Direitos humanos

Reforma gera tumulto na hierarquia dos tratados internacionais

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31 de janeiro de 2005, 18h03

Causaram-me espanto as reflexões do professor José Levi Mello do Amaral Júnior em seu artigo “Direitos humanos: reforma define status jurídico de tratados internacionais”, publicado na edição do último dia 26 de janeiro da revista Consultor Jurídico. Ao contrário do que ali se sustenta, a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004 (Reforma do Poder Judiciário), além de não ter eliminado a polêmica doutrinária e jurisprudencial concernente à hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, apenas serviu para trazer mais confusão à exegese da matéria.

A inclusão do parágrafo 3° ao artigo 5° da Constituição Federal, que estabelece que os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas da Constituição, foi absolutamente infeliz, diferentemente do que concluiu o professor mineiro em seu artigo.

Pessoalmente, entendo que a redação do dispositivo reforçou a interpretação que sustenta a paridade hierárquica entre tratado e lei federal, que não é endossada, a meu ver, pelo artigo 5°, parágrafo 2°, da Constituição de 1988, em que pese seja partidário da tese que atribui natureza materialmente constitucional aos tratados de direitos humanos.

O problema é que o parágrafo incluído pela Emenda Constitucional não abre uma porta para que se possa conferir o mesmo regime jurídico aos tratados de direitos humanos já ratificados pelo Brasil àqueles que futuramente o serão. Isso traz reflexos, na prática, porque, sendo signatário dos mais importantes tratados internacionais de direitos humanos, entre os quais o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), o Brasil reúne-se frequentemente com outras nações, no plano internacional, para firmar declarações complementares e subsidiárias àqueles tratados, no intuito de aprimorar e desenvolver os compromissos ali estabelecidos.

Contudo, se partirmos da premissa adotada pelo parágrafo 3° do artigo 5° da Constituição, seria possível que se conferisse hierarquia constitucional a documentos complementares e subsidiários que fossem ratificados após a inclusão do aludido dispositivo, impedindo, irracionalmente, a atribuição do mesmo status aos instrumentos principais, pela singela razão de terem sido ratificados anteriormente à introdução, em nosso ordenamento constitucional, do malsinado parágrafo 3°.

O anacronismo foi muito bem observado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, quando examinou as alterações propostas pela PEC 29/2000, acerca da Reforma do Judiciário, no tocante à inclusão do dispositivo ao artigo 5° da Constituição Federal. Sugeriu-se, na oportunidade, que a redação do dispositivo afirmasse simplesmente, que “os tratados internacionais de proteção de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro têm hierarquia constitucional”; ou, alternativamente, que a redação fosse reformulada para a seguinte: “os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, gozarão de hierarquia constitucional”.

Como as propostas não surtiram efeito, surgiu então o dilema: como encontrar uma solução para que se confira o mesmo regime jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser ratificados pelo Brasil àqueles ratificados pelo Brasil, e que por ora, sustentam hierarquia paritária às das leis federais?

Dado que não se imagina a renovação do processo legislativo dos decretos legislativos que ratificaram os tratados em questão, a salvaguarda da coerência do sistema, de duvidosa constitucionalidade, estaria, eventualmente, na elaboração de uma resolução do Congresso Nacional, que se encarregaria de regular a matéria.

Tem-se, assim, uma idéia de como andou mal — muito mal — a Reforma nesse ponto.

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