Toma lá, da cá.

Bush assina lei que limita valor de indenizações nos EUA

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24 de fevereiro de 2005, 18h24

O presidente Bush ganhou a guerra: assinou, no último dia 18, lei que, a pretexto de impedir honorários advocatícios de “múltiplos milhões de dólares”, limita o valor das indenizações em class action (35 milhões de links no web), a mãe de nossa tão tímida Ação Civil Pública e, nos Estados Unidos, madrasta exageradamente generosa de inescrupulosos advogados que ambiciosamente desvirtuaram o interesse público ínsito nesse moderno processo de aperfeiçoamento democrático.

E embolsavam, com a conivência de jurados e sob juízes indiferentes, rios de dinheiro, assaltando os legítimos direitos difusos concentrados nas ações coletivas para a tutela de bens e valores, do passado aos futuros das próximas gerações, contra prejuízos advindos de perniciosas atividades, públicas e privadas, ou para evitá-las. A loucura dessa farra corruptora da advocacia não podia mesmo continuar. Mas repetiu-se a operação iraquiana: para acabar com a extorsiva tirania honorária contra a democracia através da advocacia armada até os dentes com a Ação Civil Pública pelas vítimas, causa-se impune matança de inocentes.

A nova lei, de sobra, podou as indenizações por danos morais para erros médicos, mas essa é outra biópsia. E, como sempre, o guerreiro Bush, que assim disparou seu primeiro torpedo mortal legislativo após a reeleição, prometeu mais vitórias para a breve paz justa, pois velha é a lei de que a toda lei nova há velhaco ganancioso para burlá-la. “O preço da Justiça é a eterna vigilância”, plagiaria.

Os maiores vencedores desse combate de dez anos é o capitalismo quando viciado pela ambição humana e seu filhote, a grande empresa e, perdedor, o cidadão comum, geralmente consumidor, indefeso sob agressões, de ecológicas às da corrupção financeira das corporações.

Bush tinha certa razão ao dar razão incerta ao império das grandes empresas e pequenos médicos: algum remédio tinha mesmo de ministrar aos gigantes e anões atacados por frivolidades. Mais, eram chocantes as migalhas que sobravam em forma de cupons para descontos aos consumidores para mui eventual negócio futuro com o condenado. Por outro lado, a lei mutilada protegia, sim, a massa indeterminada de beneficiários que, sem o remédio da Ação Civil Pública, tinham sofrido ou viriam a sofrer os danos causados pelas atividades objeto da lide. Mas a convicção dele é que tudo isso deu “uma arrumada na casa”.

Na batalha agora perdida, os sacrificados, para variar, pagam pelos pecadores: os novos milionários, que são poucos, das ações contra danos do amianto e seu câncer real ou imaginário, ou dos cigarros — cujos autores incluem vários estados do Brasil — não precisavam mesmo acumular mais fortunas. Mas os pequenos prejudicados não têm mais um remédio judicial eficaz. É interesse de milhares de cidadãos absolutamente indefesos ao desabrigo da Ação Civil Pública quando o prejuízo acaba espalhado entre até milhões deles e por detrás das montanhas de honorários concentradas entre poucos.

No Brasil é o inverso. Alguém lúcido, o presidente Lula talvez, dando a volta por cima do IBGE poderia, com dados dos supernutridos advogados americanos e dos subnutridos brasileiros, administrar um fortificante legal a nossa ainda promissora Lei da Ação Civil Pública. Santo remédio vivificante contra mortais pecadores é prover honorários dignos para estimular esse notável instrumento social.

Com tantos advogados jovens ociosos e tantas velhas causas à espera de Justiça, incentivar é preciso. Fica quase tudo entregue ao Ministério Público, canal que seria temporário até que a sociedade, educada e organizada, assumisse sua defesa. Assim o Brasil já perdeu duas décadas para o desenvolvimento justo.

A Economia Política ensina que é muito mais barato recompensar o advogado pelo mérito público da ação civil pública vencedora, como ensina Cahali, do que legiões de procuradores pouco estimulados a procurar e achando estimulantes cofres públicos. O serviço direto, terceirizado digamos, é racional ao Estado e eficiente à sociedade.

Inútil lecionar a linda Ação Civil Pública ao povo se o aluno lê e fica lívido com os horrores das raras decisões sobre seus honorários. Juízes há que, por algum motivo não elevado, rebaixam a alguns o ganha-pão advocatício ganho com insuperável serviço público.

Nada menos que a Coca-Cola foi impedida, por uma ação dessas, a inconstitucionalmente subtrair para exploração industrial água quase mineral da Serra do Japi, Patrimônio da Humanidade pela ONU e tombada pelo grande Aziz Ab’Saber, em Jundiaí, SP. Valor da causa: milhões de dólares, em uma só década de fabricação da bebida. A dura secura dos honorários fixados pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, repulsivamente humilhantes, é de matar de sede a lei por lutas cívicas.

Quanto ao construtivo ressarcimento punitivo, nem é bom pensar. E lembrar o impacto positivo que foi a lição judicial aplicada ao Mc Donald’s porque sua consumidora velhinha mal queimara a mão com o café fervente da xícara. Não fosse a punição ressarcitória, a ré não iria mudar a xícara de toda sua imensa cadeia: pagaria o curativo… E milhões continuariam se queimando. Sem cadeia, claro, pequena que fosse, pela desobediência.

Para evitar enriquecimento ilícito aí, temos o educativo Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos. À mingua. Ressarcimentos punitivos e honorários que atravancam nossa lei são pura questão de sábia proporcionalidade, ensinaria o professor de Direito Econômico e ministro Eros Grau.

Mas sapiência e proporcionalidade — a medida de Justiça — estão em falta.

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