Direito à saúde

Governo não é obrigado a pagar transplante no exterior

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3 de fevereiro de 2005, 19h54

O Sistema Único de Saúde (SUS) não é obrigado a pagar tratamento de saúde de alta complexidade no exterior. A decisão é do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, que suspendeu Mandado de Segurança da Justiça Federal que obrigou o SUS a custear a cirurgia de transplante de intestino para a menor N. L. V. nos Estados Unidos. O mandado havia sido garantido pelo juízo federal de Umuarama (PR) e ratificado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O mandado de segurança obrigava o SUS a pagar US$ 275 mil ao Hospital Clarian Health Partners, de Indianápolis, pelo transplante, sob o argumento de que, no Brasil, a cirurgia ainda tem caráter experimental, com taxa de óbito de 100%. Determinava ainda o pagamento das despesas de pós-operatório e as passagens de retorno da menor e de seus pais ao Brasil, sob pena de responsabilidade administrativa e criminal e aplicação de multa diária no valor de R$ 10 mil em caso de descumprimento.

A União sustentou que a norma constitucional que assegura o direito à saúde não se refere a situações individualizadas, mas sim à efetivação de políticas públicas que visem acesso universal e igualitário da população à saúde.. Afirma que o transplante pode ser realizado de forma segura no País, e não em caráter experimental, e a custo "sensivelmente inferior" ao do procedimento realizado no exterior: cerca de R$ 150 mil.

A decisão interferiria de forma excessiva na Administração Pública, ao determinar o pagamento imediato de valores sob pena de multa e outras sanções pessoais de ordem civil e criminal, o que causaria lesão à ordem e saúde públicas.

Para o ministro Edson Vidigal, compete à Administração Pública, por meio da aplicação de critérios médico-científicos, fixar e autorizar os tratamentos e remédios que devem ser fornecidos à população no país, sempre com vista a garantir a segurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias, atividade que envolve uma gama de procedimentos técnicos e oficiais, inerentes à política nacional de saúde e realizados por diversos órgãos governamentais.

Esses procedimentos visam, afirma o ministro, restringir a possibilidade de riscos graves aos pacientes e uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários.

Por isso, a liminar atacada efetivamente fere, no entendimento do ministro Edson Vidigal, a ordem administrativa, ao interferir em matéria de política nacional de saúde, função exclusiva da Administração Pública.

Haveria também riscos potenciais à própria saúde pública, já que a "vultosa quantia" necessária para a realização de tal cirurgia no exterior poderia beneficiar um "sem-número" de pacientes igualmente necessitados de tratamento. O SUS, assegura a União, possui condições seguras para a realização da cirurgia solicitada, com equipes médicas e instalações hospitalares adequadas, "haja vista encontrar-se o Brasil em posição de destaque mundial no tocante aos procedimentos de transplante de órgãos", destacou o ministro.

SS 1.467

Leia a íntegra da decisão do ministro Edson Vidigal

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 1.467 – DF (2005/0016229-5)

DECISÃO

Em mandado de segurança impetrado contra o Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e Chefe da Agência do Instituto Nacional do Seguro Social em Umuarama/PR, Natália Lira Vieira pugnou a liberação dos recursos necessários à efetivação de transplante de intestino nos Estados Unidos da América, através do Hospital Clarian Health Partners, situado na cidade de Indianápolis, Indiana, ao argumento de que no Brasil somente é realizado esse tipo de transplante em caráter experimental, com 100% de óbito.

O Juiz Federal de Umuarama/PR concedeu o pedido liminar, determinando que a autoridade impetrada, com sede em Brasília, efetuasse, no prazo de cinco dias, a transferência do valor de US$ 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil dólares americanos) para a conta do hospital indicado, sob pena de responsabilidade administrativa e criminal e aplicação de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais); determinando ainda o pagamento das despesas relativas ao período pós-operatório, bem como as passagens de retorno da impetrante e de seus pais ao Brasil.

Após, reconhecendo a sua incompetência, encaminhou os autos à Seção Judiciária do Distrito Federal.

Ratificada a decisão concessiva da liminar pelo Juiz Federal Substituto da 21ª Vara, foi providenciado pedido de suspensão pela União no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sem sucesso.

Daí o ajuizamento deste novo pedido de suspensão de segurança.

Destaca a União que a norma insculpida na Constituição da República, em seu art. 196, que assegura o direito à saúde, não se refere a situações individualizadas, mas sim à efetivação de políticas públicas que visem à população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário.

O transplante, segundo afirma, pode ser realizado seguramente no Brasil, e não em caráter experimental como alega a impetrante, e a custo sensivelmente inferior ao do procedimento realizado no exterior, cerca de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais).

Finaliza destacando que "a decisão em comento malfere a escorreita autação da Administração Pública, ao passo em que determina o pagamento imediato de US$ 275.000,00, bem como multa diária em caso de descumprimento e outras sanções pessoais de ordem civil e criminal, revelando-se legítima a suspensão dos seus efeitos até o julgamento definitivo da ação, evitando-se, com isso, seja consumada a lesão à ordem e à saúde públicas."

Decido.

Compete à Administração Pública, através da aplicação de critérios médico-científicos, fixar e autorizar os tratamentos e remédios que devem ser fornecidos à população no País, sempre com vistas a garantir a segurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias.

Tal atividade envolve uma gama de procedimentos técnicos e de caráter oficial, inerentes à política nacional de saúde e realizados por diversos órgãos governamentais, objetivando restringir a possibilidade de riscos graves aos pacientes e, sempre que viável, uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários.

Pelo que, consigno que a decisão liminar reclamada efetivamente afronta a ordem administrativa, na medida em que interfere em matéria de política nacional de saúde, de seara exclusiva da Administração Pública.

Por outro lado, também tenho por configurada a potencialidade lesiva à própria saúde pública.

A quantia extremamente vultosa necessária para a realização da operação da impetrante no exterior, US$ 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil dólares americanos), poderia beneficiar um sem-número de pacientes também necessitados de tratamento, já que, conforme assegura a União, o Sistema Único de Saúde oferece condições seguras para a realização da cirurgia da impetrante, com equipes médicas e instalações hospitalares adequadas, haja vista encontrar-se o Brasil em posição de destaque mundial no tocante aos procedimentos de transplantes de órgãos.

Assim, considerando presentes os requisitos autorizadores da medida extrema, defiro o pedido para suspender os efeitos da decisão liminar concedida no Mandado de Segurança n.º 2005.34.00.001173-9, em trâmite na 21ª Vara Federal do Distrito Federal.

Comunique-se.

Intime-se.

Publique-se.

Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2005.

MINISTRO EDSON VIDIGAL

Presidente

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