Administração pública

PGR é favorável à lei que dá preferência ao software livre no RS

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24 de janeiro de 2005, 16h56

Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), é constitucional a lei que determinou a utilização preferencial de software livre na administração pública direta e indireta no Rio Grande do Sul. O parecer foi emitido pelo procurador-geral em exercício, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, na quinta-feira (20/1).

A Lei Estadual 11.871/02 foi contestada pelo PFL em Ação Direta de Inconstitucionalidade (3.059-RS) no Supremo Tribunal Federal. A PGR firmou entendimento similar ao da Advocacia-Geral da União que, no final de novembro passado, já havia defendido a constitucionalidade da norma.

Para Marcelo Thompson, procurador-chefe do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), o procurador-geral avaliou que a questão não é a de optar por esse ou aquele produto, mas sim a de escolher um tipo de contrato. “Assim, o estado, diante de dois modelos contratuais distintos, opta por aquele que é compatível com o princípio democrático, ou seja, pelo mais favorável ao estado e ao cidadão”, afirmou Thompson.

O parecer do procurador-geral registrou que as disposições da lei gaúcha não violam o interesse do serviço público e não retiram a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar o processo legislativo das leis que dispõem sobre licitação.

Além disso, o procurador entendeu que não há necessidade do procedimento de licitação para a utilização de software livre, justamente porque não é preciso comprá-lo. Outro ponto levantado é que a lei não “estabelece preferências entre produtos, de acordo com as normas constitucionais e inconstitucionais”.

O parecer também registra que o software livre é aquele cuja licença de propriedade intelectual não restringe sua cessão, distribuição, utilização ou alteração de suas características originais, assegurando ao usuário acesso irrestrito e sem custos adicionais ao seu código fonte e permitindo a alteração parcial ou total do programa para seu aperfeiçoamento ou adequação.

Leia o parecer

Parecer 4.306/CF

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3059-1/600 – RIO GRANDE DO SUL

RELATOR — EXMO. SR. MINISTRO CARLOS BRITTO

REQUERENTE — PARTIDO DA FRENTE LIBERAL – PFL

REQUERIDOS — GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA Lei nº 11.871, de 19/12/2002, do Estado do Rio Grande do Sul, que “dispõe sobre a utilização de programas de computador no Estado do Rio Grande do Sul”

-Medida Liminar deferida.

-Não trata de licitação, a lei apenas autoriza o Poder Público a utilizar programas livres, quando lhe forem oportunos e convenientes, e oferecerem mais vantagens que os programas comerciais.

-Parecer pela improcedência da declaração de inconstitucionalidade.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-RELATOR,

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, ajuizada pelo Partido da Frente Liberal – PFL em face da Lei nº 11.871, de 19/12/2002, do Estado do Rio Grande do Sul, que “dispõe sobre a utilização de programas de computador no Estado do Rio Grande do Sul”.

2.Sustenta o requerente, em síntese, que a norma infraconstitucional impugnada contraria o disposto nos artigos 22, XXVII; 37, caput , inciso XXI e § 2º e 61, II, b da Constituição da República.

3.Assim dispõe a norma impugnada:

“LEI Nº 11.871, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2002.

Dispõe sobre a utilização de programas de computador no Estado do Rio Grande do Sul.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Faço saber, em cumprimento ao disposto no artigo 82, inciso IV, da Constituição do Estado, que a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:

Art. 1º – A administração pública direta, indireta, autárquica e fundacional do Estado do Rio Grande do Sul, assim como os órgãos autônomos e empresas sob o controle do Estado utilizarão preferencialmente em seus sistemas e equipamentos de informática programas abertos, livres de restrições proprietárias quanto a sua cessão, alteração e distribuição.

§ 1º – Entende-se por programa aberto aquele cuja licença de propriedade industrial ou intelectual não restrinja sob nenhum aspecto a sua cessão, distribuição, utilização ou alteração de suas características originais, assegurando ao usuário acesso irrestrito e sem custos adicionais ao seu código fonte, permitindo a alteração parcial ou total do programa para seu aperfeiçoamento ou adequação.

§ 2º – Para fins de caracterização do programa aberto, o código fonte deve ser o recurso preferencial utilizado pelo programador para modificar o programa, não sendo permitido ofuscar sua acessibilidade, nem tampouco introduzir qualquer forma intermediária como saída de um pré-processador ou tradutor.

§ 3º – Quando da aquisição de softwares proprietários, será dada preferência para aqueles que operem em ambiente multiplataforma, permitindo sua execução sem restrições em sistemas operacionais baseados em software livre.

§ 4º – A implantação da preferência prevista nesta Lei será feita de forma paulatina, baseada em estudos técnicos e de forma a não gerar perda de qualidade nos serviços prestados pelo Estado.

Art. 2º – As licenças de programas abertos a serem utilizados pelo Estado deverão, expressamente, permitir modificações e trabalhos derivados, assim como a livre distribuição destes nos mesmos termos da licença do programa original.

Parágrafo único – Não poderão ser utilizados programas cujas licenças:

I – impliquem em qualquer forma de discriminação a pessoas ou grupos;

II – sejam específicas para determinado produto impossibilitando que programas derivados deste tenham a mesma garantia de utilização, alteração e distribuição; e

III – restrinjam outros programas distribuídos conjuntamente.

Art. 3º – Será permitida a contratação e utilização de programas de computador com restrições proprietárias ou cujas licenças não estejam de acordo com esta Lei, nos seguintes casos:

I – quando o software analisado atender a contento o objetivo licitado ou contratado, com reconhecidas vantagens sobre os demais softwares concorrentes, caracterizando um melhor investimento para o setor público;

II – quando a utilização de programa livre e/ou com código fonte aberto causar incompatibilidade operacional com outros programas utilizados pela administração direta, indireta, autárquica e fundacional do Estado, ou órgãos autônomos e empresas sob o controle do mesmo.

Art. 4º – O Estado regulamentará as condições, prazos e formas em que se fará a transição, se necessária, dos atuais sistemas e programas de computador para aqueles previstos no art. 1º, quando significar redução de custos a curto e médio prazo, e orientará as licitações e contratações, realizadas a qualquer título, de programas de computador.

Parágrafo único – A falta de regulamentação não impedirá a licitação ou contratação de programas de computador na forma disposta nesta Lei.

Art. 5º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º – Revogam-se as disposições em contrário.”

4. A medida cautelar restou deferida por esse Excelso Pretório, em 15/04/2004, cujo acórdão restou assim ementado:

“EMENTA: Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade de agremiação partidária com representação no Congresso Nacional para deflagrar o processo de controle de constitucionalidade em tese. Inteligência do art. 103, inciso VIII, da Magna Lei. Requisito da pertinência temática antecipadamente satisfeito pelo requerente. Impugnação da Lei nº 11.871/02, do Estado do Rio Grande do Sul, que instituiu, no âmbito da Administração Pública Sul-Rio-Grandense, a preferencial utilização de softwares livres ou sem restrições proprietárias. Plausibilidade jurídica da tese do autor que aponta invasão da competência legiferante reservada à União para produzir normas gerais em tema de licitação, bem como usurpação competencial violadora do pétreo princípio constitucional da separação dos poderes. Reconhece-se, ainda, que o ato normativo impugnado estreita, contra a natureza dos produtos que lhes servem de objeto normativo (bens informáticos), o âmbito de competição dos interessados em se vincular contratualmente ao Estado- Administração. Medida cautelar deferida.” (fls. 193)

5. Prestadas as devidas informações e ouvida a douta Advocacia-Geral da União, vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República para manifestação.

6. Softwares livres são aqueles cuja licença de propriedade industrial ou intelectual não restrinja sob nenhum aspecto a sua cessão, distribuição, utilização ou alteração de suas características originais, assegurando ao usuário acesso irrestrito e sem custos adicionais ao seu código fonte, permitindo a alteração parcial ou total do programa para seu aperfeiçoamento ou adequação, nos termos do § 1o, do art. 1o da lei ora sob análise.

7. A característica principal deste tipo de software, portanto, é a liberdade dos usuários para executar, copiar, distribuir, estudar, modificar e aperfeiçoar o produto1.

8. Sustenta o requerente que a norma gaúcha estaria formalmente viciada haja vista a violação dos arts. 22, XXVII e 61, II, “b”, da Constituição Federal. Alega que o Estado estaria editando normas gerais sobre licitação, usurpando, assim a competência privativa da União; e que, ao limitar a escolha do fornecedor dos produtos a serem adquiridos pelo Poder Público incorreria a Lei n° 11.871/01 em vício de iniciativa pois dispõe sobre a organização administrativa e matéria orçamentária, de iniciativa privativa é do Chefe do Poder Executivo.

9.Quanto ao mérito, alega que a norma gaúcha é inconstitucional por violar o disposto no art. 37, caput e inciso XXI. Estaria a lei vulnerando os princípios da impessoalidade, da eficiência e da economicidade, de obediência obrigatória pela Administração Pública. Fundamenta sua tese no fato de a norma ora impugnada estabelecer preferência na aquisição de produtos de interesse da Administração.

10.Conforme o art. 37, XXI da Constituição Federal e o art. 2o da Lei n° 8.666/93, que estabelece as normas gerais de licitação, as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas na própria Lei.

11.Determina a lei gaúcha, ora sob análise, que a Administração Pública daquele Estado utilizará, preferencialmente, em seus sistemas e equipamentos de informática programas abertos.

12.Do regulamento federal infere-se que para a utilização de softwares livres pelo Poder Público não é necessário a prévia realização de licitação, vez que não se trata de hipótese de obra, serviço, compra, alienação, concessão ou locação. Seria possível até supor que a utilização de programas abertos estaria enquadrada na modalidade compra. Entretanto, pela própria definição da Lei de Licitações (art. 6o, III), compra é toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente, então, como não há remuneração pelo uso dos softwares abertos, não se pode classificar a aquisição como compra.

13.Desta forma, não há necessidade do procedimento licitatório para a utilização desta modalidade de programa.

14.Verifica-se, portanto, que a lei gaúcha não trata de licitação, apenas autoriza o Poder Público a utilizar programas livres, quando lhe forem oportunos e convenientes, e quando oferecerem mais vantagens que os programas comerciais.

15.Desta forma, não há que se falar em violação ao art. 22, XXVII da Constituição Federal, que confere competência privativa à União para legislar sobre normas gerais de licitação. A norma ora impugnada apenas autoriza o Estado a utilizar produtos, sem que estabelecer regulamento para o procedimento licitatório.

16.Da mesma sorte, não é possível vislumbrar violação ao art. 37, caput e inciso XXI da Carta da República, que determina obediência, pela Administração Pública, dos princípios da impessoalidade e eficiência, bem como a obrigatoriedade do procedimento licitatório para a contratação de obras, serviços, compras e alienações realizadas pelo Poder Público. Como já explicitado, a lei impugnada não estabelece normas sobre o procedimento licitatório, sua inexigibilidade, ou estabelece preferências entre produtos, de acordo com as normas constitucionais e infraconstitucionais, o objeto da Lei n° 11871/02 do Estado do Rio Grande do Sul não se enquadram nas hipóteses em que é obrigatória a licitação. Assim, não há possibilidade de vulneração dos dispositivos indicados.

17.Finalmente, menos ainda, se verifica ofensa ao art. 61. II, “b” da Constituição Federal. Dispõe o citado artigo que é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios. Ao contrário do sustentado pela requerente, o dispositivo constitucional trata exclusivamente da administração dos Territórios, sendo as normas a ela referente privativas do Presidente da República.

18.Ademais, dispor sobre programa de computador não viola interesse do serviço público nem a organização administrativa.

19.Assim, não se vislumbra qualquer dos vício de constitucionalidade apontados pelo requerente.

20.Ante o exposto, opino pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade.

Brasília, 20 de janeiro de 2005.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA EM EXERCÍCIO

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