Sem mera semelhança

ONG é condenada a pagar R$ 200 mil por uso indevido de marca

Autor

19 de fevereiro de 2005, 10h32

O juiz João Luís Fischer Dias, da 9ª Vara Cível de Brasília, condenou uma ONG a pagar R$ 200 mil para a Grande Fraternidade Universal Fundação Dr. Serge Raynaud De La Ferriere. Motivo: uso indevido de marca. Cabe recurso.

Detentora das marcas “Grande Fraternidade Universal”, “GFU” e “Ginástica Psicofísica GFU”, registradas no INPI, a Fundação entrou na Justiça alegando que uma entidade, que atua nas mesmas atividades, utiliza a marca “Rede GFU”. A ONG concorrente chama-se Rede de Organização Não Governamental Grande Fraternidade Universal.

Segundo a Fundação, o uso do nome comercial e marcas semelhantes às suas tem confundido o público usuário. Para a autora da ação, a ONG praticou crime contra marca e concorrência desleal. Ambas são associações sem fins lucrativos e prestam serviços comunitários, beneficentes e educacionais.

Em sua defesa, a ONG sustentou que ambas as instituições têm idêntica origem, daí a semelhança dos objetivos sociais. Também argumentou que as cores de sua grife e o formato da logomarca são bem diferentes do logotipo utilizado pela Fundação. Por derradeiro, alegou que o público-alvo das duas instituições é composto por pessoas que sabem distinguir uma entidade da outra.

Os argumentos não surtiram efeito. Segundo o juiz, é fato “incontroverso nos autos que o autor possui o registro junto ao INPI das marcas: ‘Grande Fraternidade Universal’, ‘GFU’ e ‘Ginástica Psicofísica GFU’”. Assim, a ONG “agiu com violação ao direito de exclusividade do uso da marca”.

O juiz acrescentou que “o público em geral e os usuários do serviços da associação autora podem ser levados à confusão, supondo erroneamente, que a ré (ONG) detém ligação com a atividade da autora, tal como fosse subsidiária ou filial da mesma, o que em verdade não ocorre”.

Além de condenar a ONG ao pagamento de R$ 200 mil, o juiz determinou reparação de R$ 5 mil por danos morais e expedição de ofício para que o cartório altere o nome da ONG.

Os advogados Félix Soibelman, Euclides Júnior Castelo Branco de Souza e Fernando Soares representaram a autora da ação.

Leia a sentença

Circunscrição : 1 – BRASILIA

Processo : 2003.01.1.011106-0

Vara: – NONA VARA CIVEL

PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL

Nona Vara Cível da C. Judiciária de Brasília – Distrito Federal

Proc. n º 2003.01.1.011.106-0

SENTENÇA

GRANDE FRATERNIDADE UNIVERSAL FUNDAÇÃO DR. SERGE RAYNAUD DE LA FERRIERE ajuizou ação de conhecimento em desfavor de REDE DE ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL GRANDE FRATERNIDADE UNIVERSAL.

A autora se apresenta como associação sem fins lucrativos, prestadora de serviços comunitários, beneficentes e educacionais, fundada em 1950, na Venezuela, registrada no Brasil em 1972 e, em Brasília, desde 1975. Diz ser detentora das marcas “Grande Fraternidade Universal”, “GFU” e “Ginástica Psicofísica GFU”, registradas perante o INPI.

Por outro lado, a ré, que atua nas mesmas atividades, tem usado indevidamente a marca “Rede GFU”. Ressalta que o uso do nome comercial e marcas semelhantes à da autora tem levado o público usuário a erro. Assevera ter sido atingida sua imagem, ocasionando prejuízos morais e materiais.

Acusa a ré da prática de crime contra marca e crime de concorrência desleal, previstos, respectivamente, nos art. 189, inciso I e art. 195, incisos I, III e V, da Lei nº 9.279/96.

Sustenta que os dirigentes da Ré cometem fraude para obter vantagens pessoais, daí ser o caso de desconsideração da personalidade jurídica, a fim de assegurar a pretensão indenizatória.

Requer: a) deferimento de tutela antecipada, determinando à Ré que se abstenha de usar as marcas registradas da autora, sob pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais); b) concessão de medida liminar de busca e apreensão de todo o material impresso que contenha os nomes “Grande Fraternidade Universal” e “GFU”, a ser encontrado no estabelecimento da ré; c) citação; d) a confirmação da tutela antecipada; e) indenização na quantia de 150 salários mínimos, a título de danos morais; f) condenação da ré nos consectários da sucumbência; g) seja determinada ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Brasília a alteração do nome comercial da ré, não colidente com o nome da autora.

Protesta pela produção de provas e junta documentos – fls. 48/187.

Deferida a tutela antecipada e a busca e apreensão requeridas na inicial – fl. 190. Cumprida a medida, conforme documentos juntados às fls. 193/4.

Contestação – fls. 218/293. A ré alega ser vinculada a “Red de Organizaciones No Gubernementales Gran Fraternidade Universal”, fundada no México em 1971, registrada Brasília desde 26/08/1982, com o nome “Augusta Grande Fraternidade Universal Linha Solar”, cujo objetivo principal é o serviço à comunidade. Houve alteração do nome, passando a instituição a denominar-se “Rede de Organizações Não Governamentais Grande Fraternidade Universal – GFU”. Apesar disso, não utiliza a marca “Rede GFU”, nem o nome “Grande Fraternidade Universal” nos inúmeros serviços gratuitos prestados em parceria com instituições públicas. Diz que ambas as instituições (Autora e Ré) têm idêntica origem, daí a semelhança dos objetivos sociais.

Admite que as três marcas mencionadas na inicial estão registradas no INPI em nome da Autora. Acrescenta que outras duas marcas estão em fase de registro: “Missão Ordem de Aquarius Saber Calar Ousar Querer” e “RedeGFU”. Todavia, enquanto a autora busca a exclusividade do uso do nome e das marcas, diversas instituições utilizam as mesmas nomenclaturas em seu cotidiano. Ressalta que o termo “Grande Fraternidade Universal” representa ideal de melhoria da condição humana, sendo comumente empregado pelos maçons, rozacruzes, teósofos, entre outros. Quanto à ginástica psicofísica, é atividade de condicionamento físico largamente difundida nas academias, escolas, clubes e estabelecimentos congêneres.

Na seqüência, a ré destaca sempre ter se apresentado como “RedeGFU”, sendo que as cores de sua “grife” e o formato de sua logomarca em nada lembram o logotipo utilizado pela autora. Ademais, o público-alvo de ambas as instituições, além de relativamente restrito, é composto por pessoas esclarecidas, que sabem distinguir entre uma e outra entidade.

Destaca não haver sido demonstrada a ocorrência de prejuízos e, conseqüentemente, inviabilizada está a pretensão de ressarcimento. Além disso, apenas as pessoas físicas podem sofrer dano moral, devendo ser afastado o pedido de indenização a esse título. Por outro lado, considerando a possibilidade de condenação, a ré busca seja a quantia diminuída, tendo em vista que não exerce atividade lucrativa, nem tem patrimônio suficiente para assegurar o pagamento dos valores perseguidos pela autora.

Sustenta ser inaplicável às partes a legislação invocada na inicial. Na verdade, cuidando-se de duas associações sem fins comerciais, são aplicáveis as regras do Código Civil.

Rechaça a prova documental produzida pela autora.

Pede seja desconstituída a tutela antecipada. Pugna pela improcedência.

Reconvenção – fls. 457/466. A reconvinte reproduz os mesmos argumentos da contestação. Pede a procedência para que: seja a reconvinda proibida de usar os registros concedidos em seu nome; seja também compelida a não proceder à oposição, junto ao INPI, da marca “GFU”, a fim de que a Reconvinte possa utiliza-la.

Réplica – fls. 471/513.

Resposta à reconvenção – fls. 567/572.

Réplica da reconvinte – fls. 574/580.

A autora pediu julgamento do feito – fls. 607/8.

É o relatório.

DECIDO

Presente as condições da ação e os pressupostos processuais.

Não se verificam maiores dificuldades para seu deslinde da lide. Senão, vejamos:

É fato incontroverso nos autos que o autor possui o registro junto ao INPI das marcas: “Grande Fraternidade Universal”, “GFU” e ” Ginástica Psicofísica GFU”.

Os documentos carreados comprovam que a ré efetivamente se utilizou da expressão “GFU” com acréscimo do nome “rede”.

Considero, no caso concreto, após observação atenta às propagandas produzidas pela ré, que ela agiu com violação ao direito de exclusividade do uso da marca, em ferimento aos dispositivos protetivos da Lei n. 9.279/96.

Efetivamente, o público em geral e os usuários do serviços da Associação autora podem ser levados à confusão, supondo erroneamente, que a ré detém ligação com a atividade da autora, tal como fosse subsidiária ou filial da mesma, o que em verdade não ocorre.

Cito precedentes jurisprudenciais aplicáveis ao caso em exame:

Caso legal: AB & T Telecomunicações versus AT & T Corporation

“Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL 19980110182487APC DF Registro do Acordão Número : 126019 Data de Julgamento : 16/03/2000 Órgão Julgador : 5ª Turma Cível Relator : ROMEU GONZAGA NEIVA Publicação no DJU: 31/05/2000 Pág. : 37 (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

Ementa CIVIL – AÇÃO ORDINÁRIA – USO DE MARCA – SEMELHANÇA DE DENOMINAÇÕES – DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

01. REJEITA-SE PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA QUANDO OS ARGUMENTOS DA PARTE NÃO SE MOSTRAM SUFICIENTES PARA SUA CARACTERIZAÇÃO.

02. TRATANDO-SE DE MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA E COM REGISTRO PERANTE O INPI, NÃO HÁ DÚVIDA DE QUE DETÉM PROTEÇÃO ESPECIAL, DESDE SEU REGISTRO, EM TODAS AS CLASSES DE ATIVIDADES.

03. A EMPRESA COM REGISTRO ANTERIOR DETÉM O DIREITO DE USO EXCLUSIVO DA MARCA, CABENDO-LHE O DIREITO DE IMPEDIR QUE OUTREM A UTILIZE NA TOTALIDADE OU EM PARTE, QUER SEJA COMO MARCA QUER SEJA COMO DENOMINAÇÃO SOCIETÁRIA.

04. ” A PROTEÇÃO LEGAL À MARCA (LEI 5.772/77, ART. 59), TEM POR ESCOPO REPRIMIR A CONCORRÊNCIA DESLEAL, EVITAR A POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO OU DÚVIDA, OU LOCUPLETAMENTO COM ESFORÇO E LABOR ALHEIOS” (STJ, REG Nº 94.0029234-1, REL. MIN. WALDEMAR ZVEITER).

05. A PENA DE MULTA PARA O DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DEVE SER FIXADA DENTRO DE PARÂMETRO RAZOÁVEL, QUE POSSIBILITE O SEU CUMPRIMENTO.

06. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM APLICAÇÃO DO ART. 21 DO CPC, SE A SUCUMBÊNCIA FOI MÍNIMA.

07. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. UNÂNIME.

Decisão: REJEITAR A PRELIMINAR. DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.

Quanto ao pedido de danos morais, não há dúvidas quanto à possibilidade de indenização, mesmo se tratando de pessoa jurídica.

Verifico que a utilização indevida da marca gerou indevida veiculação do nome da autora, trazendo para ela um dano, sendo impossível avaliá-lo, porém, é inconteste a sua ocorrência. A prova do dano, em termos materiais não é exigível.

Fixo o valor de R$ 5000,00 (cinco mil) reais para fins de indenização por dano moral, sendo suficiente para reprimir a prática e conferir efeito pedagógico, de forma que a ré não mais atue com violação da marca.

Quanto à reconvenção apresentada não possui condições mínimas de prosperar por ausência dos pressupostos processuais, eis que dos fatos narrados não se deduz conclusão lógica. Ademais, a procedência da ação principal contrapõe-se ao pedido da reconvenção.

DISPOSITIVO

DIANTE DO EXPOSTO, julgo PROCEDENTE o pedido para condenar a ré a não usar os nomes “Grande Fraternidade Universal” e “GFU”, quer seja em seu nome comercial, quer como marca, impressos de todo tipo, letreiros, etc. sob pena de multa cominatória de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento. Fixo desde já o valor máximo da multa em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), correspondente ao atraso de 400 dias, autorizando desde logo a execução provisória da multa, mesmo antes de vencido o prazo máximo de atraso acima fixado, independentemente de caução.

Condeno a ré ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Defiro o pedido do item “g” da inicial para determinar ao Cartório competente que altere o nome comercial da ré, para exclusão das marcas pertencentes à autora, nos termos desta sentença. Oficie-se, enviando cópia da presente decisão.

Condeno a ré ao pagamento de honorários fixados em 10%(dez) por cento sobre o valor da causa.

P.R.I.

Brasília, quarta-feira, 15 de dezembro de 2004.

João Luís Fischer Dias

Juiz de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!