Onde está a razoabilidade

Como se define a “razoável duração do processo”, prevista na Reforma

Autor

  • Luís Carlos Moro

    é advogado trabalhista sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

23 de janeiro de 2005, 11h53

A Constituição da República, com a Emenda Constitucional 45, nos assegura e a todas as partes nos processos judiciais ou administrativos, a “razoável duração do processo”. Duro, porém, é processar o sentido e o alcance dessa “razoabilidade”.

Na tentativa de contribuir para a mensuração temporal da garantia constitucional é que se tenta desenvolver o raciocínio condutor desse pequenino artigo, que insta os advogados a exigir do Judiciário a auto-imposição da razoabilidade prometida, sob pena de deixar o sentido da Constituição relegado à inobservância. E país que não respeita a sua Lei Maior não é país: é limite territorial da selvageria.

Vejamos como ficou a redação do trecho que nos importa:

Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos artigos 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os artigos 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do parágrafo 3º do artigo 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Artigo 1º Os artigos 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º… LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Trata-se de um acréscimo de inciso. Estranho acréscimo. À primeira vista, pode parecer a afirmação do óbvio, do que ulula. Mas não deixa de ser importante por alguns motivos: extensão da celeridade ao âmbito administrativo; aplicabilidade imediata incontestável; e a asseguração da razoabilidade da duração do processo e de meios assecuratórios dessa celeridade, que passa a ser um direito líquido e certo, claramente amparável por mandado de segurança.

Antes de examinar o sentido e o alcance da expressão, ainda que brevemente, cumpre notar que não apenas o Judiciário é alvo da regra, mas toda a administração pública. Nos processos administrativos, vale a mesma norma, que é, como as demais do artigo 5º, regra de asseguração da cidadania contra eventual vilania de agentes do estado.

Isso confere à norma constitucional uma dupla destinação interessante. À primeira poder-se-ia chamar de “imposição exógena ao Poder Judiciário”, que é o acometimento aos magistrados da tarefa de dizer e impor aos Poderes Executivo e Judiciário o seu entendimento sobre o que seja “razoável duração do processo administrativo”.

Nesse sentido, amplia-se, neste ramo do poder de estado, sua função de freio e contrapeso aos demais. Os juízes, constitucionalmente autorizados, intervirão na atividade dos demais poderes. Importante que se passe a exigir também dos órgãos públicos a razoabilidade do andamento dos seus trâmites administrativos. Espera-se dos magistrados rigor na aplicação, para que a norma provoque, no plano prático, o efeito da redução dos prazos dos processos administrativos.

Todavia, à “imposição exógena ao Poder Judiciário” do princípio – agora expresso – da celeridade processual, corresponde uma segunda destinação da norma, o que se poderia chamar “imposição endógena da celeridade no Judiciário”. Incumbe aos juízes, primordialmente, controlar a celeridade dos próprios feitos. E devem fazê-lo com o mesmo rigor – senão maior ainda – com que farão em relação aos demais poderes.

Aqui, caberá aos magistrados o auto-exame, reverter os olhos em sua própria órbita para que enxerguem a si mesmos. E, caso não o façam, estarão sujeitos ao controle do Conselho Nacional de Justiça, órgão quase integralmente interno à magistratura, dada a composição mista que se caracteriza pela ampla maioria de magistrados, mas tendente à criação de um contrapeso ao pesado Poder Judiciário.

Normalmente, regras voltadas a compelir seu próprio aplicador, sujeito apenas a controles internos, têm dificuldades para sua efetivação. Maiores serão as dificuldades de imposição de norma cujo centro está na “razoabilidade” do prazo de duração do processo, sem explicitação do que seja, de fato, prazo razoável.

Mas, como fazer, diante do laconismo da regra? Teria ela “eficácia contida”? Seria “dependente de regulamentação”? Já estaria vigente?

Quanto à aplicabilidade imediata, cuida-se de aspecto incontestável, que decorre não somente do parágrafo 1º que sucede ao inciso acrescido, o qual passa a ser o último do extenso rol do artigo 5º da Carta Magna e declara que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, como também do artigo 10º da própria emenda constitucional, que afirma a entrada em vigor na data da publicação, o que ocorreu, como sói ocorrer com alterações importantes na legislação, no último dia do ano de 2004. Em suma, vigora e é imediatamente aplicável.

Passa, então, a ser exigível o direito à “razoável duração do processo”. No entanto, o que é “razoável duração do processo?” No que tange aos termos duração e processo, substantivos, há pouca margem para dúvidas. Mas o adjetivo “razoável” deixa, na verdade, a razão de lado. O adjetivo, na realidade, prestigia uma discricionariedade do próprio constrangido pela norma: em outras palavras, é o juiz que dirá o que é “razoável duração do processo” que lhe incumbe conduzir à satisfação final.

Para Houaiss , há seis acepções para esse adjetivo de dois gêneros: a) logicamente plausível; racionável, como uma dedução; b) o aceitável pela razão; racional, quando, por exemplo, consideram-se as exigências feitas; c) que age de forma racional, que tem bom senso; sensato, como uma pessoa razoável; d) o que é justo e compreensível por se basear em razões sólidas, como um julgamento, uma decisão razoáveis; e) não excessivo; moderado, módico, como os preços assim reputados; e f) que é bom, mas não excelente; aceitável, suficiente, bastante, como um vinho de qualidade razoável, um salário razoável.

Aurélio admite cinco significados ao termo: a) conforme a razão, racionável; b) moderado, comedido – como um preço razoável; c) acima de medíocre, aceitável, regular – uma atuação razoável; d) justo, legítimo -uma queixa razoável; e e) ponderado, sensato.

Seguramente, porém, não é na literalidade que vamos encontrar aplicação à promessa – e agora dívida – do Estado em proporcionar uma “razoável duração do processo”. É na interpretação teleológica e sistemática do texto que encontraremos respostas.

A razoabilidade, de há muito, é um princípio constitucional. O excelso Supremo Tribunal Federal tem reproduzido (e cito como exemplo a ADI 2.667/MC DF) a tese de que “todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade”.

Diz a Suprema Corte que “as normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law'”.

Na prática, porém, caberá ao Judiciário estabelecer o que é razoável para si. Mas esse, parâmetro, sem dúvida, pressupõe a atuação dos advogados, os quais devem exigir, como um explícito direito constitucional, líquido e certo, a aplicação dos princípios da celeridade e da duração razoável do processo.

Exemplifico: a lei, nos processos trabalhistas, cobra da parte a iniciativa em curto termo de dois anos após legalmente findo o contrato de trabalho a partir do qual nasceu o dissídio gerador da ação. Feitos judiciais, porém, arrastam-se por períodos múltiplas vezes superiores aos prazos prescricionais dirigidos às partes, não sendo razoável que se cobre do interessado na preservação do seu direito uma celeridade que posteriormente lhe é negada pelo Estado. Deixa de ser razoável, assim, qualquer decisão definitiva que cobre mais que dois anos de espera pela solução, numa demanda trabalhista.

Em mandado de segurança, então, a situação é ainda mais grave. Se à parte impetrante incumbe a oferta da ação em cento e vinte dias, não é justo, lícito, ético ou razoável que os Tribunais estendam por anos a fio feitos dessa natureza.

Nos juízos cíveis, pelo Brasil afora, há também espera muito além do limite do razoável, assim como nos órgãos da Justiça Federal. Então, o que se propicia com e o que se espera da nova ordem constitucional é que se efetive. Torne-se realidade. Direito líquido, certo, exigível e exercível.

Liquidez e certeza nos dão o inciso acrescido e sua redação. A exigibilidade também é assegurada pela Emenda 45. O exercício depende da sensibilidade e denodo dos magistrados e servidores, verificado na maioria dos casos. Para as exceções, incumbe a todos, notadamente aos advogados, exigir a efetivação do direito à celeridade.

Na hipótese do não atendimento ou eventual insensibilidade ao apelo formulado diretamente ao magistrado a quem incumbe o feito, fica patente a possibilidade de impetração de mandado de segurança para amparar o direito líquido, certo e exigível da razoável duração do processo. E aqui, somente à advocacia é a quem incumbe orientar a clientela, peticionar com respeito, mas com altivez e, se tudo frustrado, levar o caso aos tribunais, por meio de mandado de segurança, impondo a razoável duração do processo por meio de um duro processamento da razoabilidade.

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    é advogado trabalhista, sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C, presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas, membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

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