Tratamento humilhante

McDonald’s é condenado por racismo de gerente contra funcionária

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30 de janeiro de 2005, 1h39

O gerente que se dirige costumeiramente à empregada por apelidos vexatórios referentes à cor da pele e à estética da face pratica discriminação racial. Como a empresa é responsável pela orientação e pela supervisão dos atos de seus funcionários com cargo de chefia, deve arcar com a indenização decorrente de dano moral sofrido pela trabalhadora.

Com base neste entendimento, os juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) condenaram o McDonald’s Comércio de Alimentos Ltda. ao pagamento de indenização de R$ 30 mil a uma ex-empregada.

A reclamante entrou com uma ação na 1ª Vara do Trabalho de Santo André (SP) após ter sido demitida de loja da rede de fast food instalada naquele município. Entre outras verbas trabalhistas, a ex-empregada pediu indenização por agressões sofridas, sob a forma de apelidos, partidas do coordenador da lanchonete onde trabalhava.

De acordo com depoimentos de testemunhas no processo, o chefe imediato da reclamante se referia a ela constantemente por apelidos como “nariz de batata” e “urubu”. Condenada em 1ª instância ao pagamento de indenização de R$ 93 mil, a empresa recorreu ao TRT-SP.

Em sua defesa, o McDonald’s negou as acusações da reclamante e tentou justificar a atitude de seu gerente por ser ele jovem como a ex-empregada, face à sua política de dar preferência à contratação de empregados nessa faixa etária.

De acordo com o juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do Recurso Ordinário no TRT-SP, o McDonald’s, sendo a maior empresa mundial de refeições industriais rápidas — como o próprio sustenta no processo –, “tem todas as condições de bem treinar e orientar os seus empregados ativados em funções de chefia, no sentido de aprimorar o tratamento que dispensam aos seus subordinados de molde a impor o limite do respeito recíproco, fator decisivo para uma boa convivência social e manutenção da ordem e da tranqüilidade no ambiente de trabalho”.

Para o relator, os atos são ainda mais graves pelo fato da ex-empregada ser jovem, saída da adolescência, “faixa etária que traz conhecidos problemas de auto-estima, próprios da sua idade e da sua situação econômico-social. Quanto mais quando as chacotas fazem referência à sua raça e à configuração do seu nariz, de forma a propiciar o riso dos outros empregados”.

Segundo o juiz Bolívar, o McDonald’s assumiu a culpa de seu gerente ao transferi-lo da unidade em que trabalhava para outra loja, “pretendendo apagar a memória dos fatos e dar uma certa satisfação a todos os envolvidos no local de trabalho, tão ruinosamente coordenada. Fora esse coordenador inocente não haveria a necessidade da sua transferência”.

“Se a autora pretende, como afirma, ‘auxiliar os jovens’, tem de se responsabilizar pela formação e aprimoramento social dos mesmos, aguçadas, portanto, as suas responsabilidades de empregadora”, afirmou o relator, acrescentando que o McDonald’s errou “ao contratar, ao orientar e ao vigiar o seu coordenador, para que o ambiente de trabalho transcorresse de forma normal e não se transformasse em um verdadeiro martírio para os empregados”.

O juiz reduziu a indenização para R$ 30 mil por entender não ser razoável o valor fixado em primeira instância (R$ 93 mil). “Dizer que a autora foi ofendida 176,5 vezes, abriga consideração sem fundamento, principalmente a meia vez. E o número total de vezes da ofensa é absolutamente subjetivo, porque a instrução do processo não dá margem a essa quantificação. Os limites da reparação por dano moral não estão sob a arbitrariedade, e sim sob o arbítrio do Juízo, que tem de situar a condenação dentro do razoável, da capacidade de pagamento do Réu e da renda do ofendido”.

Os demais juízes da 1ª Turma acompanharam o voto do relator por unanimidade.

RO 01495.2001.431.02.00-3

VOTO DO RELATOR

RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE SANTO ANDRÉ/SP.

RECORRENTE: MCDONALD´S COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA.

RECORRIDO: XXXXX.

EMENTA: “I- DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE. Gerente que se dirige costumeiramente à empregada por apelido referente à cor e à estética da face. Discriminação racial e atentado à auto-estima da mulher. Responsabilidade do empregador em eleger e vigiar. II- CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. Ao contrário do dano material, onde o cálculo da indenização obedece critério aritmético, o dano moral obedece critério estimativo, sob o arbítrio do Juízo e situando-se a condenação dentro do razoável, da capacidade de pagamento do Réu e da renda do ofendido. Valor da condenação que se reduz. Apelo parcialmente acolhido.”

R E L A T Ó R I O

Inconformada com a r. sentença de fls. 135/141, que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista, recorre a Ré pela via ordinária às fls. 157/182, guerreando a condenação em danos morais, o critério para fixação do valor dessa condenação e no programa de participação nos resultados, pleiteando o provimento do apelo para julgar improcedente a ação.


Embargos de declaração opostos pela Reclamada procurando dirimir dúvidas quanto aos critérios de fixação do valor da condenação e ao pagamento da participação nos lucros, rejeitados, fls.151/152.

Feito instruído, conforme ata de fls.131/134, com a oitiva da Autora e de duas testemunhas de cada parte. Documentos acostados com a peça vestibular e com a defesa.

Custas e depósito recursal satisfeitos em valores e prazo, fls.183/184.

Tempestividade observada.

A Autora apresenta contra-razões às fls. 189/201, a tempo.

Procurações às fls. 14 (Recte.) e 67/68 e 118/119 e 145 (Recda.).

Manifestação da douta Procuradoria Regional do Trabalho às fls. 203, nos termos do art. 83, II, VII, XII e XIII da Lei Complementar nº 75/93.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do recurso. Bem feito e aviado preenchendo, portanto, os pressupostos de admissibilidade.

V O T O

Dão conta os autos do processo às agressões sofridas pela Autora, sob a forma de apelidos, partidas do coordenador da Loja em que estava alocada.

A Reclamada pretende amenizar a atitude de seu gerente por ser esse também jovem, face à sua política de dar preferência a empregados nessa situação. As contratações do pessoal da Ré não obedecem apenas a razões meritórias, privilegiar o primeiro emprego, mas, tem motivo mercadológico, associando o seu produto à condição de juventude e de saúde dos seus atendentes de balcão, com a melhor apresentação do local de refeição, portanto, representando mais um forte apelo de consumo dos seus produtos.

Assim, a maior empresa mundial de refeições industriais rápidas, no jargão do setor, fast food — e de tanto se jacta a Ré nas razões de recurso através de longas considerações, fls.158/160 – tem todas as condições de bem treinar e orientar os seus empregados ativados em funções de chefia, no sentido de aprimorar o tratamento que dispensam aos seus subordinados de molde a impor o limite do respeito recíproco, fator decisivo para uma boa convivência social e manutenção da ordem e da tranqüilidade no ambiente de trabalho.

Mormente em se tratando a obreira de uma jovem, recém saída da adolescência, faixa etária que traz conhecidos problemas de auto-estima, próprios da sua idade e da sua situação econômico-social.

Quanto mais quando as chacotas fazem referência à sua raça e à configuração do seu nariz, de forma a propiciar o riso dos outros empregados.

De se ver – provado pelas provas orais, inclusive pelas testemunhas convidadas pela Reclamada – que era permitido, e mesmo considerado normal, o tratamento acintoso do coordenador, e que passou a existir também entre os funcionários, no local de trabalho.

A Ré, no decorrer da instrução do processo, sempre negou, cabal e peremptoriamente, a ocorrência das agressões por parte do seu gerente, relatadas na peça vestibular, afirmando, sic, em sede de contestação:

Fls. 91 – “Entretanto, nada disso jamais ocorreu com a Reclamante.”

Fls. 92 – “Nesse contexto, há que se ressaltar que as alegações da Reclamante nada trazem de concreto ou factível, posto que da narrativa dos fatos nota-se que as assertivas não passam de meras informações lançadas ao bel prazer, sem nenhum fundamento e desprovidas de qualquer veracidade, razão pela qual restam desde já veementemente impugnadas.”

Nas razões de recurso altera essa linha de argumentos para, fls. 173, admitir as ofensas, mas se defendendo sob a alegação de que não era responsável pelos atos praticados pelo coordenador da loja onde trabalhava a Autora.

Aceito esse raciocínio, qualquer outro dano moral, a não ser que praticado por ordens escritas do empregador, poderia responsabilizar o ofensor, eis que a pessoa jurídica, evidentemente, não age por si mesma. Ao dizer que o coordenador, sr. XXXX XXXX, fls.179, não tinha poderes de admissão e demissão, simples colega de trabalho da Reclamante, e que as funções de coordenar são atribuídas a um atendente com mais graduação, a Ré está afirmando a chefia por ele exercida sobre a Reclamante, menor de idade quando da admissão na Ré, função que era delegada pelo empregador.

Entretanto, toda essa nova argumentação é espancada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas, inclusive as da própria Reclamada, fls.132 e 133, e que dão conta dos apelidos lançados sobre a Autora por seu chefe imediato. E não apenas os expressamente mencionados na exordial — que se refere, dentre outros, nariz de batata — como o de urubu, trazido pela prova testemunhal, e que se caracteriza como delito criminal grave.

É de se salientar a admissão pela Ré da culpa do seu preposto, ao transferi-lo da unidade em que trabalhava para outra Loja, pretendendo apagar a memória dos fatos e dar uma certa satisfação a todos os envolvidos no local de trabalho, tão ruinosamente coordenada. Fora esse coordenador inocente não haveria a necessidade da sua transferência. Depreende-se que a Reclamada se apercebeu da inconveniência da atitude grosseira e ofensiva do seu delegado. A “punição” do coordenador, se houve, foi relativa e não trouxe qualquer reparo à honra da jovem Reclamante, objetiva e subjetivamente ferida pela agressão injustificável que sofria, continuadamente, por parte do seu chefe direto.


E quem mais foi punida, quem teve prejuízo com os fatos, além de ser vítima, foi a própria Autora, demitida do trabalho em um momento de tão grande crise de empregos no país. Na verdade, o coordenador ficou absolutamente impune. Além disso, ficaram os outros empregados temerosos de qualquer reação em situações semelhantes, até mesmo ofensas mais graves, justamente por essa impunidade do chefe, de um lado, e a demissão injustificada da Reclamante, de outro.

Alguns empregados depõem dizendo que não faziam conta dessa situação, dos apelidos, no mínimo de péssimo gosto. Acontece que esses outros apelidos citados não se apresentavam como designativos de cor da pele, ou de má configuração estética. Ora, a Autora, além de não aceitar a situação vexatória, pediu providências aos seus superiores, o que por si só afasta qualquer mitigação à condenação que é imposta ao empregador.

Evidentes o constrangimento cruel e a luta da jovem empregada em defesa da sua auto-estima e respeito social, feridos de maneira perversa e injustificada.

Se a Autora pretende, como afirma, “auxiliar os jovens”, tem de se responsabilizar pela formação e aprimoramento social dos mesmos, aguçadas, portanto, as suas responsabilidades de empregadora.

Errou a Ré ao contratar, ao orientar e ao vigiar o seu coordenador, para que o ambiente de trabalho transcorresse de forma normal e não se transformasse em um verdadeiro martírio para os empregados.

De onde pedagógica a r. decisão, que mantenho, para que o fato não se repita nas demais centenas de dependências da Ré, impedindo, até mesmo, alguma conseqüência mais grave, um revide agressivo por parte de um funcionário ofendido no seu limite de tolerância, que se veja transtornado e perdendo o controle emocional. E desestimulando essas situações teratológicas no ambiente de trabalho, que todos os empregados têm o direito de exigir e todos os empregadores têm o dever de propiciar.

Nem se dizer que a reação da obreira era excessiva, por melindres exacerbados, eis que “nariz de batata” e “urubu” não são propriamente apelidos carinhosos, a demonstrar a sua plena aceitação no ambiente de trabalho. Não, ao revés, é uma forma de exposição social maldosa e levando o grupo, em dinâmica própria e cruel, a se colocar, até sem motivo plausível, contra a Reclamante, desenrolando-se essa ação em um círculo vicioso perverso, sempre prejudicando a tranqüilidade, a paz e a boa formação psicológica da Autora.

A r. decisão obedeceu ao comando da Constituição Federal, que privilegia a dignidade humana de forma clara e direta. Nada a reformar na r. sentença quanto ao mérito.

Entretanto, entendo que o valor da condenação está equivocado. A quantia fixada, cerca de R$ 93.000,00, é exagerada.

O critério não me parece razoável. Dizer que a Autora foi ofendida 176,5 vezes, abriga consideração sem fundamento, principalmente a meia vez. E o número total de vezes da ofensa é absolutamente subjetivo, porque a instrução do processo não dá margem a essa quantificação. Os limites da reparação por dano moral não estão sob a arbitrariedade, e sim sob o arbítrio do Juízo, que tem de situar a condenação dentro do razoável, da capacidade de pagamento do Réu e da renda do ofendido.

De onde, e com esses critérios, reduzo a condenação para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor que considero suficiente para reparar o que sofreu a Reclamante e na plena capacidade de pagamento da Ré, até porque a indenização por dano moral não pode ser fonte de enriquecimento sem causa.

Participação nos Resultados. Acertada a r. decisão, que mantenho. A Ré admite que não pagou corretamente a parcela perseguida na peça vestibular e esse fato é objeto de ressalva no termo rescisório firmado pelas partes, acostado aos autos, fls. 17, verso do documento de número 05. O valor já pago, ainda como determina a r. decisão, fls.141, será descontado quando da liquidação.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra, dou provimento parcial ao Recurso Ordinário da Reclamada para reduzir o valor da condenação por dano moral a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), mantendo, no mais, a r. sentença recorrida. Integra o presente voto a reportagem por fotocópia.

Custas como sentenciado.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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