Cidade de Deus

Moradores processam autor de Cidade de Deus por dano moral

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6 de julho de 2005, 20h44

Quando a arte imita a vida e a vida não está lá essas maravilhas, então que se processem os artistas. Foi o que fizeram algumas pessoas que, sob a alegação de se identificarem com personagens do livro Cidade de Deus, entraram na Justiça para tentar faturar alguns trocados a mais. Acionaram o autor Paulo Lins e a editora Companhia das Letras, que editou a obra, reclamando danos morais e materiais, alegando ofensa à honra e ao direito de intimidade. Reclamam também por não terem sido consultadas na publicação e veiculação de suas vidas.

Ailton Costa Bittencourt, conhecido como Ailton Batata é uma dessas pessoas. Achando que personagem Sandro Cenoura inventado por Lins era ele mesmo em carne e osso entrou com ação contra a Companhia das Letras, há cerca de dois anos. A disputa judicial terminou em acordo que rendeu a Batata R$ 5 mil. Agora, Batata está processando os produtores do filme, Cidade de Deus, feito com base no livro.

A editora responde a mais três ações que tramitam na Justiça. Benite Correa, que processa também Paulo Lins, alega ser o personagem Benite. Alega, ainda, que o livro cita também o personagem Bené, que seria seu irmão Benedito. Anita de Souza, mãe de Benite e de Benedito acionou a editora e o escritor alegando que seria mãe do personagem Bené, e que estavam falando de seu filho sem sua autorização.

Sebastiana Silva move ação contra Paulo Lins, alegando ser a personagem Dona Ba. Segundo ela, nove páginas do livro diziam que Ba era prostituta e dona de um bordel. Na vida real, que fique bem claro em defesa da honra da autora da ação, Sebastiana não é prostituta nem dona de bordel.

As pessoas que entraram na Justiça reclamam que o livro e o filme, criaram uma imagem muito ruim da Cidade de Deus, dando a impressão de que lá só moram marginais. Alegam que por causa desta má fama, segundo eles criada pela ficção e sem referência na vida real, não conseguem emprego e passaram a ser discriminados.

Para essas pessoas não valeu a advertência que geralmente se vê nos créditos finais dos filmes, de que ele é baseado em fatos reais mas que qualquer semelhanças é mera coincidência.

Eda Goulart Porfírio Ferla, advogada da Companhia das Letras e de Paulo Lins, diz que embora tenham uma vida semelhante aos dos personagens criados por Lins, os moradores de Cidade de Deus não podem reivindicar exclusividade para suas histórias. “Quantas histórias de tráfico não existem? Quando assistimos a um filme ou mesmo uma novela identificamos algumas características dos personagens com a nossa vida. Isso é normal. Se todo mundo que se identificasse com um personagem resolvesse processar podemos imaginar o volume de ações na Justiça”.

Também representante da editora e do autor, o advogado Fernando Kasinski Lottenberg, lembra de alguns escritores, como Machado de Assis e Lima Barreto. As obras-primas que escreveram também se basearam em fatos e personagens que viveram e conheceram. “É natural que fatos e características da ficção coincidam com pessoas e acontecimentos da vida real”.

Para Lottenberg, essas ações são um bom exemplo da vulgarização do dano moral. O advogado lembra que antes não havia tanta proteção ao dano moral mas que agora a situação ficou exacerbada demais. Para ele querer controlar a ficção pode resultar na uma tutela ao pensamento e à criação. “Precisamos chegar a um meio termo. Alguém ser processado judicialmente por causa de uma obra de ficção, é um exagero”.

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