado no jornal O Globo, que “somente quando o advogado se envolve com a prática delituosa, ultrapassando as barreiras do exercício profissional, aí sim, e só neste caso, poderá ele ser alvo da diligência”.

Feitas estas ressalvas, com base na documentação acostada, e num juízo de prelibação, com o conhecimento ainda limitado, vislumbro, pelo qual já foi afirmado, periculum in mora e fumus boni iuris, para a concessão da liminar, em parte, de forma que o material apreendido seja mantido resguardado, protegido e em sigilo, sustando a quebra do sigilo de dados, dos documentos, das agendas e dos equipamentos de informática, apreendidos na resistência do impetrante, e todos mais que constam descritos ás fls. 74 inclusive CD’s, fitas de vídeo e disquetes. Fica acobertado “si ot quantum” o sigilo dos dados e arquivos do impetrante, de forma completa.

O MM. DR. Juiz de Direito deverá comunicar o teor desta decisão ao ilustre Titular da Delegacia de Homicídios-Oeste e ao Diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, e a quem quer que mantenha a guarda ou depósito do referido material, inclusive o Ministério Público.

As perícias em andamento serão sustadas e o material ou equipamentos em exame também serão submetidos ao acautelamento determinado.

O material apreendido que consta às fls. 74 deverá ser lacrado e guardado, mediante sigilo e proteção, sem qualquer acesso aos peritos, policiais e quaisquer outras autoridades encarregadas da investigação ou da instrução criminal, até decisão do presente “mandamus” sob as penas da lei.

Justifico a não devolução dos equipamentos e materiais ao impetrante, neste momento, pela possibilidade de outros motivos e investigações que tenham, por ventura, formado a convicção do ilustre magistrado que deferiu a medida, mas que não constam ainda nos autos. Afinal, a ocorrência de indícios que possam mostrar conduta ilícita do impetrante ainda não é de ser descartada.

Aliás, a devolução, incontinente, como pretendido pelo impetrante, poderia desvirtuar a prova, o que também não é aconselhável que se faça liminarmente.

Face ao rito célere do “mandamus”, não vejo, por enquanto, intolerável prejuízo à atividade do impetrante, pelo menos até a chegada das informações, quando poderei revogar ou estender a liminar.

Oficie-se, com cópia desta decisão, comunicando a concessão, em parte, da liminar, solicitando informações, no prazo legal e, após, dê-se ciência ao Representante da Procuradoria Geral de Justiça.

Intimem-se.

Rio de Janeiro, 5 de julho de 2005

Des. Antônio Carlos Nascimento Amado

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