Justiça ativa

Bem comum deve guiar o juiz ao aplicar a Lei de falências

Autor

  • Jorge Lobo

    é advogado professor e procurador de Justiça aposentado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito da Empresa pela UFRJ e doutor e livre-docente em Direito Comercial pela Uerj.

5 de janeiro de 2005, 12h57

A nova Lei de Recuperação e Falência da Empresa e do Empresário tem por objeto sanear o estado de crise econômico-financeira da empresa e por finalidades salvar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos. Os princípios são a conservação e a função social da empresa, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a segurança jurídica e a efetividade do Direito.

Para bem aplicá-la e dela extrair todas as virtudes que contém, explícitas e implícitas, os operadores de Direito serão obrigados a realizar o que denomino de “ponderação de fins e ponderação de princípios”.

Juridicamente, ponderação — de bens, de valores, de interesses, de fins, de princípios — significa “atribuir pesos a elementos que se entrelaçam” com o escopo de “solucionar conflitos normativos”, sendo certo, como ensina Daniel Sarmento, que “a solução do conflito terá de ser casuística” e estará “condicionada pelas alternativas pragmáticas para o equacionamento do problema”.

No caso da ação de recuperação judicial da empresa, a assembléia geral de credores, primeiro, depois, o Ministério Público e, por derradeiro, o juiz da causa deverão sopesar a realização dos fins — salvar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos –, através do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade.

Talvez, então, venham a concluir que o caso concreto exige o “sacrifício” de determinado fim se indispensável para o saneamento da empresa ou o “sacrifício” parcial do interesse da empresa em benefício de empregados e credores, etc., pois, como ressaltam os franceses, os procedimentos coletivos são “procedimentos de sacrifício” que limitam os poderes do devedor e restringem os direitos dos credores (Yves Guyon, Droit des affaires, Paris: Economica, 1991, Tome 2, 3e éd., p. 113).

Deverão, ao mesmo tempo, empenhar-se na “ponderação de princípios” — o da conservação e da função social da empresa, o da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho e o da segurança jurídica e da efetividade do Direito –, através do “teorema de colisão” de Alexy, para o qual, diante de um choque de princípios, as circunstâncias fáticas determinarão qual deve prevalecer, pois “possuem uma dimensão de peso”, verificável caso a caso.

Aos que sustentam ser a função do magistrado na ação de recuperação judicial de empresa simplesmente formal, o que o transformaria em mero homologador das deliberações da assembléia geral de credores, respondo que o juiz, no processo de reorganização da empresa, tal como no processo civil comum, exerce poderes de caráter jurisdicional ou “poderes-fim”, “poderes-meio” ou “instrumentais” e “poderes administrativos”.

É importante destacar que, ao exercer os poderes de caráter jurisdicional, instrumental ou administrativo, o juiz não é um órgão passivo, mero “carimbador” das deliberações da assembléia geral ou do comitê de recuperação ou do administrador judicial. Ao presidir o processo de recuperação, ordenar o processamento da ação, proferir despachos, decisões e sentenças, superintender a administração da empresa em crise etc., deve fazê-lo com tirocínio, competência e plena liberdade, formando sua convicção, seu “livre convencimento”, de acordo com as provas dos autos, ciente de que seus atos estão sujeitos a recurso de agravo (cfr., p. ex., art. 56, § 2º).

Aliás, sob o império da LRF, cujo caráter publicístico é evidente, são ainda maiores e mais amplos os poderes, funções e atribuições do juiz na condução do processo de reerguimento da empresa, sem chegar, entretanto, como ocorre no direito francês, a ser uma autêntica “magistratura econômica”. Por que? Em virtude do objeto e dos fins imediatos e mediatos da LRF, do evidente interesse público na preservação da atividade econômica organizada e do fato inconteste, ressaltado pelo ministro Salvio de Figueiredo Teixeira, de que “o Estado Democrático de Direito não se contenta mais com uma nação passiva. O Judiciário não mais é visto como mero Poder eqüidistante, mas como efetivo participante dos destinos da Nação e responsável pelo bem comum”.

Autores

  • é mestre em Direito da Empresa pela UFRJ, doutor e livre docente em Direito Comercial pela UERJ e especialista em aquisição, reorganização e recuperação de empresas

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