Beabá do Judiciário

Nancy Andrighi explica suas decisões no site do STJ

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16 de dezembro de 2005, 15h08

É fim de julgamento em um tribunal, em algum lugar do país. As partes se olham e se perguntam: mas quem ganhou, eu ou você? A cena corriqueira levou a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, a desenvolver o projeto Entenda a Decisão.

Com a ajuda de seus assessores de gabinete, a ministra criou o projeto há cerca de seis meses para tentar fazer o cidadão comum vencer a barreira do juridiquês. O serviço está disponível no site do STJ e conta, por enquanto, com quase 20 decisões da ministra explicadas em linguagem simplificada, fugindo dos termos jurídicos e formais.

“A divulgação de textos explicativos sobre as decisões consolidadas nos tribunais traz a transparência que deve envolver a atividade judiciária”, diz Nancy. Segundo a ministra, o Entenda a Decisão é fruto da sua preocupação em facilitar o acesso à Justiça.

“O tribunal superior encastela o ministro e o afasta da realidade. É preciso estar próximo das pessoas. Quando eu pego um processo para julgar nunca que esqueço que por trás dele tem seres humanos que estão esperando a minha decisão”, afirma.

Justiça para todos

Em conversa nesta quinta-feira (15/12) com a reportagem da revista Consultor Jurídico, a ministra elogiou as formas alternativas de resolução de conflitos como a conciliação, mediação e a arbitragem.

Nancy também se mostrou favorável ao papel do juiz leigo nos Juizados. Segundo a ministra, a experiência do juiz leigo pode ser uma descoberta de talentos para a magistratura. Além disso, de acordo com a ministra, quando este juiz chegar na magistratura terá uma experiência que os concursados não têm.

A ministra contou sobre uma experiência que considera marcante, com o juizado itinerante no arquipélago do Bailique, no Amapá. Na ocasião, Nancy já era ministra do STJ e viajou oito dias de barco com outros profissionais — promotores, juizes, enfermeiros, funcionários da previdência — levando a presença do Poder Público às comunidades ribeirinhas.

Os juizados itinerantes fluviais fazem casamentos, emitem certidão de nascimento, regularizam aposentadoria, discutem questões de pensão e alimentos, entre outros serviços. “O juizado especial é um divisor de águas no Poder Judiciário. Com ele começamos a cumprir a meta Constitucional de acesso à Justiça”, afirma Nancy.

Aos 53 anos de idade, Nancy chega aos 30 anos de magistratura defendendo o idealismo e a humanização na profissão. É uma ministra envolvida com projetos sociais. Ela é a responsável pelas mudanças no prédio do tribunal para o acesso de cadeirantes e promove ações como entrega de livros em penitenciárias.

Leia uma decisão explicada pela ministra

Conflito de competência relativo ao Campeonato Brasileiro de Futebol de 2005 — CC 57.062/RS — Compreenda a decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi no Conflito de Competência referente à anulação dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2005.

Leandro Konrad Konflanz iniciou um incidente denominado conflito de competência, porque entendeu que o STJ deveria decidir qual dos juízes — o Juiz da 8ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro ou o Juiz 1ª Vara Cível (2º Juizado) de Porto Alegre/RS — deve decidir processos referentes à anulação de 11 jogos do Campeonato Brasileiro de 2005 da Série A (Primeira Divisão).

Leandro Konflanz alegou que propôs em Porto Alegre/RS uma ação pedindo que fosse concedida liminar, como medida de urgência, para: (i) impedir, momentaneamente, que fosse cumprida a decisão do presidente do STJD, Dr. Luiz Zveiter, que anulou onze (11) jogos do campeonato, por haver suspeita de que o árbitro Edilson Pereira de Carvalho teria manipulado os resultados; (ii) informar as autoridades competentes das irregularidades que ele alega que ocorreram no processo em que o STJD anulou os jogos; (iii) determinar à CBF o cumprimento da anulação da decisão do STJD, sob pena de prisão.

O pedido principal do processo foi para que o Juiz declarasse a nulidade da decisão do Presidente do STJD.

O Juiz de Porto Alegre, em 18 de novembro de 2005, concedeu o pedido liminar para impedir, temporariamente, que a decisão do Presidente do STJD — de anulação dos jogos — fosse cumprida até o julgamento final do processo.

Ocorre que, antes de Leandro Konflanz propor essa ação, três torcidas organizadas haviam proposto, no Rio de Janeiro, uma ação na qual pediam: primeiro que fosse deferido pedido liminar para que a CBF cumprisse aquilo que determinou o Presidente do STJD, de modo que se realizassem novamente as 11 partidas anuladas, fixando-se uma multa para cada dia que a decisão não fosse cumprida, e, no final da ação, para que a decisão provisória se tornasse definitiva.

O conflito de competência é um tipo de incidente previsto na lei e que serve para que o Tribunal defina quem é o responsável pelo julgamento de uma determinada ação: i) quando dois ou mais juízes assumirem essa responsabilidade (hipótese em que haverá o risco de um julgamento ser incompatível com o outro) ou ii) quando eles se recusarem a julgar o processo.

No conflito de competência analisado pela Ministra Nancy Andrighi, foi pedido que se definisse o Juiz de Porto Alegre como o responsável pelo julgamento dos dois processos que discutem o destino do campeonato brasileiro/2005.

A Ministra entendeu em sua decisão que há conflito de competência, ou seja, que os dois juízes envolvidos estariam, ao mesmo tempo, responsabilizando-se pelo julgamento de processos sobre a mesma questão, com risco de ocorrer decisões incompatíveis ou contraditórias.

Isso porque, tanto o processo de Porto Alegre como o do Rio de Janeiro, têm como fundamento principal a decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos apitados pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho. O que diferencia os processos é apenas o fato de que no de Porto Alegre alega-se que a decisão do Presidente do STJD é nula; e o do Rio de Janeiro alega-se a validade da referida decisão.

Leandro, no seu pedido, fez seríssima acusação, de que teria ocorrido colusão (colusão é uma combinação para simular processo). Para Leandro, as torcidas organizadas entraram com a ação no Rio de Janeiro para garantir que todas as possíveis questões sobre o campeonato fossem definidas pela Justiça do Rio.

Para Leandro Konflanz, aquela ação foi proposta sem que houvesse necessidade, porque a CBF não havia se recusado a cumprir a decisão do Presidente do STJD, tanto é que as partidas já estavam remarcadas.

A Ministra afirmou que nesse processo — conflito de competência — não é possível decidir se houve a alegada combinação, mas, preocupada com tão graves afirmações, determinou que cópia integral do processo fosse remetida ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ao Conselho Nacional de Justiça, para que sejam apuradas, de acordo com as atribuições de cada instituição, as alegações do suscitante a respeito da prática de eventuais atos ilícitos.

Assim, além do risco de decisões conflitantes, a Ministra entendeu que há risco de nulidade absoluta do processo do Rio de Janeiro e, conseqüentemente, risco de danos irreparáveis às pessoas atingidas pelos efeitos daquele processo; determinando, por isso, a suspensão dos processos, inclusive os efeitos de todas as decisões neles proferidas, até que todos os fatos levantados por Leandro Konflanz sejam devidamente apurados pelas autoridades competentes.

É importante relembrar que essa não é a primeira vez que o STJ decide questão relacionada a Campeonato Brasileiro de Futebol.

O efeito prático da decisão da Ministra é que, por ora, vale o que foi decidido pelo STJD.

O juiz de Porto Alegre foi provisoriamente designado para, mediante prudente arbítrio, tomar decisões que considerar urgentes e necessárias.

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