São Francisco

Autorizada audiência para discutir impacto da transposição em Minas

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25 de janeiro de 2005, 17h41

Por medida judicial, está garantida a realização da audiência pública, marcada para esta terça-feira (25/01), em Belo Horizonte (Minas Gerais) para analisar o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas no Nordeste Setentrional, a proposta do governo federal de transposição das águas do São Francisco para o sertão nordestino . A decisão é do ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal.

A União propôs, no Supremo, Reclamação para suspender a liminar concedida pela 12ª Vara da Justiça Federal de Minas, que impedia a realização da audiência pública. A liminar foi concedida em Ação Civil Pública ajuizada pelo governo de Minas Gerais e o Ministério Público do estado de Minas Gerais.

Na Reclamação, a Advocacia Geral da União argumentou que a discussão sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco envolve vários estados e a União. Nesse caso, a liminar da Justiça Federal mineira poderia colocar em risco o equilíbrio federativo por ter ofendido a competência do Supremo para apreciar as causas entre a União e os estados.

Na decisão, o ministro Nelson Jobim ponderou que a discussão envolve política governamental que transcende aos interesses locais de Minas Gerais, e isso envolve os princípios formadores do pacto federativo, caracterizando a competência do STF.

Jobim observou, ainda, que o meio ambiente não seria ameaçado com a simples realização da audiência pública para discussão do tema. Por fim, cassou a liminar da Justiça Federal de Minas Gerais, até o julgamento final da Reclamação pelo Supremo.

Leia a íntegra da liminar:

RECLAMANTE(S) – UNIÃO

ADVOGADO(A/S) – ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

RECLAMADO(A/S) – JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO EM EXERCÍCIO NA 12ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS (AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2005.38.00.002238-0)

INTERESSADO(A/S) – ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOGADO(A/S) – ADVOCACIA GERAL DO ESTADO – MG – ALBERTO GUIMARÃES ANDRADE

INTERESSADO(A/S) – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

INTERESSADO(A/S) – INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA

RECLAMAÇÃO 3.074-1 MINAS GERAIS

DESPACHO:

1. Dos fatos:

Esta reclamação visa suspender a liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública n° 2005.38.00.002238-0, em curso na 12a vara da Seção Judiciária de Minas Gerais.

Sustenta a União que:

“…

… não resta dúvida de que o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional constitui-se política de governo fundamentada nos postulados constitucionais que clamam pelo combate à pobreza e a redução das desigualdades sociais, com o desenvolvimento harmônico do País.

Assim sendo, a demanda em que se discute a regularidade do exercício da função atribuída constitucionalmente à União traduz-se, essencialmente, em política governamental que, na hipótese dos autos, reclama a competência jurisdicional da Suprema Corte, por apresentar evidente substrato político, e colocar em risco o próprio equilíbrio federativo.

Ora, os efeitos decorrentes da discussão travada nos autos da ação civil pública, que poderá paralisar o Projeto de Integração do Rio São Francisco, serão suportados não apenas por Minas Gerais e a União, mas também por todos os Estados Nordestinos, o que seguramente delineia e confirma o caráter essencialmente político da questão.

Como se não bastasse o caráter político da discussão a ser travada nos autos da ação civil pública proposta pelo Estado de Minas Gerais e o Ministério Público local, a magnitude e a importância dos interesses envolvidos podem afetar sensivelmente o equilíbrio federativo, atraindo para si a competência do Supremo Tribunal Federal, como já bem salientou o eminente Ministro Carlos Velloso no seguinte excerto:

“a competência originária do Supremo Tribunal Federal inscrita no art. 102, I, f, da Constituição é para questões que, por sua importância dos interesses em debate, podem pôr em risco a harmonia federativa”. (STF – Pleno – ACO 509/DF – Relator Ministro Carlos Velloso)

…” (fls. 10 e 11).

2. Da Decisão.

O art. 102, I, f, da CF preceitua:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:-

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.

…”

A matéria em questão configura-se em política governamental, que transcende aos interesses locais do Estado de Minas Gerais.

Em razão da importância do tema e do evidente cunho político, que envolve também os princípios informadores do pacto federativo, caracteriza-se, a competência desta Corte.

Há precedentes nesse sentido:

“…

O art. 102, I, f, da Constituição confere ao STF a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo-lhe, nessa condição, o poder de dirimir as controversias que, irrompendo no seio do Estado Federal, oponham as unidades federadas umas as outras. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na definição do alcance dessa regra de competência originaria da Corte, tem enfatizado o seu caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência prevista no art. 102, I, f, da Constituição. – Causas de conteúdo estritamente patrimonial, fundadas em titulos executivos extrajudiciais, sem qualquer substrato político, não justificam se instaure a competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, I, f, da Constituição, ainda que nelas figurem, como sujeitos da relação litigiosa, uma pessoa estatal e um ente dotado de paraestatalidade.

…”(ACO 359 QO – Pleno – Relator Ministro Celso de Mello – DJ 11/03/94)

Ademais, o meio ambiente, bem que se pretende preservar na ação civil pública, não parece sofrer ameaça, diante da simples realização de audiência pública marcada exatamente para “discussão do Relatório do Impacto Ambiental – RIMA relativo ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”.

Assim, ante a manifesta usurpação de competência desta Corte, defiro a liminar para cassar a decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública, até o julgamento de mérito desta Reclamação.

Comunique-se, com urgência, por fac-símile, ao Juízo da 12a Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, ao Estado de Minas Gerais, à Gerência- Executiva do Ibama em Minas Gerais, ao IBAMA e à União.

Publique-se.

Brasília, 25 de janeiro de 2005

Ministro NELSON JOBIM

Presidente

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