Concorrência no mercado

Meyer diz que é preciso competir com bancas estrangeiras

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24 de fevereiro de 2005, 16h43

Antonio Corrêa Meyer é um advogado de sucesso, porém confessa que tem algumas frustrações na vida: a primeira é não saber tocar piano; a segunda é nunca ter escrito um romance ou um conto policial. “Falta-me aquele impulso criador, aquela demanda interna, aquela urgência em escrever. Ainda não senti isso. Piano até comecei a estudar na escola do Zimbo Trio, mas não tinha tempo para estudar. Meus jovens colegas chegavam com as lições em dia, eu me sentia um fracasso e acabei desistindo”, relata.

Da turma de 1969 da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), começou a carreira no Pinheiro Neto, que na época chamava-se Pinheiro Neto & Gomes de Souza, o maior escritório de então. Hoje, é um dos titulares do Machado, Meyer, Sendacz e Opice, uma das maiores bancas do país, com forte atuação nas áreas societária, financeira, tributária, infra-estrutura, concessões de serviços públicos, aeronáutica e antitruste: são 33 sócios, 300 advogados, 200 estagiários e 250 funcionários.

Sua rotina é árdua. Trabalha em média 12 horas por dia de 2ª a 6ª feira e muitas vezes também precisa abrir mão dos fins de semana. Para manter a forma caminha quatro vezes por semana pela manhã, de 45 minutos a uma hora. Nos finais de semana, quando dá, joga tênis ou golfe e às vezes futebol.

Jornal do Advogado — Qual a sua análise da questão tributária no Brasil?

O sistema tributário brasileiro apresenta problemas muito sérios. Começamos pelo ICMS, que é um tributo criado na década de 60, calcado no imposto sobre valor acrescido que na época já existia na Itália, Alemanha e outros países europeus. Aqui, o imposto apresentou problemas muito sérios. Não obstante o cuidado do legislador em tentar uniformizar de maneira nacional algumas das normas do ICMS, a verdade é que na prática isso não tem funcionado. Implantou-se de forma bastante agressiva uma guerra fiscal entre os Estados e não havia mecanismos eficientes para que essa guerra pudesse ser combatida. O fato é que hoje nós temos situações muito complexas na área do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que às vezes tornam inviáveis alguns investimentos.

Por exemplo?

A nossa economia voltou-se para a exportação, para a conquista de novos mercados no exterior. Pois bem, nós não podemos exportar tributo. Por isso, temos a lei que torna isento o produto exportado. Só que os créditos dos tributos que foram pagos no processo produtivo ficaram para trás, sem que o exportador pudesse utilizá-los em outras atividades. E agora todos os Estados, como acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo, estão estabelecendo restrições para a utilização desses créditos, a meu ver de forma indevida, de forma ilegal e inconstitucional até, e o produtor local se vê às voltas com um custo adicional que ele não pode repassar. Isso prejudica a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Então, é preciso repensar o ICMS.

E como devia ser o sistema tributário nacional?

O sistema tributário devia ser extremamente simples e estável para evitar surpresas, para que as pessoas pudessem projetar a sua vida. O problema é que o atual sistema vive em função das despesas públicas, são elas que determinam quanto é que tem de ser arrecadado.

Quando o senhor diz sistema mais simples e mais estável, quer dizer menos impostos?

Um sistema tributário mais justo seria aquele que incidisse sobre renda e sobre consumo. Certamente a renda tem de ser tributada, porque ela é um indício muito evidente de capacidade contributiva. Não gosto dos impostos sobre faturamento, como são as contribuições do PIS e Cofins, porque não levam em consideração o lucro de quem produz. O IOF, por exemplo, é um imposto extremamente simples de se administrar.

Acho que embora ele possa ser injusto — como ele efetivamente é, pois não leva em consideração a capacidade contributiva mas a movimentação de ativos financeiros –, pela facilidade de arrecadação e como instrumento de controle do Fisco é um tributo importante dentro do sistema jurídico. O ICMS deve ser substituído por um imposto sobre vendas, sobre o consumo. Hoje ele é cobrado no início do processo produtivo, o que onera o produto final nas suas várias etapas e estabelece uma situação injusta com o consumidor, que vai ter de pagar os custos adicionais acarretados durante todo o processo de produção.

Qual a sua opinião sobre a súmula vinculante?

Sou a favor dela. Sempre que nós pudermos resolver as questões em lugar de perenizar os processos, sou favorável á primeira alternativa. Nós aqui em São Paulo estamos acostumados a dizer aos nossos clientes que para distribuir uma apelação demora de 4 a 5 anos, mas não há quem entenda isso. Então, é muito mais interessante para o Brasil que as questões sejam resolvidas rapidamente. A demora convém ao mau pagador, àquele que descumpre obrigações. No fim, o Poder Judiciário passa a ser um instrumento das pessoas que descumprem as suas obrigações. Não é isso que o advogado quer, não é isso que a advocacia pretende.

Em virtude desse quadro que o senhor acabou de pincelar, é possível dizer que hoje as empresas estão mais dispostas a usar a arbitragem?

A arbitragem tem sido utilizada com mais freqüência sem dúvida alguma. Ela é muito útil em questões técnicas complicadas, até porque ao Poder Judiciário falta muitas vezes o aprofundamento técnico necessário para a solução de controvérsias delicadas. O juiz acaba se louvando em opiniões de peritos. O melhor seria que ele próprio tivesse esse conhecimento. É óbvio que é impossível esperar que os juízes conheçam detalhadamente todos os assuntos. Por isso é que a arbitragem passa a ser útil, pois o árbitro já é selecionado tendo em vista o seu conhecimento técnico naquela matéria, o que facilita as decisões. Agora, a arbitragem é cara, é um processo que dificilmente é utilizado em questões que envolvem baixos valores.

O senhor, que faz parte de um grande escritório, não teme a concorrência das bancas estrangeiras?

Nós temos concorrência interna e temos agora a externa. À medida que o país vai aumentando a sua participação no comércio internacional, nós vamos percebendo a presença mais ativa desses escritórios internacionais aqui no Brasil. Acho que é uma realidade da qual não podemos escapar. Não há nenhum sentido em criarmos barreiras ou criarmos reserva de mercado nessa área. Nós temos é que competir com eles. O que não nos agrada é que quando pretendemos advogar em outros países somos obrigados a seguir religiosamente as normas que são estabelecidas lá para qualquer advogado exercer a sua profissão.

Eu não posso abrir um escritório em Nova York e começar a advogar. Tenho de prestar um exame e ser aprovado pela American Bar Association para poder advogar lá. Aqui no Brasil nós temos também o Exame de Ordem que é necessário para que possamos exercer advocacia. Então, eu não vejo sentido em alguém vir para cá e não cumprir essas obrigações que são estabelecidas na nossa lei. O que não gostamos é de concorrência desigual, de pessoas que não querem submeter-se às mesmas condições a que nós estamos submetidos.

Em 35 anos de advocacia, quais as maiores mudanças que o senhor verificou na carreira?

O país do início da década de 1970 era outro. Naquela ocasião, ocorreu o dito milagre brasileiro, vieram muitos investidores para o Brasil que não conheciam nada do país. O advogado cumpria uma função esclarecedora, ensinava ao investidor estrangeiro como era o Brasil. E havia poucos advogados que faziam isso, porque poucos falavam inglês. Então, nós tínhamos uma demanda enorme de serviço, pouca concorrência e uma grande oportunidade de trabalhar e ser bem remunerado.

Depois vieram as crises, a crise do petróleo, a da dívida, e muitos pequenos e médios investidores deixaram o país. A década de 80 foi mais complicada e aumentou a concorrência. Na década de 90, vieram o Plano Real e as privatizações, e novamente uma grande demanda pelo trabalho jurídico. Os escritórios cresceram muito. E começaram a vir também os estrangeiros. Isso tudo trouxe como conseqüência a necessidade de os escritórios de advocacia tornarem-se mais competitivos. Isso significa baixar custos, introduzir controles rígidos nas operações, formar pessoas habilitadas a concorrer nesse mercado e estar sempre em dia com as últimas inovações da informática. Hoje trabalha-se bem mais e ganha-se muito menos do que se ganhava na década de 70. Então, mudou muito.

Mesmo assim vale a pena ser advogado?

Eu acho. Não trocaria por nenhuma outra profissão. A advocacia é uma excelente profissão e essa forma de advogar em escritórios permite-nos ter contato com inúmeras atividades, o que traz um mundo muito rico para o advogado, cheia de novas experiências.

Como o senhor vê o papel da OAB nos dias de hoje?

A OAB tem um histórico de participação política que é extremamente relevante para a evolução do nosso Estado Democrático de Direito. E espero que ela continue muito ativa nessa área. Por isso é que eu vejo com um pouco de espírito crítico a estrutura organizacional da OAB. Acho que os conselhos estaduais, com 60 conselheiros, são muito grandes e as reuniões tornam-se pouco eficientes. Poucos assuntos podem ser discutidos num conselho tão grande e com preocupações tão diversas.

Acredito que uma reforma do Estatuto seja necessária para que esse tipo de organização dos conselhos seccionais possa ter sua estrutura simplificada, ou pelo menos criar um órgão deliberativo cuja responsabilidade sejam as questões de maior relevância para o exercício da advocacia, as questões institucionais.

Acho que também falta à Ordem um quadro de funcionários que fosse encarregado da fiscalização, como o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) tem. Editamos resoluções e provimentos maravilhosos, mas não há quem fiscalize a sua aplicação. É preciso que a Ordem se convença de que precisa ter um corpo de advogados contratados por ela para fiscalizar o cumprimento desses provimentos e resoluções.

Fonte: Jornal do Advogado

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