Arca de Noé

Coronel pede liberação de documentos e armas apreendidos pela PF

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21 de fevereiro de 2005, 11h20

O coronel Frederico Carlos Lepesteur, acusado de homicídio qualificado em Mato Grosso, formação de quadrilha e contrabando, quer que os documentos, armas e outros objetos apreendidos pela Polícia Federal, durante a Operação Arca de Noé, sejam devolvidos. O advogado que representa a família de Lepesteur, Eduardo Mahon, alega que o coronel precisa declarar seu Imposto de Renda e, por isso, precisa ter acesso aos documentos referentes ao ano de 2004.

Lepesteur é apontado como um dos integrantes do grupo de João Arcanjo Ribeiro, o “Comendador”, que é acusado de chefiar o crime organizado em Mato Grosso. O coronel está preso há mais de dois anos, em Cuiabá. Arcanjo está preso no Uruguai.

Segundo Mahon, “a dicção do Código de Processo Penal é muito clara: não se restituem coisas apreendidas por três razões — a) quando ainda interessem ao processo; b) quando não comprovada a propriedade; c) resultado ou objetos de crimes”.

Para o advogado, a declaração de Imposto de Renda de 2004 “não é objeto ou produto de crime e, por último, já serviram à saciedade à instrução probatória, não sendo usados até então para nenhum ato decisório, permanecendo na sede da Polícia Federal de Mato Grosso”. Ele diz também que os documentos não foram anexados aos autos, o que comprova que não há nexo em mantê-los na sede da Polícia Federal do estado. Mahon lembra que o coronel não responde por denegação, lavagem de dinheiro ou qualquer outro crime contra a ordem financeira nacional.

Foram apreendidos pela Polícia Federal documentos pessoais e profissionais, objetos de decoração, armas com porte, escritura de imóveis, notas fiscais, computadores, entre outros. Mahon quer que tudo seja devolvido ao coronel.

Tramita também na Justiça Federal de Mato Grosso o pedido de Habeas Corpus de Lepesteur. Em janeiro, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, converteu o pedido em Diligência Urgente ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para que a liminar fosse julgada ainda no recesso forense. O caso ainda será analisado.

Leia o pedido de Mahon

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO DA COSTA TOURINHO NETO — RELATOR.

Proc.

2004.36.00.004275-8

FREDERICO CARLOS LEPESTEUR, qualificado nos autos epigrafados, por meio de seu procurador adiante firmado, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com supedâneo no art. 120 do Código de Processo Penal, ingressar com:

PEDIDO INCIDENTEAL DE RESTITUIÇÃO PARCIAL DE COISAS APREENDIDAS PELA POLÍCIA FEDERAL DE MATO GROSSO

Pelos fatos e fundamentos adiante expendidos:

1 — No dia 24 de janeiro do corrente ano, o patrono do Requerente em primeira instância ingressou com pedido de restituição de coisas apreendidas junto à 3ª Vara Federal de Mato Grosso, fundamentando-se na decisão última proferida por Vossa Excelência nos autos 2004.36.00.004275-8, e acompanhada à unanimidade pela respectiva Turma Recursal. Com base na demora do desiderato processual e ainda escorado na anulação do processo, determinando o envio dos autos à Justiça Estadual considerada como competente e seu desmembramento, peticionou pela devolução dos documentos pessoais apreendidos à época da segregação pela Polícia Federal de Mato Grosso.

2 — Em singela petição, alegou o Reclamente que a negativa anterior havia se pautado na ausência provisória de perícia nos objetos e documentos apreendidos, o que inviabilizaria, à época, o deferimento do pleito. Tal justificativa, hoje em dia, ultrapassada a primeira fase da instrução, falece de relevância. Todavia, relembrou a anulação do processo e a subseqüente declaração de incompetência do juízo federal. No dia 28 do mesmo mês, recebeu como resposta, o seguinte despacho:

“I – A minha jurisdição no feito encerrou-se quando proferi a sentença nos autos 2002.008183-2, que estão em grau recursal. Atualmente a decisão de qualquer incidente relativo àquele processo cabe ao Juiz Relator do Recurso em Sentido Estrito n. 2004.00427-5.

II – Intime-se”.

3 — Não merece aplauso a decisão ora objurgada por duas razões: a primeira, de ordem pronominal, referindo-se ao Excelentíssimo Desembargador como Juiz, mas que é plenamente escusável na elegância de cada qual; a segunda, porque equivocou-se aquele magistrado federal. Explica-se — Vossa Excelência, ao proferir o voto de anulação parcial do processo, desmembrando-o, manteve a competência para o julgamento do crime de contrabando ao qual se vê o réu envolvido. Se assim é, a jurisdição federal não se esgotou para cuidar da temática ainda discutida. E mais – vamos que o julgador a quo esteja certo ao julgar-se sem jurisdição para cuidar de restituição – ora, ainda enquanto é guardião de documentos, questiona-se do porquê não foram remetidos à Justiça Estadual. Trata-se de teratologia, por óbvio.

4 — Errou o magistrado e enumeram-se as razões do despacho pedestre:

a) o recurso em sentido estrito, ordinariamente, não põe fim ao processo penal e, sobretudo, não extingue a jurisdição sobre a matéria. É profunda falta de técnica afirmar-se que a “jurisdição encerrou-se” quando da interposição de recurso e respectivo acórdão;

b) do aresto depreende-se que a declaração formal de incompetência jurisdicional deu-se apenas no que tange às imputações de crime doloso contra a vida, não guardando nexo processual com o contrabando, levando os pretores a desmembrar o processo. Portanto, firme está a jurisdição federal para instruir o delito restante. Ainda que venha ser anulado qualquer outra fase processual, colhe-se a olhos desarmados que a Justiça Federal é a competente para julgar a imputação residual;

c) ainda que precária ou provisoriamente, quem é responsável pelos bens apreendidos e guardados é o juízo federal respectivo: o resto é sofisma.

5 — O que não se pode admitir é julgador de primeira instância eximir-se da responsabilidade jurisdicional, incumbindo órgão superior do julgamento mais comezinho de restituição de coisas apreendidas, mormente as declarações pessoais de renda! No jargão popular, temos aí o típico caso de “repassar a batata quente”.

6 — Os documentos apreendidos não serão remetidos à Justiça Estadual, mesmo com o trânsito em julgado da decisão proferida pela Terceira Turma do TRF-1 pelo que se extrai da leitura atenta do aresto:

A TURMA, À UNANIMIDADE, ANULOU A SENTENÇA de pronúncia, de ofício, em virtude da incompetência da Justiça Federal, e, em consequência, julgou prejudicado o exame de todos os recursos, determinando que se proceda ao desmembramento dos autos em relação aos crimes de homicídio, com remessa à Justiça Estadual de Mato Grosso; determinando também, quanto à prisão dos apelantes, que permaneça como tal, “si et in quantum”, quanto aos crimes da competência da Justiça Federal e, quanto aos crimes de homicídio, até que sobre ela se manifeste a autoridade judiciária estadual competente

7 — Ora, se assim foi, ainda resta a competência da Justiça Federal de primeira instância para o julgamento do delito de contrabando, sobrevindo competência plena para decidir sobre qualquer objeto ou documento em poder da Superintendência de Polícia Federal nestes últimos anos que vagam sem destino e rumo naquela repartição. Se o nobilíssimo pretor determinou o desmembramento, inclusive mantendo a prisão quanto ao delito de ordem federal, é muito claro que a Justiça Federal ainda preserva parcela de jurisdição sobre o caso.

8. A dicção do Código de Processo Penal é muito clara: não se restituem coisas apreendidas por três razões – a) quando ainda interessem ao processo; b) quando não comprovada a propriedade; c) resultado ou objetos de crimes. Excelência, declaração de renda da pessoa física do Reclamente é extreme de dúvidas quanto à titularidade e interesse, não é objeto ou produto de crime e, por último, já serviram à saciedade à instrução probatória, não sendo usados até então para nenhum ato decisório, permanecendo na sede da Polícia Federal de Mato Grosso. Ou seja, nem mesmo incorporadas foram as declarações de renda ao processo principal, já que com ele não mantinham nexo, não sendo o Requerente acusado de sonegação, lavagem de dinheiro ou qualquer outro delito contra a ordem financeira nacional. Não é por outra razão merecer reiteração a letra da lei:

Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante.

9 — Excelência, é público e notório que a Secretaria da Receita Federal já começou a distribuir programa (ReceitaNet) para apuração tributária de pessoas físicas e jurídicas do ano-base 2004. Tanto que consta da Instrução Normativa SRF n.507 de 11 de fevereiro de 2005, publicada no Diário Oficial da União no dia 15 seguinte:

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 190 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal, aprovado pela Portaria MF no 227, de 3 de setembro de 1998, e tendo em vista o disposto no art. art. 88 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, no art. 30 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, nos arts. 7º e 10 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, com a redação dada, respectivamente, pelo art. 25 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e pelo art. 2º da Lei nº 10.451, de 10 de maio de 2002, e no art. 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, resolve:

Obrigatoriedade de Apresentação

Art. 1º Está obrigada a apresentar a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda referente ao exercício de 2005 a pessoa física residente no Brasil, que no ano-calendário de 2004:

I – recebeu rendimentos tributáveis na declaração, cuja soma foi superior a R$ 12.696,00 (doze mil, seiscentos e noventa e seis reais);

(…)

Prazo de entrega

Art. 3º A Declaração de Ajuste Anual deve ser entregue até o dia 29 de abril de 2005.

Multa pelo Atraso na Entrega

Art. 12. A entrega da Declaração de Ajuste Anual após 29 de abril de 2005 sujeita o contribuinte à multa de um por cento ao mês-calendário ou fração de atraso, calculada sobre o total do imposto devido nela apurado, ainda que integralmente pago.

§ 1º A multa a que se refere este artigo:

I – tem como valor mínimo R$ 165,74 (cento e sessenta e cinco reais e setenta e quatro centavos) e como valor máximo vinte por cento do imposto de renda devido;

II – tem, por termo inicial, o primeiro dia subseqüente ao fixado para a entrega da declaração e, por termo final, o mês da entrega ou, no caso de não-apresentação, do lançamento de ofício;

III – será objeto de lançamento de ofício e poderá ser deduzida do valor do imposto a ser restituído, no caso de declaração com direito a restituição.

§ 2º A multa mínima aplica-se inclusive no caso de declaração de que não resulte imposto devido.

JORGE ANTONIO DEHER RACHID

10 — Assim sendo, Excelência, os prazos para o Reclamente emitir declaração de renda à Receita Federal iniciam-se proximamente e incidirá multa por atraso ou omissão no auto-lançamento. Não pode ser imputada ao Requerente a responsabilidade pela anulação do processo, já que o recurso manejado é direito público subjetivo do réu e, ainda, foi acolhida preliminar de nulidade pela própria Terceira Turma do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. São mais de dois anos em segregação cautelar, agravados por devastadora doença cancerígena e outros distúrbios físicos e emocionais, penalizado ainda com a impossibilidade fática de realizar a sua própria declaração de renda, já que os documentos relativos aos exercícios fiscais anteriores encontram-se apreendidos e relacionados em processo que não logrou desiderato.

11 — Como todas as cópias do Requerente das declarações de renda passadas estão atualmente indisponibilizadas, juntamente com escrituras, certidões, documentos pessoais, profissionais e tantos outros arrestados à época da Operação Arca de Noé, do indeferimento colacionado por esta oportunidade, resulta em espécie de pena acessória, já que a Polícia Militar de Mato Grosso poderá suspender o pagamento de solto, caso o CPF correspondente seja cancelado, além de uma série de outros contratempos que redundarão da omissão (forçada) da entrega de declaração de renda.

12 — De forma que, pelos fatos e direitos retro consignados, não é desproporcional requerer de Vossa Excelência:

12.1–– Defira a restituição de documentos apreendidos pela Polícia Federal de Mato Grosso, mormente os que guardam vínculo com as Declarações de Imposto de Renda do Reclamante e seus familiares, a fim de realizar declaração do ano-base de 2004/2005, de modo a não ser cancelado CPF e suspenso o pagamento de soldo. Pelo princípio da eventualidade, não sendo deferida a restituição, sejam franqueados os documentos para reprodução na própria reprográfica sede da Superintendência de Polícia Federal do Estado de Mato Grosso, às expensas do Requerente;

12.2 — Entendendo por bem, intime-se o Ministério Público Federal para opinar acerca do atual incidente;

12.3 — Não sendo deferida nenhuma nem outra formulação, eventualmente considerando-se incompetente Vossa Excelência para decidir, sejam baixados os autos para que o magistrado federal de primeira instância possa manifestar-se, já que alegara ter encerrado sua jurisdição com a sentença nos autos 2002.008183-2, onde indica como competente o relator do recurso 2004.004275-8.

Termo em que

Pede e Espera Deferimento.

Cuiabá, 17 de fevereiro de 2005.

EDUARDO MAHON

OAB/MT 6363

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