Idade do papel

Justiça paulista ainda se comunica por fax e ofício

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22 de dezembro de 2005, 11h27

O futuro ainda não começou na Justiça paulista. A informatização — cuja conclusão era prometida para este ano que se encerra — é uma miragem na maior parte das mais de 300 comarcas do estado de São Paulo. Até mesmo nos grandes fóruns da capital e no Tribunal de Justiça, ofício e fax ainda são os meios de comunicação usados por juízes, desembargadores e servidores.

No maior fórum da capital, o João Mendes, o atendimento de balcão consome parte da rotina diária dos escreventes. Filas se formam nas portas dos cartórios para uma simples consulta ao processo. A situação se repete no Palácio da Justiça e no fórum da Fazenda Pública.

Quando o papel será substituído pela comunicação digital? Ninguém ousa responder à pergunta quando o assunto é Justiça e quando essa Justiça é a paulista — a que mais tempo resistiu à informatização. O cenário com juízes e desembargadores munidos de notebooks aplicando sentenças e proferindo votos, com ações digitalizadas ao alcance de um toque no teclado e de cartórios com pastas só nos discos rígidos dos computadores ou arquivadas em CDs parece ainda mais futurista.

Um exemplo de hoje: no lugar de instrumento eletrônico, como o de leitura de código de barras, o velho livro de registro e as fichas de papel ainda estão em uso nos cartórios. Eles controlam a entrada e saída de processos que são pedidos por advogados, estagiários, peritos e juízes. Essa tarefa manual ocorre até mesmo no cartório do Órgão Especial, localizado no 3º andar do prédio do Palácio da Justiça.

“O tribunal já adquiriu, em parceira com a Nossa Caixa, tecnologia de assinatura digital, que deverá ser implantada na próxima gestão”, ameniza o juiz Marcelo Fortes Barbosa Filho, assessor da presidência do TJ e um dos responsáveis pela área de tecnologia da informação. O projeto prevê a criação de uma autoridade certificadora de documentos eletrônicos de responsabilidade do próprio tribunal, com empresa já contratada. “A implantação esbarra na questão da segurança”, justifica o juiz.

Sem tecnologia, o trabalho sobra para quem fica no cartório, dos dois lados do balcão: os servidores e o cidadão. Como nos cartórios não há funcionários em número suficiente para atender à demanda, sobra insatisfação de quem recorre ao serviço público. Se isso não bastasse, o controle manual coloca em risco a segurança do processo. Já houve casos de volumes inteiros desaparecerem ou reaparecerem com páginas arrancadas.

A situação é mais complexa quando a questão envolve a requisição de presos para audiências. Um convênio assinado com a Secretaria de Negócios Penitenciários permite ao juiz requisitar o preso para depoimento ao próprio diretor da unidade prisional. Mas na prática, na maior parte das comarcas o meio ainda é o do tradicional ofício.

Passo atrás

“Estamos abrindo o caminho para o futuro da Justiça paulista. Antes do final de 2005 vamos concluir a informatização em todas as comarcas”, costumava repetir o presidente do TJ, Elias Tâmbara, quando dava entrevista sobre a informatização do Judiciário — um dos raros temas de que gostava de falar com jornalistas.

Tâmbara deixa o cargo no dia 2 de janeiro sem concluir sua revolução digital. E, o que é pior, no apagar das luzes de sua gestão a situação até piorou.

Um juiz de comarca próxima à capital atesta: “No ano passado era possível enviar informações em Habeas Corpus e Mandado de Segurança por e-mail para o Tacrim (o extinto Tribunal de Alçada Criminal). Hoje, o TJ nem aceita mais esse tipo de coisa. Essa comunicação online não existe realmente”.

Em novembro, a substituição do sistema SAJ-Cível pelo Sistema Prodesp nos distribuidores cíveis da capital e ofícios judiciais do Fórum João Mendes Júnior provocou uma grande confusão. A substituição dos sistemas estava prevista para ser feita em três dias. Depois de nove dias de trabalhos e adaptações a situação ficou mais complicada do que antes para quem dependia de informações processuais nas comarcas cíveis da capital. O sistema ficou indisponível por tempo acima do previsto. A distribuição dos feitos urgentes era feita manualmente pelos juízes corregedores do Distribuidor correspondente.

“O novo sistema até agora só dificultou a consulta. Nosso escritório tem encontrado muitos problemas. A maioria dos processos está desatualizada, com atraso de até dois meses”, reclama o advogado Kalil Rocha Abdalla.

No comunicado, o tribunal afirmava, ainda, que não haveria prejuízo para a prática de atos processuais, em especial as audiências, porque os arquivos magnéticos seriam mantidos. Mas quem tentou realizar qualquer acompanhamento pela internet ficou desapontado.

Na opinião do juiz Marcelo Fortes Barbosa Filho o problema foi passageiro e já está superado. O novo sistema implantado integrou o Fórum João com o Tribunal de Justiça e os outros fóruns do Estado. “Era impossível manter o sistema antigo. Ele impossibilitava a comunicação interna e externa”, afirmou.

No entanto, o cidadão encontra hoje muito mais dificuldade para pesquisar o andamento de processos do que anteriormente. Alguns processos não podem ser pesquisados, outros apresentam falhas e erros nos andamentos. A sentença, antes registrada, agora está indisponível.

“Ainda estamos passando por alguns ajustes. Isso é normal”, justifica o juiz. Segundo ele, a dificuldade toda se deve à migração de dados de cerca de 2 milhões de processos.

Contudo, um outro juiz que acompanha de perto o assunto afirma que, hoje, o que funciona de fato é o fax. “Uma decisão urgente do TJ é comunicada via fax ao juiz de primeiro grau e depois o original é entregue à vara via malote. Sem assinatura ou certificação digital, por enquanto, o sistema de comunicação interna de decisões fica inviabilizado”, afirma o juiz. Segundo ele, a informatização está implantada, mas em fase de superação de problemas.

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