Mordida no faturamento

Penhora de faturamento é legal se não prejudica atividade da empresa

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13 de fevereiro de 2005, 12h45

Desde que não prejudique as atividades e a saúde econômica da empresa, a penhora de faturamento é uma medida viável. O entendimento é do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou Embargos de Divergência propostos pela empresa Silex Trading contra decisão da 4ª Turma do Tribunal.

Os ministros determinaram a penhora de 10% sobre a diferença entre o preço da mercadoria vendida e o seu custo para cobrir uma dívida de US$ 1,6 milhão contraída com a empresa Ogao Limited. O STJ manteve as decisões de primeira e segunda instâncias, mas reduziu de 30% para 10% a penhora.

Segundo o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relator dos embargos rejeitados, a decisão do STJ “cercou-se das cautelas necessárias, eis que a redução do limite da penhora, de 30% sobre o faturamento da empresa para 10% sobre os lucros efetivamente auferidos na venda de mercadorias, implica, por si só, no cuidado de obstar qualquer transtorno ou desequilíbrio financeiro”.

A dívida resultou de uma operação em que a Ogao prestou assessoria no aperfeiçoamento de contratos comerciais entre a Silex e a Fundación Fondo Nacional de Transporte Urbano, empresa de transportes venezuelana, para a venda de ônibus urbanos. Com a decisão do STJ, o processo voltou para a vara de origem em São Paulo e a penhora já está sendo executada.

Leia a decisão do STJ

ERESP 299.360

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

DECISÃO

Vistos.

O Senhor Ministro Vicente Leal admitiu os presentes embargos de divergência, opostos por Silex Trading S.A., em despacho assim

motivado:

‘Vistos, etc.

A Egrégia Quarta Turma deste Tribunal ao apreciar recurso especial no qual se alegava violação aos artigos 620 e 655 do Código de Processo Civil 1º da Lei nº 6.899/81, manteve o entendimento proclamado pelas instâncias ordinárias de determinar a penhora sobre o faturamento da empresa-embargante, reduzindo de 30% para 10% sobre a diferença entre o preço da mercadoria vendida e o seu custo.

O julgamento fora condensado em acórdão assim ementado:

‘EXECUÇÃO. PENHORA. FATURAMENTO.

A penhora de faturamento de empresa somente pode ser admitida em caso excepcional e em quantitativo que não prejudique a normalidade de seus negócios. Caso em que os bens nomeados estão localizados em lugar distante no interior do país ou se constituem em ações da própria empresa, a evidenciar a extrema dificuldade que terá a credora para obter a satisfação do seu crédito. Provimento em parte, para permitir a penhora de 10% sobre a diferença entre o preço da mercadoria vendida e o seu custo, considerando o tipo de atividade da devedora. Recurso conhecido pela divergência e provido em parte’ (fl. 547).

Daí porque o recorrente interpõe embargos de divergência, aduzindo que o acórdão em destaque divergiu do pensamento consagrado pela eg. Primeira Turma desta Corte, que considera inadmissível a penhora sobre o faturamento da empresa, ao fundamento de que a contrição judicial é perniciosa não só à empresa e seus sócios, mas, sobretudo, aos trabalhadores e famílias que dependem da empresa empregadora para sobreviver.

E para demonstrar o dissenso, aponta o seguinte precedente, de cuja

ementa se destaca, verbis:

‘PROCESSUAL CIVIL. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. IMPOSSIBILIDADE. DEPOSITÁRIO. REPRESENTANTE LEGAL. NOMEAÇÃO COMPULSÓRIA. RECUSA DA NOMEAÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 5º, II, DA CARTA MAGNA. PRECEDENTES.

1. Recurso especial interposto contra v. Acórdão que, em ação executiva fiscal, deferiu o pedido de constrição em 5% do faturamento da empresa recorrente, assim como não acatou a recusa de seu representante legal na assunção do encargo de depositário dos bens penhorados.

2. Ambas as Turmas competentes, desta Corte, não vêm admitindo a possibilidade de que a penhora recaia sobre o faturamento ou rendimento da empresa (REsp nº 163549/RS, Relator p/ acórdão Ministro Garcia Vieira, DJ de 14/09/98).

3. Nomeado, compulsoriamente e contra a sua vontade, o representante legal de empresa executada a ser depositário de bens penhorados para garantia do juízo executivo, a jurisprudência desta Corte Superior vem entendendo que é admissível a sua recusa em aceitar tal encargo. A negativa na assunção tem amparo no art 5º, II, da Carta Magna de 1988, ao estatuir que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’.

4. Recurso provido.’ (Resp nº 276.886/SP – 1ª Turma – DJ de 05/02/2001 – Relator Ministro José Delgado)

Os embargos contém, em tese, os requisitos próprios de admissibilidade, pois o dissenso apresenta-se à primeira vista, caracterizado.

Assim, admito os embargos de divergência. Intimem-se o embargado para oferecer, querendo, impugnação.

Publique-se. Intimem-se” (fls. 606/607).

A embargada apresentou impugnação (fls. 610 a 621). Em 9/6/04, o presente feito foi atribuído a minha relatoria (fl.636).

Decido.

A embargante, demonstrando o dissídio jurisprudencial, requer a reforma do acórdão recorrido, visando afastar a penhora de 10% sobre a diferença entre o preço da mercadoria vendida e o seu custo, sob o argumento de que a referida constrição seria medida drástica e ilegal, desestruturadora de unidades produtivas da empresa, com o conseqüente desemprego e prejuízo de grande número de trabalhadores.

A questão jurídica em debate, entretanto, já está pacificada na Corte Especial, no sentido de ser possível a constrição sobre a renda de empresa, observados certos requisitos que concorram para a manutenção da solvabilidade do devedor.

Na presente hipótese, verifica-se que o acórdão ora embargado cercou-se das cautelas necessárias, eis que a redução do limite da penhora, de 30% sobre o faturamento da empresa para 10% sobre os lucros efetivamente auferidos na venda de mercadorias, implica, por si só, no cuidado de obstar qualquer transtorno ou desequilíbrio financeiro.

De outra banda, ficou consignado no acórdão ora embargado a manutenção do administrador nomeado (fl. 544). Neste caso, flagrantemente, o acórdão embargado não diverge da jurisprudência atual, firmada na Corte Especial. Anote-se:

“PROCESSUAL – EXECUÇÃO – PENHORA DA RENDA DE EMPRESA – ART. 678 DO CPC.

– No processo executivo, a penhora da renda de empresa deve observar as cautelas recomendadas pelos Arts. 677 e 678 do CPC” (EREsp nº 279.580/SP, Corte Especial, Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 19/12/03).

No mesmo sentido:

“Penhora sobre o faturamento. Precedentes da Corte.

1. A Corte, em diversas oportunidades, tem admitido a penhora sobre o faturamento da empresa devedora, como forma de assegurar a satisfação do crédito, não havendo ilegalidade em tal determinação, considerando o cenário dos autos.

2. Recurso especial não conhecido” (REsp nº 431.143/SP, Terceira Turma, da minha relatoria, DJ de 27/5/03).

Incidência da vedação contida na Súmula nº 168/STJ.

Ante o exposto, nos termos dos artigos 557, caput, do Código de Processo Civil e 34, inciso XVIII, do Regimento Interno, nego seguimento aos embargos de divergência.

Intime-se.

Brasília (DF), 17 de junho de 2004.

MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

Relator

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