Tratados internacionais

Reforma sepulta chance de status constitucional automático a tratados

Autor

  • José Levi Mello do Amaral Júnior

    é professor associado de Direito Constitucional da USP professor do mestrado e do doutorado em Direito do Ceub livre-docente doutor e mestre em Direito do Estado procurador da Fazenda Nacional cedido ao TSE e secretário-geral da Presidência do TSE.

1 de fevereiro de 2005, 20h21

Em seu artigo “Direitos humanos: reforma gera tumulto em tratados internacionais”, o professor Aldo de Campos Costa parece não ter compreendido o que afirmei em meu texto “Direitos humanos: reforma define status jurídico de tratados internacionais”

Sustentei que o novo parágrafo 3º do art. 5º da Constituição mantém o mecanismo tradicional de recepção de tratados por meio de decreto legislativo, ao mesmo tempo em que define que os tratados — mesmo quando relativos a direitos humanos — somente terão estatura constitucional se e quando internalizados por meio de processo análogo àquele das emendas constitucionais.

A propósito, os seguintes excertos do meu texto:

“Portanto, os tratados ou convenções internacionais sobre direitos humanos que sejam — ou melhor, desde que sejam — recepcionados nos termos do processo de aprovação das emendas constitucionais (art. 60 da Constituição de 1988) terão o status das normas constitucionais.

Por outro lado, os tratados ou convenções internacionais sobre direitos humanos recepcionados segundo o mecanismo usual de recepção — aquele por meio de decreto legislativo — terão, ou melhor, continuarão a ter, induvidosamente, força de lei ordinária.

(…)

As duas vias convivem. O parágrafo 3º do art. 5º da Constituição de 1988 faculta a recepção dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos por intermédio de uma emenda constitucional e não exclui a recepção pelo mecanismo tradicional, por meio de um decreto legislativo.”

O mais curioso é que o professor Campos Costa também entende que o novo dispositivo constitucional “reforçou a interpretação que sustenta a paridade hierárquica entre tratado e lei federal, que não é endossada, a meu ver, pelo artigo 5°, parágrafo 2°, da Constituição de 1988, em que pese seja partidário da tese que atribui natureza materialmente constitucional aos tratados de direitos humanos.”

Ora, o “reforço” apontado pelo professor candango é o objeto do meu artigo!

Quanto aos tratados já internalizados pela ordem jurídica brasileira ao tempo da promulgação da Reforma do Poder Judiciário, também não tenho dúvida: permanecem com força de lei ordinária (“terão, ou melhor, continuarão a ter, induvidosamente, força de lei ordinária”, como se lê acima).

Não há que cogitar em recepção dos tratados preexistentes como se emendas constitucionais fossem. O particular foi, inclusive, objeto de oportuna mensagem do leitor Alexandre Paulo Delarco, que respondi nos seguintes termos:

Como o dispositivo faculta dois modos de incorporação — um que dá status infraconstitucional e outro que dá status constitucional aos tratados — não há que falar em novação (ou recepção) de tratado anterior (preexistente) à Emenda n° 45 como se fosse norma constitucional.

A novação (ou recepção) de tratado anterior (preexistente) com força constitucional somente ocorreria se o § 3° houvesse instituído uma única via de incorporação e dela fazendo derivar força constitucional (e somente força constitucional, sem alternativa).

Por outro lado, nada impede que um tratado já internalizado seja novamente deliberado, agora na forma do parágrafo 3º do art. 5º combinado com o parágrafo 2º do art. 60, ambos da Constituição.

Enfim, ainda que, academicamente, possamos classificar um tratado sobre direitos humanos como “materialmente constitucional” (porque versa matéria tipicamente constitucional), formalmente não o é, salvo se acaso for internalizado por meio do especialíssimo processo do art. 60 da Constituição, o que é reclamado pelo novo parágrafo 3º do art. 5º. É o que afirmei, com ênfase, ao final do meu artigo:

“O que não se poderia admitir — e o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição de 1988 não o admite — é que um tratado internacional (ainda que sobre direitos humanos), aprovado por maioria simples no Congresso Nacional, gozasse da força de uma norma constitucional sem ter cumprido o especialíssimo processo de emenda do artigo 60 da Constituição de 1988.”

A Reforma do Poder Judiciário sepultou a possibilidade de ser reconhecido status constitucional aos tratados — passados e futuros — que não sejam internalizados por meio de processo análogo àquele das emendas constitucionais (ou que venham a ser submetidos a esse processo).

Andando bem ou mal, a Reforma do Poder Judiciário enviuvou os defensores de teses outras.

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