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Planalto não quer que caso Waldomiro Diniz seja investigado

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28 de fevereiro de 2005, 12h16

Tramitam no Supremo Tribunal Federal pelo menos seis importantes mandados de segurança que vão definir uma questão de altíssima relevância jurídica para a vida republicana nacional. Ambos versam sobre o direito das minorias na formação das comissões parlamentares de inquérito. Se a segurança for deferida, um verdadeiro marco balizará daqui pra frente os limites do poder hegemônico das maiorias sobre as minorias, principalmente levando-se em conta o poder-dever que têm essas no exercício da função fiscalizadora. O instrumento indispensável para alcançar essa insuperável realização do processo democrático se materializa nas CPIs.

As impetrações tiveram como fundamento a recusa do presidente do Senado Federal na indicação de membros para a composição da CPI dos Bingos, uma vez que as lideranças partidárias da base do governo não apresentaram os nomes de seus representantes. As razões invocadas para o indeferimento se assentaram no fato de que, não havendo regra específica no Regimento Interno do Senado que autorizasse suprir a omissão, o presidente da Casa não poderia fazê-lo.

Trocando em miúdos, o que se deu foi o seguinte. Nos termos do § 3º do artigo 58 da Constituição Federal, apresentou-se à Mesa do Senado requerimento com as assinaturas correspondentes a mais de um terço de seus membros, o que legitimaria a instalação da CPI. Com isso — preenchidos os requisitos constitucionais e regimentais para impulsionar o expediente — expediram-se ofícios às lideranças dos partidos para que indicassem seus representantes. Somente a minoria ofereceu resposta fornecendo os nomes de seus senadores. A maioria, contudo, não apresentou a relação de seus integrantes. Criou-se, assim, o impasse, que ora está sob apreciação dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Não me parece que a hipótese se encaixa na simplória afirmação, como alega o Senado, de que se trata de mera questão interna corporis, que se resolve pela interpretação a ser dada a normas regimentais. Do que sei sobre o tema, penso situá-lo bem além desses parâmetros delimitativos, aliás já consolidados pela jurisprudência do STF, que não tem admitido conhecer de mandado de segurança que discute regras regimentais de outro poder. Aqui, o caso ganha contornos muito mais elevados e sérios porque envolve o respeito a princípios e dogmas constitucionais.

As CPIs têm se revelado extraordinário veículo de aperfeiçoamento democrático, sobretudo quando usadas com equilíbrio e segurança. Às vezes as desnaturam a excessiva vaidade de alguns parlamentares em busca de holofotes e as violações ao devido processo legal, particularmente as relacionadas à ampla defesa.

Entendo ser equivocada a decisão da Mesa do Senado. A prevalecer a conclusão de que o pleito da minoria não tem proteção regimental para a instalação da CPI, consumar-se-ia o absurdo de inviabilizá-la ad aeternum, mormente se, malgrado as subscrições do requerimento de sua formação ter alcançado o quorum constitucional exigido, não puder tal omissão ser suprida por outro meio.

Não se trata de deficiência de regra regimental a dar substrato ao fundamento denegatório, mas de garantias constitucionais que lhe superpõem, inerentes que são às ações das minorias parlamentares em um verdadeiro estado democrático de direito. Do contrário, a democracia do parlamento seria feita pela vontade absolutista das maiorias. Nesse caso, seria uma ficção as CPIs, porque só se constituiriam quando houvesse o edito desse Poder da ditadura parlamentar. Seria o princípio do fim desse magnífico instrumento de fiscalização dos atos do Executivo, que não quer, no caso, ser molestado, ainda que os fatos a serem apurados possam ser de extrema gravidade.

Como essas anotações não têm a pretensão de aprofundar o exame jurídico do tema, o que se espera é que, já em pauta os processos para julgamento, haja uma solução definitiva da controvérsia. Aí é bom torcer para que não sobrevenha pedido de vista que prorrogue ainda mais a solução final do caso. Lembremos os fatos que o Palácio do Planalto não deseja que sejam apurados.

Já imaginaram se o caso Waldomiro Diniz tivesse vindo à tona no governo de Fernando Henrique Cardoso ou de outro presidente anterior à era petista? Qual teria sido a reação de sua atenta bancada no Congresso Nacional? Por certo teria colocado a boca no trombone e exigido com a veemência característica de seu antigo discurso a instalação de uma CPI. E o que não teria feito com o episódio do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, que se supõe o esconderijo de dinheiro sujo para o PT? Obviamente moveria céus e terra para vê-lo esclarecido.

Waldomiro Diniz era assessor parlamentar do Gabinete Civil da Presidência da República e está sendo acusado de haver posto seus préstimos como servidor público a serviço da mediação que resultou na prorrogação de um gordo contrato entre uma empresa privada e a Caixa Econômica Federal.

Sabe-se incidentalmente do fato pela gravação de um vídeo ocorrida no Aeroporto de Brasília, com conversa de Diniz com certo agente da jogatina, em que pede dinheiro ilícito para si próprio e para campanhas eleitorais. O que teria ocorrido mais? É esse mais que o Palácio do Planalto não quer que seja investigado e que os senadores da minoria querem saber. E mais do que eles, toda a sociedade brasileira.

*Artigo publicado no jornal Correio Braziliense

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