Conta de luz

STJ autoriza Light a cobrar encargos da CSN e da Valesul

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2 de fevereiro de 2005, 19h55

A Light poderá cobrar da Companhia Siderúrgica Nacional e da Valesul Alumínio os encargos da Tarifa de Uso dos Sistemas de Transmissão (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) de energia elétrica. A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou, por unanimidade, decisão anterior do presidente do Tribunal, ministro Edson Vidigal, permitindo a cobrança. Os valores chegam a R$ 8 milhões mensais.

A CSN e a Valesul discutem na Justiça a legalidade dos encargos estipulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), através das Resoluções 666/02, 790/02 e 152/02. Alegam que são consumidoras livres, não consomem energia da Light, utilizando-se apenas das linhas de transmissão e distribuição de energia. Sustentam, na ação ordinária, ilegalidade e inconstitucionalidade na exigência dos encargos, que incluiriam muito mais que o custo do transporte.

Em primeira instância, foi deferido mandado de segurança impedindo a cobrança. A Light protestou, pedindo ao STJ a suspensão do mandado. Inicialmente, o presidente indeferiu, mas reconsiderou e restabeleceu a cobrança.

A CSN e a Valesul entraram com um agravo regimental, pedindo a manutenção da sentença que concedeu a segurança. O pedido foi negado. Ao manter a suspensão, o presidente considerou que a sentença concessiva de segurança inviabilizou o exercício regular das funções institucionais da Aneel, a quem competia definir os encargos que guardam pertinência com as despesas referentes ao “custo de transporte”.

SS 1424

Leia o relatório e o voto do presidente do STJ

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 1.424 – RJ (2004/0149346-2)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): A Companhia Siderúrgica Nacional – CSN e a Valesul Alumínio S/A tiveram indeferida, pelo Juiz da 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro, liminar em Mandado de Segurança que fora impetrado contra ato do Sr. Presidente da Light – Serviços de Eletricidade S/A, com vistas a se eximirem do pagamento dos encargos da TUST – Tarifa de Uso dos Sistemas de Transmissão e TUSD – Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de energia à concessionária. Decisão que restou confirmada no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Sobreveio a sentença que concedeu a segurança, ao entendimento de que as impetrantes, “consumidoras livres” de energia elétrica, não estavam obrigadas a arcar com custos outros que não estivessem estritamente vinculados ao serviço de transporte de energia por elas contratado, nos termos da Lei 9.074/95, art. 15, § 6º.

Recebida a apelação da Light somente no efeito devolutivo, requereu a concessionária pedido de suspensão à Presidência do TRF/2ª Região, indeferido, sendo ali desprovido o Agravo Regimental.

Apresentou aqui a Light Suspensão de Segurança por alegada grave lesão à economia e à ordem públicas, esta entendida como ordem jurídica e ordem administrativa. Sustentou que a sentença contrariava expressas disposições legais; cerceava o regular exercício de competências administrativas deferidas por lei à ANEEL, assim como o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão; implicava a transferência de custos dos grandes consumidores eletro-intensivos para os consumidores residenciais, inclusive os de baixa-renda, criando subsídio cruzado e aumento tarifário geral, possuindo, ainda, evidente efeito multiplicador.

O Ministério Público Federal opinou pelo indeferimento da suspensão.

Indeferi inicialmente o pedido por entender que a requerente não havia logrado comprovar o alegado gravame à economia pública; por não ter elementos para vislumbrar, de plano, o risco de quebra do equilíbrio econômico-financeiro da concessionária; porque a via da suspensão não era adequada para se discutir lesão à ordem jurídica, não constituindo sucedâneo recursal; e por não restar demonstrado o efeito multiplicador.

A Concessionária pugnou pela reconsideração da decisão ou que suas razões fossem recebidas como agravo regimental, afirmando estar devidamente demonstrada a lesão à ordem econômica, a persistirem os efeitos da decisão atacada.

Destacou que embora esteja sem receber o pagamento dos “encargos”, está repassando os valores correspondentes aos mesmos, bem como os tributos a eles acessórios, pois se assim não fizer, será, nos termos da Lei 8.631/93, art. 10, considerada intrasetorialmente inadimplente, ficando privada do direito às revisões e reajustes tarifários periódicos. Por tudo, disse evidente o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, com o inevitável comprometimento do serviço público essencial que presta.

Alegou que recolhe, só no caso da CSN, cerca de R$ 3,4 milhões de reais ao mês de ICMS, incidente sobre a referida tarifa, embora não esteja recebendo o pagamento integral do serviço pela siderúrgica; e que, ao contrário do que se supôs na decisão ali agravada, “a SENTENÇA SUSPENDEU EXATAMENTE A COBRANÇA DOS ENCARGOS REMUNERADOS POR TODOS OS AGENTES DO SETOR ELÉTRICO, SEJAM OU NÃO CONSUMIDORES LIVRES, OBRIGANDO A LIGHT A ANTECIPAR TAIS PAGAMENTOS SEM VER-SE FINALMENTE RESSARCIDA” (fl. 453, caixa alta no original).


Afirmou que os encargos questionados, em sua maioria (CCC, ESS, PROINFA, CDE e o Custo de Transporte da Energia de Itaipú) constituem custos não-gerenciáveis, repassados à União e à Eletrobrás, que administram os respectivos fundos. Quanto ao encargo pelas perdas decorrentes do sistema, sustentou que as perdas “costumam ser bastante superiores aos valores pelas quais vem ela a ser efetivamente indenizada”(fl. 456).

Lembrou que os custos não remunerados pelas impetrantes serão transferidos aos demais consumidores, inclusive aos de baixa renda, o que poderia ser confirmado nas informações prestadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL na SS 1.329/RJ (cópia das informações às fls. 259/284 dos autos).

Quanto a alegada lesão à ordem pública, aduziu que a decisão agravada incorreu em omissão, ao desconsiderar a sua dimensão jurídica e não abordar a usurpação das competências administrativas outorgadas à ANEEL para à fixação da TUSD.

Por fim, referiu-se ao efeito multiplicador, para dizer que:

“… basta a real e concreta possibilidade de alastramento de decisões semelhantes àquela que se busca coibir, pressuposto este aqui fartamente demonstrado, haja vista que nenhum consumidor livre do País abrirá mão da possibilidade de desonerar-se dos encargos setoriais inseridos na TUSD e aqui impugnados, para que se autorize a utilização da suspensão de segurança como meio apto e eficaz à manutenção da ordem pública e da estabilidade das relações econômicas da sociedade” (fl. 466).

Reconsiderei a decisão, deferindo o pedido de suspensão, dada a relevância dos argumentos trazidos, por reconhecer que a sentença concessiva de segurança inviabilizou o exercício regular das funções institucionais da ANEEL, e, ainda, porque evidente o descompasso entre receita e despesa, noticiado como sendo da ordem de 3,4 milhões de reais/mês só para o caso da CSN, eis que a legislação tributária vigente não condiciona a obrigatoriedade do recolhimento de tributos como ICMS, COFINS e PIS ao efetivo recebimento, pela Light, dos valores devidos pelos usuários dos serviços que tenha prestado.

Considerei, também, o inevitável comprometimento da qualidade dos serviços prestados a todos os demais usuários, os indispensáveis investimentos no setor e, ainda, os reflexos dessa conjuntura nos consumidores, usuários do sistema de energia elétrica, pelos quais, segundo informações prestadas pela ANEEL (fls. 282), ao final, serão rateados os custos que compõem a TUSD e que não foram pagos pelas impetrantes.

Daí este Agravo Interno acionado pelas Companhia Siderúrgica Nacional e outra, no qual reafirmam os argumentos já expendidos, ressaltando não haver lesão à ordem pública, porque a sentença não usurpou competência administrativa outorgada à ANEEL, nem tampouco interferiu no mérito do ato administrativo, tendo, apenas, aferido sua legalidade.

Têm como possível, em ação mandamental, o juiz concluir que os novos encargos definidos pela ANEEL não devam ser por si reembolsados, por serem incompatíveis com as despesas relativas ao “custo do transporte” e que não há necessidade de embasamento técnico para se chegar a essa conclusão, sendo matéria exclusivamente de direito.

Sustentam ilegal e inconstitucional a exigência dos encargos e, ainda, violada a isonomia, pois foram para si transferidos custos de responsabilidade do segmento de consumo, afirmando, também, que a competência para a ANEEL fixar ou definir custos de transporte não lhe permite neles inserir aquilo que custo de transporte não é.

Improcedente a noticiada lesão à economia pública, não havendo, dizem, risco de quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, porque existem formas legais para restabelecer esse equilíbrio, se necessário. E mais: se a agravada está “faturando” os valores referentes aos encargos e recolhendo os tributos correspondentes, o faz por mera liberalidade sua, pois se por força da sentença está proibida de cobrar e conseqüentemente de faturar, não há que se falar em faturamento/receita e, via de conseqüência, em pagamento dos tributos correspondentes.

Noticiam que após a prolação da sentença, os valores referentes aos encargos discutidos no mandado de segurança não foram mais incluídos nas faturas dos meses de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2004, pelo que não há que se falar em recolhimento dos respectivos tributos, estando a Light desonerada de seu recolhimento.

Destacam que a agravada não comprovou, como era sua obrigação, o risco de lesão à economia pública, pois sem qualquer documento idôneo apresentou uma estimativa de valores que seriam glosados entre dezembro de 2003 e os 12 meses seguintes, chegando à conclusão de que estaria deixando de receber R$ 95 milhões de reais.

Alegam inexistente o efeito multiplicador anunciado pela agravada, e, ainda, ser impossível em suspensão de segurança, como pretendido, a discussão sobre a legalidade da decisão, que constitui o próprio mérito da segurança pleiteada.


Afirmam ser manifesto o periculum in mora pois a menos que sejam mantidos os efeitos da sentença, estarão sujeitas à cobrança dos valores referentes aos encargos, tendo recebido, inclusive, em 17/12/2004, notificação para efetuarem o pagamento. Por fim, se pagarem o que lhes está sendo cobrado só lhes restará como alternativa o pedido de devolução ou compensação, com “frustração ao princípio da utilidade do processo”.

Concluem dizendo inexistente periculum in mora reverso para a agravada, pois, caso seja ao final julgado desfavoravelmente o feito, certamente terão elas condições de proceder ao recolhimento dos valores considerados devidos.

Relatei.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Senhores Ministros, os argumentos expendidos pelas agravantes não infirmam as conclusões que levaram ao deferimento da suspensão.

Discute-se na ação originária se os “encargos” estipulados pela ANEEL, através das Resoluções 666/02, 790/02 e 152/03, consubstanciam ônus correspondente aos serviços de Transmissão/Distribuição ou de fornecimento de energia elétrica, em especial, se os “encargos” cobrados da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional e da Valesul Alumínio S/A dizem respeito ao custo do transporte de energia elétrica.

Alegam as impetrantes, ora agravantes, que são consumidoras livres e, nessa condição, não adquirem energia da agravada, apenas se utilizam das linhas de transmissão e distribuição, pelo que, afirmam, estariam obrigadas apenas a ressarcir o “custo do transporte” envolvido, consoante o que determina a Lei 9.074/95, art. 15, § 6º.

Entendo que a decisão concessiva da segurança fez mais que eximir as agravantes da obrigatoriedade do pagamento dos cinco “encargos” estabelecidos pelas Resoluções 666/02, 790/02 e 152/03.

É que apesar de reconhecer, na sentença, que a Lei 9.427/96, em seu art. 3º , VI, atribuiu competência à ANEEL para fixar critérios para cálculo do preço de transporte de que trata a Lei 9.074/95, art. 15, § 6º, o Juiz da causa entendeu que “a expressa autorização legislativa, contudo, não justifica, no caso concreto, a instituição da cobrança pela ANEEL, em face de consumidores livres, de parcelas que não correspondam aos custos do serviço contratado… ” (fls. 76).

A fixação dos critérios utilizados na composição do preço a ser cobrado pelo serviço de transporte – a cujo reembolso estão as agravantes obrigadas pela LEI nº 9.074/95, é questão atinente ao mérito do ato administrativo da ANEEL, não sendo possível ao Poder Judiciário nela intervir, a não ser para aferir a legalidade.

Nesse contexto – o da legalidade -, em mero juízo de delibação, verifiquei que a Lei nº 9.427/96, em seu art. 3º, VI, fixou, expressamente, essa competência, dando à ANEEL poderes para determinar quais as parcelas que comporão o “custo do transporte”.

Examinando esse aspecto, constatei a alegada lesão à ordem pública administrativa, pois não me pareceu possível que, sem base técnica específica, possa o julgador concluir, seguramente, em ação mandamental, que os “encargos” definidos pela ANEEL na Resolução 152/03, art. 5º, quais sejam: quota de recolhimento à Conta de Consumo de Combustíveis – CCC; Encargos de Serviços do Sistema – ESS; PROINFA; tarifa de transporte de energia proveniente de Itaipu e perdas comerciais de energia reconhecidas no processo de revisão tarifária, não guardam pertinência com as despesas relativas ao “custo do transporte”, cujo reembolso deve ser feito pelas agravantes.

Forçoso reconhecer, pois, que a sentença concessiva de segurança inviabilizou o exercício regular das funções institucionais da ANEEL, a quem competia definir quais os encargos que guardam pertinência com as despesas que compõem o “custo de transporte”.

Antevi ameaçada a economia pública diante do noticiado pela Light, de que mesmo sem estar recebendo das agravantes o pagamento dos “encargos” que foram excluídos pela sentença em comento, permanece obrigada ao recolhimento dos tributos a eles inerentes. Ainda, porque o descompasso entre receita e despesa, noticiado pela agravada como sendo, para o caso da CSN, da ordem de R$ 3,4 milhões de reais/mês, prenunciava o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, circunstância que também poderia comprometer a qualidade dos serviços prestados a todos os usuários, bem como os indispensáveis investimentos no setor.

Considerei também o fato de que essa conjuntura refletirá nos consumidores, usuários do sistema de energia elétrica, pelos quais, segundo informações prestadas pela ANEEL (fls. 282), ao final serão rateados os custos que compõem a TUSD – Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição, não pagos pelas aqui agravantes.

Nesse aspecto tenho por relevantes os argumentos e documentos trazidos nesse agravo (fls. 668/678), dando conta de que, após a prolação da sentença, os valores referentes aos encargos discutidos no mandado de segurança deixaram de ser incluídos nas faturas emitidas pela Light contra a CSN e a VELESUL, o que leva a concluir que sem faturamento dos encargos, não há que se falar em recolhimento dos respectivos tributos.

Todavia, destaco que nos termos da Lei 8.631/93, art. 10, mesmo sem estar recebendo os valores correspondentes aos encargos propriamente ditos, a Light está obrigada ao repasse dos mesmos, sob pena de ser considerada intrasetorialmente inadimplente, ficando privada do direito às revisões e reajustes tarifários. Demais disso, segundo as informações prestadas pela ANEEL (fls. 282), acaso mantidos os efeitos da decisão impugnada, ao final serão rateados, por todos os demais consumidores, os custos que compõem a TUSD não pagos pelas agravantes.

Antevejo, assim, possibilidade de quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e destaco que nos termos da Lei 8.987/95, art. 9º, o mecanismo da revisão tarifária existe para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado com o poder concedente, o que se dá através do redimensionamento dos custos e redistribuição destes aos milhões de usuários.

Quanto ao alegado periculum in mora entendo que se realizado o pagamento dos valores referentes aos encargos, sobrevir decisão final confirmando a segurança, poderão as agravantes compensarem os valores pagos nas faturas mensais futuramente emitidas pela agravada.

Por fim não há como concluir que se discutiu, em incidente de suspensão de segurança, o mérito da controvérsia, pois não me coube analisar se as agravantes estão ou não obrigadas ao pagamento dos “encargos” estipulados pela ANEEL. Considerei, tão-somente, os riscos que a manutenção da sentença traria à ordem e à economia públicas, deferindo a suspensão, notadamente, porque a decisão impugnada invadiu, a meu ver, indevidamente, competência atribuída pela Lei 9.427/96, art. 3º , VI, à ANEEL para fixação dos critérios utilizados para cálculo do preço de transporte, de que trata a Lei 9.074/95, art. 15, § 6º.

Por essas razões, tenho por preenchidos os requisitos legais para o deferimento da suspensão, pelo que nego provimento ao agravo.

É o voto.

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