Julgamento político

Assim como voto, processo por quebra de decoro é político

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14 de dezembro de 2005, 17h27

Os partidários do ex-deputado José Dirceu reclamam que ele foi julgado sem provas e, como tal, cassado em seu mandato parlamentar.

Julgado sem provas, e daí? Daí que o argumento é vazio de sentido porque negligencia, deliberadamente, a natureza e a especificidade do julgamento político.

Guardadas as devidas proporções, é o que ocorre na cabine de votação em que o eleitor crava o seu veredicto, via de regra, em algum nome dentre os que constam na lista de candidatos ou quando opta por anular o próprio sufrágio ou ainda por devolver em branco a cédula de votação.

De fato, nenhum eleitor vai à cabine eleitoral municiado de uma carta de sentença que sinalize para a coisa julgada, baseada em um processo judiciário regular, portanto, com amplo recurso aos meios de defesa e ao contraditório e pelo qual, somente aí, se pode tomar uma decisão de igual tipo (técnico-jurídica). Ele não precisa de um supedâneo bizantino para decidir em quem e como votar.

Do mesmo modo, as casas legislativas, ao decidirem pela cassação de algum de seus membros, ante a quebra de decoro parlamentar, o fazem no ingente propósito de realçar a representatividade popular conspurcada pelos sinais desse tipo de situação (se fosse permitido antevê-los, impediriam, teoricamente, o voto do eleitor originário). De sorte que o processo ali instaurado e desenvolvido com um tal objetivo não é compatível com as exigências formais que prevalecem à teoria do processo cujo caráter é eminentemente técnico-jurídico.

Já o processo político por quebra de decoro parlamentar tem natureza diversa e as acusações nele incluídas decorrem de juízos igualmente políticos, coincidentes ou não com fatos tidos como juridicamente ilícitos, acerca da conveniência na manutenção de certos mandatos em rota de um questionamento que os associa ao indecoro e, pois, à perda da própria representatividade.

No caso da referência, ficou constatado que o mote defendente, em juízo e fora dele, limitou-se a misturar conceitos fundamentais entre espaços institucionais claramente diversos para que assim o interessado viesse a se locupletar de benefício que de modo diverso não lhe seria lícito obter. Muito embora comum a toda processualística, o direito de defesa na teoria política (processo político) não é igual ao direito de defesa na teoria jurídica (processo judiciário), nem a Constituição determina que assim seja (artigo 5º, inc. LV), em face da especificidade do instituto como tal previsto para inúmeras situações.

Desse modo, só não pode haver julgamento político quando a matéria tiver de ser decidida jurisdicional e/ou administrativamente, ou seja, no sentido processual específico, técnico-jurídico. Enquanto que a exigência por um juízo exclusivamente técnico para enfrentar matéria de natureza e no âmbito político implica uma drástica redução na autonomia constitucional do Poder Legislativo em seus aspectos interna corporis.

Por isso mesmo, a insistência pela qual o descompromisso com a metodologia adequada no enfrentamento da matéria perante o processo político em comentário gerou, na prática, um estado de dilema institucional, de quase anomia e grande magnitude, somente a custo de grandes prejuízos ao regular funcionamento da República resolvido na sessão plenária da Câmara dos Deputados do último dia 30 de novembro.

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