Água no chopp

Juiz nega liminar para liberar casamento homossexual

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27 de janeiro de 2005, 11h50

O juiz Paulo Alberto Jorge, da Justiça Federal em Guaratinguetá, interior de São Paulo, negou nesta quarta-feira (26/1), a liminar pedida pelo Ministério Público Federal que pretendia a liberação do casamento entre homossexuais no país. O juiz considerou que se tratava de tema muito relevante para ser concedido numa liminar. Ele, porém, recebeu a ação e o mérito ainda será julgado.

O juiz entendeu não ser “conveniente, pelas conseqüências à ordem moral e à própria segurança jurídica, que se autorize liminarmente o polêmico casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pelas próprias conseqüências que o estado de casado implica nas relações jurídicas dos cidadãos, não convém seja realizados casamentos com verdadeira condição resolutiva advinda da precariedade da decisão judicial liminar”.

“Uma decisão liminar determinando a celebração formal de casamento entre pessoas do mesmo sexo sobre não ser conveniente, por implicar em alteração da ordem social e atentar à segurança jurídica, pode, até, acarretar efeito contrário ao pretendido, na eventualidade de não ser confirmada pelas instâncias superiores, quando o caminho possivelmente aberto venha a ser fechado com ainda maior resistência jurídica e social”, afirmou.

A ação foi ajuizada pelo procurador da República em Taubaté, João Gilberto Gonçalves Filho. Ele pediu também que o governo federal, os estados e o Distrito Federal se abstenham de aplicar qualquer ato administrativo punitivo ou retaliação em decorrência da orientação sexual dos servidores públicos.

Na ação, o procurador sustenta que “proibição estatal ao casamento de pessoas homossexuais interessa apenas às pessoas que não suportam ver a felicidade alheia”. Num dos pontos de sua sustentação, o procurador afirma que o artigo 1.521 do Código Civil lista os casos em que o casamento é proibido, por exemplo, dos “ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil”. E afirma que em nenhum momento proíbe a união homossexual.

Para o procurador “negar o casamento a homossexuais implica diferenciar cidadãos apenas em virtude de sua orientação sexual. Esse comportamento estatal viola o princípio da igualdade de todos perante a lei (CF, artigo 5°, caput), já que heterossexuais recebem tratamento privilegiado diante de homossexuais; assim, viola também, ainda como projeção do princípio da igualdade, a proibição constitucional de criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si´, encartada no artigo 19, inciso III, da Magna Carta, já que brasileiros heterossexuais são tratados de forma diferente do que brasileiros homossexuais, com preferência para os primeiros. Resta violada, de forma inconteste, ´a igualdade como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos´, como consta do preâmbulo da Constituição Federal”.

Leia a íntegra decisão

Decisão.

Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal em face de UNIÃO FEDERAL, DISTRITO FEDERAL E DE TODOS OS ESTADOS DA FEDERAÇÃO para o fim de serem os réus condenados a celebrarem casamento civil de pessoas do mesmo sexo, bem como para que se abstenham da prática de qualquer ato administrativo de caráter punitivo, ou retaliação de qualquer natureza em razão da orientação sexual dos seus servidores públicos, civis ou militares.

Pede o autor seja o pedido concedido liminarmente, pois “a sociedade não tem condições de ficar esperando longos (realmente longos) anos até [que] o Poder Judiciário desfeche a questão definitivamente, com decisão transitada em julgado. Permitir isso implica permitir que, durante todo esse tempo, seja o sistema normativo escancaradamente descumprido. Daí a necessidade de decisão que proporcione antecipação dos efeitos da tutela, liminarmente. (…) Caso não fosse aplicado o instituto em comento, uma decisão final, transitada em julgado, seria ineficaz para todo o (longo) tempo pretérito a ela. É dizer: não haveria remédio para sanar a violação do direito difuso tutelado por todo o tempo anterior à decisão judicial definitiva. A Constituição Federal continuaria sendo descumprida por longos e longos anos, nada mais podendo ser feito. (…) A possibilidade de concessão de medida liminar, prevista na legislação, quer justamente impedir que os ônus pela demora recaiam sobre a parte processual que, aparentemente (porque não houve julgamento definitivo), tem maior razão. Antes das normas invocadas, o autor tinha de suportar sozinho a longa demora dos trâmites processuais, podendo o réu regozijar-se com essa situação de grave injustiça, torcendo para que o processo se perpetuasse. (…) Considerando-se que a negativa de concessão da medida liminar implica admitir que a Constituição Federal continue sendo violada, dia após dia, até o fim do longo itinerário procedimental, fazendo permanecer o desrespeito a direito humano fundamental de não discriminação, o que não se pode admitir, então resta cabalmente comprovada a presença do periculum in mora tornando inexorável a concessão da medida liminar pleiteada”.

É a suma do necessário.

Passo a decidir.

Em que pese o esforço do Ministério Público Federal para demonstrar, com a costumeira inteligência e sagacidade, a presença dos requisitos legais, entendo não ter pertinência a concessão liminar do pedido formulado.

A questão trazida à balha é indiscutivelmente de grande relevância, pois diz respeito a princípios expressos e latentes da ordem constitucional, que no entender do autor estariam sendo violados.

Todavia, o tema casamento entre pessoas do mesmo sexo também revolve valores e princípios de ordem cultural moral e religiosos que formam e informam as tradições sociais, que o autor propõe sejam “quebradas”, pois “É preciso enxergar um pouco mais longe, desapegando[-se] da confortável posição de dizer que as coisas são assim porque o são e ponto final, tudo pela simples razão, assaz dita às crianças, que o ´porque sim´ não é resposta” (item 61 da inicial).

O que se pede, então, é que ainda em sede de liminar o Poder Judiciário rompa com a tradição jurídica e social, que o Poder Legislativo, por ocasião da tramitação do conhecido projeto de lei de autoria da então Deputada Marta Suplicy, preferiu não fazer.

Casamento diz respeito ao estado civil das pessoas, tema que não pode ser tratado de forma precária. Não é conveniente, pelas conseqüências à ordem moral e à própria segurança jurídica, que se autorize liminarmente o polêmico casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pelas próprias conseqüências que o estado de casado implica nas relações jurídicas dos cidadãos, não convém seja realizados casamentos com verdadeira condição resolutiva advinda da precariedade da decisão judicial liminar.

De mais a mais, o próprio autor reconhece a existência de vários precedentes jurisprudenciais, de Tribunais do País inteiro, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (Resp 148897-MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar) reconhecendo a união estável ou sociedade de fato homoafetivas, tanto para efeitos patrimoniais, como para o de guarda de filho do parceiro falecido, do que é exemplo o conhecido caso da cantora Cássia Eller. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul chegou a tratar da questão em Provimento de sua Corregedoria-Geral (n. 06/04-CGJ) introduzindo na Consolidação Normativa Notarial Registral norma segundo a qual “As pessoas plenamente capazes, independentemente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito” (parágrafo único do art. 215).

Ou seja, ainda que não haja no ordenamento jurídico vigente norma que trate direta e claramente da questão ora proposta, os casos concretos estão obtendo algum respaldo no âmbito judicial, certamente também na esfera penal, quando a questão disser respeito a discriminação e à violação da honra.

Uma decisão liminar determinando a celebração formal de casamento entre pessoas do mesmo sexo sobre não ser conveniente, por implicar em alteração da ordem social e atentar à segurança jurídica, pode, até, acarretar efeito contrário ao pretendido, na eventualidade de não ser confirmada pelas instâncias superiores, quando o caminho possivelmente aberto venha a ser fechado com ainda maior resistência jurídica e social.

Por estas razões, INDEFIRO a liminar requerida.

Citem-se os réus expedindo-se as necessárias Cartas Precatórias, fornecendo o autor as peças para formação.

Intime-se.

Guaratinguetá, 26 de janeiro de 2005.

PAULO ALBERTO JORGE

Juiz Federal

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