Apostas na mesa

Licitação para integrar rede lotérica pode acabar em buraco negro

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27 de janeiro de 2005, 22h17

Começou mal a licitação da Caixa Econômica Federal para contratação das empresas interessadas em assumir os serviços de integração da loteria federal — quatro contratos cujos valores somados beiram a casa de R$ 1,5 bilhão para os próximos três anos.

A empresa vencedora na primeira disputa, o lote de logística de transporte e distribuição, a Trans World, surpreendentemente, declarou logo depois do pregão que não tem condições de cumprir o contrato. Na mesma semana, o Tribunal de Contas da União suspendeu os dois pregões seguintes por falhas graves no edital. O quarto e mais importante lote, provavelmente, deve ampliar a confusão.

“Estamos apreensivos”, afirma Aldemar Mascarenhas, presidente da Federação Nacional dos Lotéricos. “O processo todo parece muito temerário”.

Além de uma arrecadação de R$ 4,2 bilhões anuais em apostas, está em jogo uma ampla gama de serviços que as casas lotéricas herdaram da rede bancária e mesmo do governo. No ano passado, as 9.350 casas lotéricas responsabilizaram-se por 12 milhões de pagamentos por mês dos benefícios da Bolsa Escola e da Bolsa Alimentação. Nos balcões das lotéricas também foram recebidas, em média, 30 milhões de declarações de isentos nos últimos três anos.

A Caixa Econômica está presente em 1.709 municípios, as lotéricas em 3.700.

Para Paulo Michielon, presidente da Febralot – Federação Brasileira de Empresas Lotéricas, que representa as 9.350 lojas de loteria do país, a esperança do setor é que a GTech “continue prestando os serviços que vão permitir a continuidade dos serviços”. Segundo ele a multinacional “detém 70% do mercado mundial e, por isso mesmo, tem um nome a zelar”.

Mascarenhas, da Federação que representa os 60 mil lotéricos brasileiros reflete igual: “A GTech tem experiência, competência técnica e dá todas as garantias e segurança para o funcionamento do sistema”, diz ele. “Se há problemas referentes aos contratos, eles deveriam ser acertados e pronto”.

Na opinião de Mascarenhas, o Brasil tem hoje a maior rede organizada do mundo. O sistema teria movimentado em seus terminais R$ 60 bilhões. Segundo ele, elas também foram responsáveis por 57% das operações bancárias.

Pregão X Concorrência

Os tropeços na licitação, na opinião de Mascarenhas, têm uma explicação simples: em vez de usar o sistema de pregão, que promove a escolha pelo preço mais baixo, deveria ser utilizado o sistema de concorrência pública, que leva em conta a capacidade técnica e preço.

Para o dirigente sindical, a vitória da Trans World no primeiro pregão mostrou o erro: “Como que uma empresa pode ser habilitada para prestar um serviço que ela reconhece que não pode prestar?”, pergunta.

O advogado e consultor Carlos Ari Sundfeld, considerado o pai da lei do pregão eletrônico, explica a diferença: “O pregão não serve para todo tipo de licitação”, informa ele. “A lei dita que o mecanismo se destina à aquisição de bens e serviços comuns”. Na tradução de Sundfeld, serviços comuns são aqueles usuais, sem sofisticação.

O jurista esclarece que não está acompanhando os procedimentos da CEF e ressalva que mesmo as cautelas da concorrência pública não dão garantia absoluta, mas asseguram cautelas mais adequadas, como as exigências de condições econômicas e comprovação de capacidade técnica, como a implementação de obras semelhantes anteriormente.

A constatação de que a empresa concorreu sem condições de dar conta da empreitada, antes da assinatura do contrato, sujeita a vencedora ao pagamento de multa de 1% do valor da obra, informa Sundfeld. Caso o contrato já tenha sido assinado e seja descumprido, a multa será de até 5%. Adicionalmente, a infratora poderá ser declarada inidônea para contratos com o setor público e estará sujeita a outras sanções como o ressarcimento pelos danos e prejuízos causados.

Outro estudioso do assunto, o professor de Direito Administrativo, Mestre em Direito Público e autor do livro Vade Mecum das Licitações, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, induz à análise de que eventual mau uso do mecanismo não deve comprometer o sistema. “O pregão representa um avanço no campo das licitações, pois oferece transparência e agilidade”.

Jacoby Fernandes afirma que, apesar da carga de subjetividade contida na expressão “bens e serviços comuns”, é possível definir que a caracterização se dá quando o bem ou serviço “pode ser definido com precisão e quando compreende um grande número de fornecedores. “Ainda assim a conceituação é sempre subjetiva”.

Não parece ser o caso de um sistema complexo que envolve mais de 4 bilhões de transações eletrônicas que vão de jogos a contas de luz, passando pela declaração de imposto de renda e pagamento de Bolsa Escola.

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