Morte em Anapu

Acusado de mandar matar freira vai recorrer ao STJ

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6 de julho de 2005, 13h00

Acusado de ser um dos mandantes do assassinato da freira americana Dorothy Stang, Regivaldo Pereira Galvão deve levar ao Superior Tribunal de Justiça pedido de Habeas Corpus contra a prisão preventiva que cumpre desde fevereiro.

O advogado de Galvão, Osvaldo Serrão, aguarda apenas a publicação do acórdão do Tribunal de Justiça do Pará que negou o Habeas Corpus. Serrão contesta os argumentos do TJ para manter seu cliente na prisão. “O tribunal fundamentou a negativa do Habeas Corpus na gravidade do crime e no clamor popular suscitado pela morte da irmã Dorothy, argumentos que não encontram sustentação na jurisprudência dos tribunais superiores para negar a suspensão da prisão preventiva”.

Para o Tribunal de Justiça do Pará, a prisão preventiva deve ser mantida “como garantia da ordem pública, em razão da gravidade do delito e a conseqüente comoção provocada no meio social (…) mesmo sendo o réu primário e de bons antecedentes”.

Serrão sustenta que se trata de alegação colocada “de forma genérica, assentada em meras presunções e subjetivo juízo de valor, sem qualquer referência a fatos ou atitudes, reais e atuais, pinçados do mosaico processual”. Afirma ainda que a prisão preventiva “somente poderá efetivar-se se o ato judicial que a formalizar possuir fundamentação substancial; vale dizer, baseada em elementos concretos que se adequem aos pressupostos abstratos”.

Ao decidir pela manutenção da prisão preventiva de Galvão, o tribunal teria, segundo Serrão, “confundido o crime com a imputação”. Por mais grave que tenha sido o assassinato da irmã Dorothy e por maior que tenha sido a repercussão internacional alcançada, os desembargadores deveriam se ater à fundamentação do pedido de prisão preventiva contra Galvão.

O advogado lembra também que a prisão preventiva é uma medida processual, para garantir o bom andamento do processo e não tem caráter punitivo. Cita voto do ministro Celso de Mello do STF, que defende esta posição: “a prisão preventiva não pode e nem deve ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputa a prática do delito, pois no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo, e inconciliável com condenações sem defesa prévia”.

Fatos e motivos

Em decisões recentes tanto o STJ quanto o Supremo Tribunal Federal concederam Habeas Corpus e tiraram da prisão réus de crime que causaram perplexidade pública. O STJ concedeu o benefício a Suzane Richthofen, ré confessa de planejar o assassinato dos próprios pais. O STF deu liberdade ao juiz Antônio Leopoldo Teixeira, acusado de planejar o assassinato do também juiz Alexandre Martins de Castro Filho, do Espírito Santo.

Para o ministro Marco Aurélio, do STF, que julgou o caso do juiz capixaba, não prospera a “necessidade de se prevenir a reprodução de fatos criminosos, acautelando-se o meio social e a credibilidade da Justiça”. No caso de Suzane Richthofen, a maioria dos ministros da 6ª Turma, que julgou o pedido, acatou a alegação do advogado de defesa Antônio Cláudio Mariz de Oliveira de que “não há fatos e motivos suficientes a justificar a ordem de prisão e sua manutenção apenas pela aceitação da pronúncia”.

O caso Dorothy

A americana Dorothy Stang, freira americana vivendo no Brasil, foi assassinada a tiros no dia 12 de fevereiro, em Anapu, Pará. Sua morte, relacionada a conflitos de terra, teve grande repercussão internacional. Cinco pessoas foram responsabilizadas pelo crime e estão presas: Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Batista, que assumiram a execução do crime; Amair Fajoli da Cunha, também réu confesso de planejar o assassinato; e os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão, o Taradão, acusados de serem os mandantes.

Galvão, que sempre negou qualquer envolvimento no crime, vendeu a Vitalmiro Moura a fazenda onde ocorreu o crime e cujas terras eram requeridas pelo Plano Desenvolvimento Sustentável, um projeto de assentamento comandado pela freira. Bida, por sua vez, vendeu parte da fazenda para Amair Fajoli. Fajoli foi quem acusou Galvão de ser um dos mandantes do assassinato.

Leia o pedido de Habeas Corpus ao TJ-PA:

Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente das Câmaras Criminais Reunidas

A prisão preventiva não pode e nem deve ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputa a prática do delito, pois no sistema jurídico brasileiro, fundado em base democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo, e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

HC STF 80.719 – Relator Ministro Celso de Mello.


PLEITO: Habeas Corpus Liberatório, com Liminar

PACIENTE: Regivaldo Pereira Galvão

ÓRGÃO COATOR: Juízo da Comarca de Pacajá

OSVALDO SERRÃO,

advogado inscrito na OAB-Pa, sob o No. 1.705 – ancorado no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e em consolidados precedentes jurisprudenciais; anexando hábil documentação como prova pré-constituída do direito vindicado – vem à honrada presença de Vossa Excelência requerer Ordem de Habeas Corpus Liberatório, com Liminar, em favor de Regivaldo Pereira Galvão, brasileiro, casado, empresário, residente e domiciliado na Cidade Altamira-Pa, visando debelar ilegal constrangimento emanado de despacho do Juízo da Comarca de Pacajá, decretador de sua prisão preventiva, porquanto destituído de legal fundamentação; aduzindo, para tanto, o seguinte:

RESUMO DOS FATOS E OBJETO DO MANDAMUS

Como corolário de aditamento à denúncia ministerial, o paciente teve a prisão preventiva decretada pelo r. Juízo da Comarca de Pacajá, em os autos do Processo-crime No. 472/041, apuratório de delito de homicídio doloso onde figura como vítima a missionária Doroty Mae Stang.

Para satisfazer as ortodoxas exigências do artigo 312 do Código de Processo Penal – fincado exclusivamente na garantia da ordem pública – o provimento sob análise adotou a seguinte motivação:

Penso que a custódia cautelar faz-se necessária como garantia da ordem pública, em razão da gravidade do delito e a conseqüente comoção provocada no meio social.

A grande comoção que o crime, com as suas graves e altamente reprováveis circunstâncias, causada em toda a comunidade local, enseja a segregação cautelar para garantia da ordem pública, mesmo sendo o réu primário e de bons antecedentes. Sublinhamos

Exsurgem, como pilastras mestras do enclausuramento: (I) gravidade genérica do crime e (II) comoção causada na comunidade.

Tudo, porém – como bem se vê – colocado de forma genérica, assentada em meras presunções e subjetivo juízo de valor, sem qualquer referência a fatos ou atitudes, reais e atuais, pinçados do mosaico processual.

Ora, a privação cautelar da liberdade individual – sempre qualificada pela nota da excepcionalidade – somente poderá efetivar-se se o ato judicial que a formalizar possuir fundamentação substancial; vale dizer, baseada em elementos concretos que se adequem aos pressupostos abstratos.

À luz desse contexto, objetiva o presente writ demonstrar que os motivos adotados pela decisão questionada não se ajustam aos estritos critérios jurisprudenciais consagrados pelos Tribunais Superiores, em tema de prisão preventiva.

1º FUNDAMENTO

AUTORIA DO CRIME

Para a decretação ou manutenção da prisão preventiva, imprescindível a existência do fumus bonis iuris, consistente na prova material da infração e indícios suficientes de autoria (art. 312/CPP, in fine).

Pressupostos, contudo, que deverão estar, imperativamente, atrelados ao periculum in mora, representado pela garantia da ordem pública ou ordem econômica, da conveniência da instrução criminal, ou da aplicação da lei penal (Art. 312/CPP, 1ª parte), objetivamente demonstrados.

Nessa linha – ao contrário do sustentado pelo decreto que mantém preso o paciente a eventual prova da prática do ilícito, por si somente, não pode servir de fundamento à prisão, mas a inequívoca demonstração de sua legal necessidade (Cf. HC STF 80.719 – Relator Ministro Celso de Mello).

A regra, a rigor, busca evitar medidas arbitrárias, com o recolhimento ao cárcere de pessoas apenas suspeitas de prática delituosa. Representa, em verdade, tão somente a base onde repousam os requisitos justificadores. Impossível, por isso, sobreviver isoladamente, para a chancela da medida extrema.

Ademais, se, de um lado, nenhuma acusação se presume provada por força escoteira de inquérito policial, face a ausência da ampla defesa e do contraditório – por outro, a fumaça do bom direito – prova da materialidade e de indícios de auto-ria – se confunde, de certa forma, com a própria justa causa da ação instaurada.

Abonar-se, pois, por esse ângulo, a tese enclausuradora implicaria na evidente admissão do restabelecimento da hodienta compulsoriedade da prisão cautelar.

Desse modo, mesmo que, hipoteticamente, se reconhecesse a ocorrência de razoável suporte probatório a supedanear a acusação, ainda assim, não seria suficiente para sustentar a clausura, porque o crime dito cometido ainda está colocado em tese, e não por vinculação a cada réu (Cf. art. 311/CPP).

Tanto mais, ainda, porque a carga acusatória a si dardejada tem sofrido significativa modificação, da mais alta relevância aos seus legais interesses. Confira-se, vg, o recuo do co-réu Amair Feijole Cunha, em seu interrogatório judicial.22


2º FUNDAMENTO

GRAVIDADE E HEDIONDEZ DO DELITO

A prisão cautelarqualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento jurídiconão se confunde com a prisão penal, porquanto não objetiva infligir prévia punição à pessoa que sofre sua decretação.

Assim – considerada a específica função processual que lhe é inerente – não pode ser utilizada para promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva, sob pena de literal subversão da sua específica finalidade, resultando, por conseguinte, grave comprometimento ao princípio da lIberdade.

A asserção permite compreender o rigor com que o Pretório Excelso tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, dessa excepcionalíssima tutela, de modo a impedir sua subsistência, quando inocorrente, como no caso sob exame, hipótese suficiente a justificá-la.

Ante essas premissas, impende assinalar que – como in casu – a configuração jurídica do delito de homicídio qualificado como delito hediondo – consoante advertência do Supremo Tribunal Federal – não se revela circunstância apta, por si somente, para fundamentar a privação cautelar do status libertatis daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado:

A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ´crimes hediondos` (Lei 8.072/90) não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária. Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ´ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória`(CF, art. 5º, LVIII).

RTJ 137/287 – Relator Ministro Sepúlveda Pertence.

A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVIII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.

HC 80.379-SP – Relator Ministro Celso de Mello.

A gravidade do crime e periculosidade do agente, embasadas nas próprias circunstâncias em que o crime de homicídio foi cometido e que devem ser entendidos como inerentes à própria tipificação penal, não se prestam a justificar a prisão preventiva.

HC STJ 21.222- Relator Ministro Gilson Dipp.

3º FUNDAMENTO

COMOÇÃO SOCIAL E CLAMOR PÚBLICO

Sustentou-se, também, para motivar a constrição do paciente o clamor público gerado pelo delito imputado; sem, contudo, a mínima ressonância ou conexão com qualquer fato concreto.

Ora – abstraída a compreensiva preocupação do julgador – o estrépito emergente das ruas, decididamente, não pode erigir-se em fator subordinante da decretação da preservação da prisão cautelar de qualquer réu, sob pena de completa aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

Esse entendimento, aliás, constitui diretriz prevalecente no magistério jurisprudencial da Suprema Corte, que, por mais de uma vez, já advertiu que a repercussão social do crime e o clamor público por ele gerado não se qualificam como causas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infração penal.

A repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312 do Código de Processo Penal.

RTJ 112/1115 – Relator Ministro Rafael Mayer.

O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão preventiva (CPP, artigo 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no artigo 323, V/CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal.

HC 80.379 – Relator Ministro Celso de Mello.

Os requisitos da prisão preventiva devem ser indicados objetivamente pelo juiz, com base na prova dos autos. A gravidade do crime, bem como sua repercussão nos meios de imprensa, vistas de forma escoteira, não justificam sua decretação como garantia da ordem pública.


HC TRF 1ª Re 20010100032832 – Relator Desembargador Federal Olindo Menezes.

4º FUNDAMENTO

CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Quanto a suposição de que o paciente, em liberdade, poderá frustrar, ilicitamente, a regular instrução processual – interferindo na produção de provas e influindo em depoimentos testemunhais – revela-se, também, insuficiente para fundamentar o decreto de sua prisão, porque totalmente desacompanhada da necessária base empírica.

Ademais, todas as testemunhas arroladas pelo dominus litis já foram inquiridas, relevante circunstância que afugenta a hipótese de sua eventual interferência na ex-cogitada coleta 1.

Não constitui fundamento idôneo, por si só, à prisão preventiva, a afirmação de ser o acusado capaz de interferir nas provas e influir em testemunhas, quando despida de qualquer base empírica.

HC STF 79.781 – Relator Ministro Sepúlveda Pertence.

A decretação da prisão preventiva, sob a égide da conveniência da instrução criminal, visa impedir que o agente perturbe ou impeça a produção das provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, etc.

O ato de influenciar negativamente na instrução, sem qualquer elemento de convicção razoável, exterioriza proposição de cunho abstrato, insuficiente para justificar a medida extrema.

RHC STJ 9.459 – Relator Ministro Fernando Gonçalves.

Ameaças no curso do processo, quer contra testemunhas, como à autoridade policial, somente justificam a custódia cautelar, como garantia da instrução criminal, quando acompanhadas de indícios mínimos de sua existência.

HC STJ 20.887. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. J. 25.6.02.

Motivação na conveniência da instrução criminal que não subsiste, tendo em vista que todas as testemunhas arroladas residentes na localidade já foram ouvidas.

HC STJ 21.222 – Relator Ministro Gilson Dipp.

O COATO É DETENTOR DE PREDICATIVOS FAVORÁVEIS

A construção pretoriana é convergente no sentido de que condições pessoais positivas embora não pré-excluam nem neutralizem, por si somente, a possibilidade jurídica da decretação da clausura, devem ser valoradas no sopesamento da decisão almejada, tanto mais quando – como na quaestio sob exame – indemonstrada a presença dos requisitos mantenedores da medida excepcional.

Nessa linha, o paciente submete à vossa soberana análise os apensos documentos, reveladores de perfil que, se não conseguem, isoladamente, apagar os indícios da imputação, têm, ao menos, o condão, de amainando-os, instruir o juízo de probabilidade, quanto à desnecessidade de manutenção da prisão: comprovante de residência3, comprovante do exercício de atividade lícita, certidão de casamento e certidões de nascimento.

LIMINAR

Face às razões expostas, presentes, os legais pressupostos: periculum in mora– retratado na ocorrência de lesão grave e de difícil reparação, evidenciado na sua manutenção no cárcere; fumus bonis iuris – traduzido na plausibilidade do direito subjetivo deduzido, espelhada nos referenciados arestos – pugna o pacien-te pela concessão da Liminar para suspender, até final julgamento desta ação, a eficácia da decisão que decretou sua prisão preventiva.

MÉRITO

Demonstrada, outrossim, a absoluta desnecessidade da manutenção de sua prisão, à míngua de motivos juridicamente idôneos suficientes a justificá-la, roga pelo deferimento do presente mandamus, para o fim de solto se defender, mediante condições estabelecidas pelo Juízo processante.

Belém-Pa, em 06 de junho de 2005

Osvaldo Serrão

OAB Pa 1.

ANEXOS

1 Despacho decretador de prisão preventiva.

2 Interrogatório judicial de Tato.

3 Certidão cartorária.

4 Comprovante de residência.

5 Comprovante de atividade lícita.

6 Certidão de casamento.

7 Certidões de nascimento.

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