Participação no negócio

Sócio de escritório de advocacia não é empregado

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29 de dezembro de 2005, 12h33

Não existe relação de emprego entre o advogado e a sociedade de advogados da qual o profissional fez parte. O entendimento, unânime, é da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes rejeitaram recurso de uma advogada que trabalhou no escritório Oliveira Neves Advogados Associados.

A advogada entrou com processo na 31ª Vara do Trabalho reclamando o vínculo empregatício com o escritório. Para ela, sua condição de sócia da banca de advogados era “simbólica”, existindo, na verdade, todos os elementos previstos no artigo 3º da CLT — habitualidade, pessoalidade e o caráter oneroso da relação jurídica — para caracterizar o contrato de trabalho.

Ela pediu que o escritório fosse condenado a pagar vale-refeição, horas extras, 13º salários, FGTS, férias, verbas rescisórias, entre outros valores.

O escritório Oliveira Neves sustentou que a advogada não era empregada, pois foi admitida como sócia de sociedade de advogados, constituída de acordo com as disposições da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia). A advogada ingressou na sociedade por meio da 38ª alteração contratual, em 30 de outubro de 2000. O desligamento dela foi registrado em 11 de abril de 2002, na 48ª alteração. Todas as mudanças no contrato foram averbadas na seccional paulista da OAB.

A vara julgou o pedido da advogada improcedente, pois entendeu que ela não comprovou “vício de vontade” ao ingressar na sociedade. A advogada recorreu ao TRT paulista.

Segundo o juiz Luiz Edgar Ferraz de Oliveira, relator do Recurso Ordinário no tribunal, “o fato do sócio principal ser detentor de 99% das quotas sociais não parece trazer nenhum ilícito. Deve ser considerado em primeiro lugar que o contrato da sociedade está registrado na Ordem dos Advogados e em segundo lugar deve ser considerado o aspecto financeiro do investimento”.

Para o relator, “se um advogado investiu o seu próprio capital na formação do escritório de advocacia e decidiu aceitar o ingresso de outros advogados, convertendo o capital em milhares de quotas e cedendo uma quota para cada advogado que ingressa na sociedade, não há nisso nenhum mal, antes um negócio de oportunidade societária, que o advogado é livre para aceitar ou não, sem o direito de dizer depois que foi ludibriado”.

O juiz ressaltou que “como o caso envolve relação jurídica entre advogados, profissionais formados para cumprir e fazer cumprir as leis, não há como aceitar a alegação de que a sociedade teve objetivo de fraudar os direitos trabalhistas da recorrente. A fraude, com a conivência da recorrente, levaria à simulação”.

Leia a íntegra da decisão

9ª TURMA

PROCESSO N° 01010.2002.031.02.00-0

RECORRENTE: xxxxxxxxxxxxxxxxx

RECORRIDOS: xxxxxxxxxxxxxxxxx

ORIGEM: 31ª Vara de São Paulo

Sociedade de advogados. Estatuto e alterações sociais registrados na OAB (Lei 8.906, arts. 15 a 17) e CC (arts. 997 e 999). Sócio minoritário que se retira. Relação de emprego inexistente. Os elementos formadores do contrato de trabalho – pessoalidade, continuidade, subordinação jurídica e onerosidade – são também comuns a certos contratos civis, sobretudo à sociedade de advogados, quando profissionais se juntam com finalidade lucrativa. A única distinção importante é quanto à subordinação jurídica, que no Direito do Trabalho relaciona o empregado à figura do empregador, ao passo que nas sociedades constituídas a subordinação do sócio se dá ao estatuto, ao contrato ou às leis, e não à sociedade. Não há relação de emprego entre o advogado e a sociedade de advogados da qual fez parte, ainda que na condição de sócio minoritário.

RECURSO ORDINÁRIO da reclamante (fls.287/288) no qual postula os benefícios da justiça gratuita, reconhecimento do vínculo de emprego, vale-refeição, horas extras, reflexos, 13ºs salários, FGTS, férias, verbas rescisórias, indenização do seguro desemprego e do PIS, expedição de ofícios e que os recolhimentos previdenciários e fiscais sejam suportados pelos reclamados. Contra-razões (fls.366/395). Sem parecer circunstanciado do Ministério Público (fl.396).

V O T O

1. Conheço do recurso (fls.30 e 354), prejudicado o pedido de justiça gratuita, objeto inicial do recurso, tendo em vista o despacho de fls. 298 mandando processar o recurso com o deferimento do benefício.

2. A matéria principal do recurso refere-se à relação de emprego, negada na sentença por entender a eminente Juíza que a recorrente era sócia e não comprovou vício de vontade ao ingressar na sociedade. A recorrente insiste que a relação jurídica se enquadra na previsão dos artigos 2º e 3º da CLT e alega nulidade do contrato social da reclamada porque, a seu ver, inexistiu affectio societatis e sua participação na sociedade foi simbólica. Procurou demonstrar a ocorrência dos elementos do artigo 3º da CLT – habitualidade, pessoalidade e o caráter oneroso da relação jurídica – para ao final reivindicar a declaração do vínculo e os direitos do contrato, oferecendo, inclusive, jurisprudência deste Tribunal consistente em dois votos favoráveis à sua tese recursal, pelo reconhecimento do vínculo. A reclamada em contra-razões reafirmou sua posição, de que não houve relação de emprego.

3. A situação de fato é bastante simples: a reclamada é uma sociedade de advogados, constituída de acordo com as disposições dos artigos 15, 16 e 17 da Lei 8.906/94, e a recorrente ingressou na sociedade nos termos da 38ª alteração contratual averbada junto ao à OAB-SP em 30 de outubro de 2.000 e posteriormente, através da 48ª alteração, retirou-se da sociedade com a respectiva averbação junto à OAB em 11 de abril de 2002. Sua participação na sociedade foi realmente simbólica, com apenas uma quota social, mas o contrato registra que todos os demais sócios têm participação minoritária. Apenas um dos sócios — o sócio principal, que carrega o nome do escritório — detém 99% das quotas, sendo esta a síntese da situação de fato, sobre a qual não há controvérsia. Agora a situação jurídica.

4. Impossível a priori considerar ilegal um ato jurídico escrito e assinado por advogados, ato esse – o contrato de sociedade – cuja autenticidade está reconhecida e anotada nos livros da própria Ordem dos Advogados. O fato do sócio principal ser detentor de 99% das quotas sociais não parece trazer nenhum ilícito. Deve ser considerado em primeiro lugar que o contrato da sociedade está registrado na Ordem dos Advogados e em segundo lugar deve ser considerado o aspecto financeiro do investimento. Se um advogado investiu o seu próprio capital na formação do escritório de advocacia e decidiu aceitar o ingresso de outros advogados, convertendo o capital em milhares de quotas e cedendo uma quota para cada advogado que ingressa na sociedade, não há nisso nenhum mal, antes um negócio de oportunidade societária, que o advogado é livre para aceitar ou não, sem o direito de dizer depois que foi ludibriado. É uma questão até mesmo moral o advogado confirmar o ato jurídico que assinou, salvo se inadvertidamente se confundiu e se viu enrolado com as leis, o que não é comum acontecer. Este aspecto jurídico há ser considerado. Embora o Estatuto da OAB não registre as “obrigações” do advogado, remeteu ao Código de Ética e Disciplina o registro dos seus deveres. E o Código de Ética, assinado em 13/2/1995 pelo Conselho Federal da Ordem, dispõe no art. 2º, § único, item V, que um dos deveres do advogado é justamente “contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis”. Assim, se o advogado é um profissional incumbido de auxiliar o Poder Judiciário no aprimoramento das Instituições, do Direito e das Leis, é de presumir que todos os atos elaborados e firmados pelos advogados são atos legais e livres de irregularidades jurídicas em sua formação.

No entanto, a reclamante alega que o escritório reclamado quebrou esse princípio de ética, pois era tratada como empregada sem os direitos inerentes ao vínculo empregatício, o que é rebatido pela reclamada.

5. O eminente advogado francês MAURICE GARÇON escreveu um trabalho sobre a advocacia e, ao comentar uma antiga decisão do Conselho da Ordem dos Advogados, disse o seguinte: “A liberdade de defesa tem por limites necessários o respeito por tudo o que as leis e o decoro público mandam respeitar” (cf. “O Advogado e a Moral”, Armênio Amado, Editor, Coimbra, PT). Portanto, para o advogado — abaixo do poder celestial — nada está acima das leis. Tudo o que um advogado assina ou nos remete está de acordo com as leis. É uma regra de conduta. Isto é dito para lembrar que a recorrente não alega que tenha sido coagida a ingressar na sociedade de advogados, ou que tenha sofrido coação ou sofrimento no período em que ficou como sócia minoritária, ou que tenha sofrido discriminação trabalhista em comparação com outros advogados no escritório. Na sociedade ora reclamada todos os advogados — com exceção do majoritário — ostentam a mesma condição jurídica de advogados associados com participação societária mínima, o que aparenta ser perfeitamente legítimo e costumeiro no ramo das sociedades de advogados, tanto assim que a recorrente escreveu a sua carta de saída da sociedade e solicitou, ipsis verbis, “a apuração da distribuição de lucros a qual faço juz” (sic, cf. vol. de documentos). E para que não haja dúvida quanto à autenticidade da vontade, a recorrente escreveu o seguinte post scriptum: “P. S. Esta carta substitui a anterior datada de 31.01.02”.

Não vejo no ato nenhum defeito, do tipo dolo, erro, ignorância, coação, estado de perigo, lesão, ou fraude para justificar o reconhecimento de relação de emprego.

6. A sentença, embora sucinta, foi proferida com total acerto. A recorrente ingressou espontaneamente na sociedade e dela se retirou nas condições estipuladas no contrato. Todos os atos respeitaram aos artigos 997 e 999 do Código Civil, no que se refere à formação e registro, não resultando da análise do processo nenhuma irregularidade que possa ser corrigida pela Justiça do Trabalho. A subordinação jurídica alegada pela recorrente está relacionada às diretrizes estabelecidas pelo escritório de advocacia, como sociedade civil, e não propriamente pela figura do sócio majoritário, embora pelo contrato seja o que detém maiores poderes de decisão. A pessoalidade na prestação dos serviços e a continuidade são também fatos inerentes à profissão, pois a recorrente agia na qualidade de advogada em favor do grupo de advogados e da sociedade, não sendo razoável pensar de outra forma. E a onerosidade está vinculada à participação nos lucros nas condições estipuladas no contrato, de forma igual em favor de todos os advogados. Os elementos formadores do contrato de trabalho — pessoalidade, continuidade, subordinação jurídica e onerosidade — são também comuns a certos contratos civis, sobretudo à sociedade de advogados, quando profissionais se juntam com finalidade lucrativa. A única distinção importante é quanto à subordinação jurídica, que no Direito do Trabalho relaciona o empregado à figura do empregador, ao passo que nas sociedades constituídas a subordinação do sócio se dá ao estatuto, ao contrato ou às leis, e não à sociedade. No caso sub examinem transcrevo apenas a declaração da recorrente, tirada do seu depoimento: “a depoente deveria trabalhar na condição de sócia ou autônoma; resolveu ser sócia porque a condição de autônoma pareceu-lhe não era real” (fls. 230). Portanto, se optou em ser sócia porque a condição de autônoma não lhe parecia real — ou seja, lhe parecia simulada ou fraudulenta —, resulta confessado que a condição de sócia lhe caiu bem, porque era real e verdadeira, lícita e mais vantajosa do ponto de vista pessoal e profissional. Não há relação de emprego entre o advogado e a sociedade de advogados da qual fez parte, ainda que na condição de sócio minoritário. Por tais fundamentos voto pela manutenção da sentença.

7. A jurisprudência oferecida na petição 085053, de 30.9.2005, consistente em dois acórdãos favoráveis à tese do vínculo empregatício não favorece à recorrente. Em se tratando de relação de emprego cada caso é um caso, de sorte que a conclusão judicial de um não serve de parâmetro para outros, onde as circunstâncias fáticas são diferentes. Aqui há confissão da recorrente no sentido de que optou livremente em ingressar na sociedade como sócia, por não lhe parecer interessante ficar como autônoma (figura que, a priori, poderia ser de um autêntico empregado, o que não ocorre com quem aceita ser sócio). Os fundamentos jurídicos utilizados nos casos oferecidos não guardam similaridade com o caso sub examinem. Todas as condições previstas no art. 997 do Código Civil para a validade do contrato social foram cumpridas pelos interessados, assim como as solenidades previstas no código para a validade das alterações posteriores. Como o caso envolve relação jurídica entre advogados, profissionais formados para cumprir e fazer cumprir as leis, não há como aceitar a alegação de que a sociedade teve objetivo de fraudar os direitos trabalhistas da recorrente. A fraude, com a conivência da recorrente, levaria à simulação. Mantenho a decisão.

8. Nego provimento ao recurso. Nada mais.

Juiz LUIZ EDGAR FERRAZ DE OLIVEIRA

Relator

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