Lixo nas ruas

Liminar transfere coleta de lixo em Bagé de empresa para prefeitura

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13 de janeiro de 2005, 11h39

Está suspensa a liminar que autorizava o recolhimento de lixo no município de Sapucaia do Sul (Rio Grande do Sul) pela empresa Recilix Sul Coleta e Tratamento de resíduos Ltda. A decisão, do desembargador em exercício da presidente do Tribunal de Justiça gaúcho, Vladimir Giacomuzzi, devolve à prefeitura a obrigação de fazer a coleta. Cabe recurso.

Segundo os autos, a empresa Recilix ganhou a licitação para a coleta de lixo na cidade. De acordo com a prefeitura, no entanto, a empresa não vinha cumprindo o contrato e em dezembro do ano passado, deixou de executar o serviço. A prefeitura entrou, então, com uma ação para rescisão do contrato.

Ao examinar os argumentos trazidos pelo autor da ação, o município local, o desembargador afirmou estar evidenciado que o interesse público será afetado em caso de manutenção dos efeitos da decisão dada pela Justiça de primeira instância.

De acordo com o desembargador Giacomuzzi, a questão de fundo, “nesta esfera de jurisdição, não reside na relação jurídica estabelecida entre a empresa contratada para a coleta de lixo e o Poder Público Municipal.” Para ele, o principal aspecto reside na segurança social de que estará sendo cumprido, independentemente de litígio entre os envolvidos nas responsabilidades subjacentes, “o recolhimento do lixo”.

Processo nº 70010756120

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO Nº 70010756120

Vistos os autos.

I – O Município de Sapucaia do Sul, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 4.348/64, objetiva a suspensão da liminar, concedida em sede de Mandado de Segurança, que determinou a suspensão dos efeitos do Decreto Municipal nº 3061 e autorizou a retomada do serviço objeto do contrato de concessão nº 002/04 (coleta de resíduos sólidos) pela impetrante, assim como a livre administração de seus bens e ativos financeiros (fl. 140).

Sustenta que a empresa Requerida foi vencedora da licitação, modalidade concorrência pública, objeto do Edital nº 003/03, tendo sido contratada para a prestação de serviços de coleta de lixo urbano domiciliar no Município. Alega que a referida empresa vem descumprindo as obrigações contratuais, e que no mês de dezembro recolheu parcialmente o lixo na cidade, tendo abandonado por completo a coleta no dia 15/12/2004, comunicando à Administração a ausência de condições para a manutenção do contrato, entregando dois caminhões de recolhimento de resíduos junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.

Assevera que em razão do caos instalado na cidade, foi expedido o Decreto municipal nº 3061/04 com a imediata assunção do objeto do contrato, bem como a ocupação e utilização do local para o depósito dos resíduos, instalações e equipamentos necessários à continuidade do serviço, com a retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração, culminando, por fim, com o ajuizamento de ação de rescisão de contrato com pedido de tutela antecipada (processo nº 1040007022-2), que foi indeferida. Desta decisão, interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo (processo nº 70010718146) que também restou indeferido por decisão da lavra do ilustre magistrado Dr. Nywton Carpes da Silva.

Aduz que a coleta de lixo urbano domiciliar se caracteriza por atividade essencial que não pode ser paralisada, já que a cidade gera em torno de 70 toneladas de resíduos por dia. Diz que a interrupção injustificada desta atividade ocasiona prejuízos ao Município e à sua população, com efeitos na área da saúde e meio ambiente. Ressalta, também, a preponderância do interesse púbico sobre o privado.

Diz que o ajuizamento da ação de rescisão contratual antes do regular processo administrativo se deveu à situação de calamidade que a empresa Requerida deixou o Município. Afirma que os aspectos formais da lei não podem se sobrepor ante a situação do Município.

Por último, pede a suspensão dos efeitos da liminar, autorizando o Município a assumir a atividade de coleta de lixo urbano domiciliar com base no artigo 4º das Leis nº 4.348/64 e 8.437/92.

É o relatório.

II – A possibilidade de intervenção que a Lei nº 4.348/64 outorga à Presidência dos Tribunais, por meio da suspensão de liminares deferidas contra atos do Poder Público, tem caráter excepcional, somente se justificando nas hipóteses nela explicitadas, ou seja, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança, à economia públicas e nos casos de manifesto interesse público ou ilegitimidade, consoante a dicção do seu artigo 4º.

O eminente professor Hely Lopes Meirelles[1], leciona a este respeito que:

“Sendo a suspensão da liminar ou dos efeitos da sentença uma providência drástica e excepcional, só se justifica quando a decisão possa afetar de tal modo a ordem pública, a economia, a saúde ou qualquer outro interesse da coletividade, que aconselhe a sua sustação até o julgamento final do mandado”.

Na esteira do mesmo entendimento, afirma o professor Teori Albino Zavascki[2] que:

“São dois, portanto, os requisitos a serem atendidos cumulativamente: primeiro, manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade; segundo, grave lesão. A falta de um deles inviabiliza a suspensão pelo Presidente do Tribunal, sem prejuízo, evidentemente, do efeito suspensivo ao recurso, que poderá, se for o caso, ser deferido pelo relator”.

Ao examinar os argumentos trazidos pelo autor em suas razões, evidencia-se que o interesse público será afetado em caso de manutenção dos efeitos da decisão proferida em sede liminar.

De um lado, há a decisão concessiva de liminar pelo juízo ordinário que, segundo alega o Requerente, tem poder suficiente para causar grave lesão à ordem e à economia públicas, tendo em vista a impossibilidade de realização própria do serviço de limpeza urbana.

E de outro lado, não se desconsidera os princípios previstos na Constituição Federal que devem nortear os atos da Administração Pública que serviram de base à decisão ora impugnada.

A questão de fundo, nesta esfera de jurisdição, não reside na relação jurídica estabelecida entre a empresa contratada para a coleta de lixo e o Poder Público municipal. Reside, sim, na segurança social de que estará sendo cumprido, independente de litígio entre os envolvidos nas responsabilidades subjacentes, o recolhimento de lixo.

Abstraindo-se da forma como atuou o Município para passar a cumprir objeto de contrato público que, segundo alega, estaria sendo descumprido pelo particular contratado, o fato é que pode, a qualquer momento, assumir pessoalmente obrigação cuja responsabilidade é sua, e vinha sendo realizada por empresa contratada.

Sabendo-se da orientação do Superior Tribunal de Justiça, de que não cabe examinar nesta via extrema as questões de fundo envolvidas na demanda, devendo ater-se apenas à potencialidade lesiva do ato de conformidade com a previsão legal inscrita na lei de regência, ainda assim “Essa orientação, contudo, não deixa de admitir um exercício mínimo de deliberação do mérito, haja vista cuidar-se de contra-cautela, vinculada aos pressupostos da possibilidade jurídica e do perigo da demora, que devem estar presentes para a concessão das liminares” (SS nº 1357-PE, Min. Edson Vidigal, DJ de 25.05.04).

Nesse sentido, tenho que o interesse particular da empresa impetrante do mandado de segurança não pode se sobrepor, por ora, ao interesse público. A observância das cláusulas contratuais e das garantias constitucionais do devido contraditório sequer têm relação com o objeto do serviço contratado, cuja essencialidade é evidente e não se subordina a interesses pessoais. Possível prejuízo, devidamente justificado, tem também o resguardo contratual e legal a ser verificado em sede própria.

A presunção é de que tenha sido lícita a atuação do Executivo municipal. Eventual descumprimento contratual deste, com violação a direito da contratada, será objeto de verificação em demanda já ajuizada, conforme informado. Tal não pode impedir, entretanto, o dever da autoridade pública em manter a regularidade do serviço essencial da coleta do lixo, que passa a ser feito dentro das formas previstas em lei e no pacto celebrado.

Inclusive há cláusula contratual prevendo a intervenção da Administração municipal como medida preliminar de rescisão contratual e adequação dos serviços de coleta de lixo (cláusula 20). Some-se a isso as fotos juntadas, que indicam verossimilhança suficiente das alegações de fato.

Ao depois, no atual momento, o prejuízo maior ao interesse público adviria na manutenção da decisão fustigada, diante das conseqüências danosas a que estaria sujeita a comunidade de Sapucaia do Sul.

Por todos estes motivos, vislumbro que os valores tutelados pela norma de regência encontram-se potencialmente afetados em razão da suspensão dos efeitos do Decreto de assunção pelo Município da realização da coleta de lixo municipal.

Assim, na hipótese apresentada, evidenciam-se os prejuízos que a manutenção dos efeitos da decisão a quo podem causar.

III – DIANTE DO EXPOSTO, defiro o pedido de suspensão da liminar formulado pelo Município de Sapucaia do Sul até o trânsito em julgado da decisão de mérito do mandado de segurança.

Intime-se e oficie-se.

Porto Alegre, 12 de janeiro de 2005.

DES. VLADIMIR GIACOMUZZI,

1º Vice-Presidente,

no exercício da Presidência.

[1] Meirelles, Hely Lopes, Mando de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data, 16ª ed., Malheiros Editores, p. 63.

[2] Zavascki, Teori Albino, Antecipação de Tutela, ed. Saraiva, São Paulo, 1999, p. 175.

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