Proteção ambiental

Presos na Operação Curupira são condenados por crime ambiental

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14 de dezembro de 2005, 11h08

O juiz Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara Federal de Cuiabá, assinou a primeira sentença que condena três investigados na Operação Curupira pelo crime de formação de quadrilha. Edmilson Mendes foi condenado a 2 anos e 2 meses de reclusão e os réus Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier a 2 anos de reclusão. Cabe recurso.

A Operação Curupira foi deflagrada em Mato Grosso e outros seis estados para investigar a prática de crimes ambientais. No total, 193 pessoas foram denunciadas. Segundo os autos, os réus Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier atuavam como despachantes da organização criminosa.

A defesa do acusado Marcos Pontes Xavier sustentou a inépcia da denúncia e falta de provas para justificar sua prisão. Edmilson Mendes e Eronilson Biava alegaram cerceamento de defesa. Os argumentos não foram aceitos pelo juiz. Para Julier, as circunstâncias do crime justificam a condenação.

Segundo Julier, “os motivos, as circunstâncias do crime em questão mostram-se desfavoráveis a todos os réus, porque se tratou de um ardiloso esquema voltado para a prática de crimes contra o meio ambiente e contra a Administração Pública, visando tão-somente o lucro fácil às custas do bem-estar da coletividade”.

“Isso sem falar no ataque desenfreado às reservas indígenas e outras áreas de proteção. Não se pode descurar também no imenso prejuízo causado ao erário público através das inúmeras operações destinadas às atividades de sonegação fiscal referentes à comercialização produtos florestais”, considerou.

O juiz também determinou que os réus continuem presos, “ante os motivos que ensejaram a custódia cautelar”.

Acusados sem acusação

A Operação Curupira foi marcada por uma série de gafes. Primeiramente, a Polícia Federal invadiu um escritório errado em Mato Grosso. O mandado de busca e apreensão era para ser executado no escritório do advogado Carlos Henrique Bernardes, o real investigado na Operação Curupira e acabou sendo cumprido nos escritórios dos advogados Jefferson Spindola e André Joanella na cidade de Sinop, em Mato Grosso.

Depois, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou a suspensão do processo contra o ex-secretário especial do Meio Ambiente, Moacir Pires, porque o Ministério Público não arrolou testemunhas no processo e quando o fez agiu de forma intempestiva.

O tribunal federal revogou também a prisão do chefe de fiscalização do Ibama em Mato Grosso, Benedito Paes Camargo. Antes já havia sido libertado, o diretor de Florestas do Ibama-MT, Antonio Carlos Hummel, contra quem não foi apresentada nenhuma acusação.

Na mesma situação esteve o ex-gerente-executivo do Ibama em Cuiabá, Hugo José Werle. O juiz federal Julier Sebastião da Silva determinou a revogação da prisão preventiva do ex-gerente do Ibama em Mato Grosso, por entender que as provas colhidas durante as investigações deixavam clara a desnecessidade da manutenção da prisão do servidor. Julier estendeu os efeitos da decisão para mais oito servidores do Ibama, presos durante a Operação Curupira.

Leia a íntegra da decisão

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MATO GROSSO

JUÍZO DA PRIMEIRA VARA

Sentença n /2005/JSS/JF/MT – 1ª Vara

Processo: 2005.36.00.013667-1

AÇÃO PENAL PÚBLICA

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réus: EDMILSON MENDES E OUTROS

SENTENÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com suporte em inquérito policial, ofertou denúncia contra cento e noventa e três pessoas, dentre estas os Acusados EDMILSON MENDES, ERONILSON BIAVA e MARCOS PONTES XAVIER, devidamente qualificados nestes, dando-os como incursos nas penas do art. 288 do Código Penal, na forma descrita pelo artigo 1º e seguintes da Lei nº 9.034/95, imputando-lhes participação em organização criminosa constituída por servidores públicos do IBAMA e da FEMA/MT, despachantes, madeireiros, fazendeiros, grileiros, empresas de consultoria florestal e empresários do setor madeireiro, que se dedicam a práticas delituosas diversas, notadamente na consumação de crimes ambientais e contra a Administração Pública, maximizando a exploração ilícita de florestas no chamado “Arco do Desmatamento”, que é integrado pelos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará.

Segundo a denúncia, a organização delitiva atuou intensamente na constituição de empresas fantasmas para a persecução legal de ATPFs junto ao IBAMA, comercializadas perante empresas do ramo madeireiro, possibilitando a extração e a comercialização de madeira com origem ilícita. Sustenta o MPF a existência de cerca de 50 empresas inexistentes, constituídas pelos esforços dos empresários, técnicos e despachantes da área florestal.


Destaca-se na atuação do bando, para a obtenção e comercialização ilegal de ATPF’s, a simulação de existência de créditos florestais a partir de notícia de existência de plano de manejo (Autorização de Exploração Florestal) ou de exploração (Autorização de Desmatamento), obtidos fraudulentamente. Descreve a peça ministerial ainda fraudes envolvendo as primeiras e segundas vias de ATPF’s pelos Denunciados, simulando movimentação de madeira menor do que a efetivamente ocorrida, caracterizando o chamado “calçamento de ATPF”. Ainda, teria o grupo criminoso adulterado, falsificado e furtado ATPF’s, praticando ações infracionais para as quais confluíram os mais diversos de seus membros, cada qual participando volitivamente para que os crimes variados pudessem se concretizar.

Segundo o Ministério Público Federal, a organização constitui-se de comando (madeireiros), núcleo técnico (empresas de consultoria, engenheiros florestais e consultores), despachantes ( auxiliares do suporte técnico investidos na função de articular e intermediar os interesses da cúpula delitiva, o suporte técnico e os servidores corruptos do IBAMA e da FEMA) e servidores públicos, estes divididos entre aqueles que recebem propina e outros inseridos na estrutura dos órgãos ambientais.

Enumera o ilustre representante do órgão ministerial que o bando denunciado teria perpetrado um enorme rol de infrações penais, tais como: a) constituição de empresas fantasmas para o fim de obtenção de ATPF junto ao IBAMA, emissão de nota fiscal fria, acobertamento de operações ilícitas e garantia de impunidade ante a utilização de nomes de “laranjas”; b) utilização de ATPF’s calçadas, adulteradas, furtadas e falsas; c) simulação de crédito de reposição florestal mediante confecção de contratos frios; d) inserção de dados falsos no SISMAD (Sistema de Controle de Fluxo de Produtos e Subprodutos Florestais) para a geração de créditos florestais fictícios e obtenção de mais ATPF’s; e) promoção e constituição de elevado lucro amealhado pela atividade ilícita com aparência de legalidade; f) oferecimento e pagamento de propina a servidores públicos, bem como o recebimento de valores indevidos; g) vazamento e obtenção de informações privilegiadas de fiscalização e de combate a ilícitos envolvendo a extração, transporte e comercialização de madeira; h) emissão de licenças ambientais em desacordo com a legislação; i) obtenção ilegal de ATPF’s; e j) aprovação de planos de manejo e de exploração florestal dentro e no entorno de reservas indígenas e unidades de conservação ou em áreas já desmatadas etc.

Os Acusados Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier, nos termos da peça imputatória, são despachantes na estrutura da organização, auxiliando o seu suporte técnico, formando assim o seu núcleo nervoso. Serviam os principais responsáveis pela articulação e intermediação dos interesses e relações entre os vários membros da organização.

Os referidos Réus operavam como procuradores das empresas fantasmas por eles constituídas, acompanhavam os processos no IBAMA, pagavam proprinas a servidores públicos, obtinham ATPF’s de forma ilícita variada, vendiam créditos florestais fraudulentos, aprovavam planos de manejo e exploração florestal em desacordo com as normas existentes.

Recebida a denúncia em 10/07/2005 e desmembrado o processo em relação a Edmilson, Eronilson e Marcos Ponte Xavier, foram estes citados e interrogados, de acordo com o constante às fls. 329/335, 336/346, 424/427, 539/541, 351/358, 359/362 e 374/379.

Defesas prévias às fls. 388/389, 390/391 e 415/416.

Ao longo da instrução criminal, foram inquiridas as testemunhas Elielson Ayres de Souza (fls.431/445), Alexandre Antônio Laus Daladona (fls.485/488), Alexandre Rochinski (fls.489/495), Jacira Silva do Nascimento (fls.530/531), Ana Leide Diniz (fls. 532/533), João Carlos Hawver (fls. 534/535), José Alves de Oliveira (fls. 536/537), Alessandro Júnior Cardoso da Fonseca (fls. 542/545), Maria Teresa Dall Onder Costa (fls. 546/547), Adair Balbino (fls. 548/549), Alexandre Aquino (fls. 579/598), Renato Kenji Yamada (fls. 610/629).

Na fase prevista pelo art. 499 do CPP, o MPF requereu a juntada aos autos da folha de antecedentes dos Acusados, o que foi deferido e cumprido (fls.637/641).

Já a defesa dos Réus Edmilson Mendes e Eronilson Biava requereu a realização de uma série de diligências, as quais foram indeferidas pela decisão de fls. 634/635, seja em razão da impertinência, seja por já restarem cumpridas, ao passo que a defesa de Marcos Pontes Xavier manteve-se silente (fls. 633).

Nas alegações finais de fls. 643/674, o Ministério Público Federal pugnou pela condenação dos Acusados ante a comprovação da autoria e materialidade delitivas.


A defesa dos Imputados Edmilson Mendes e Eronilson Biava mesmo intimada a ofertar suas alegações finais manteve-se inerte, sendo-lhes nomeados defensores dativos (fls.635v e fl.726).

A defesa do Acusado Marcos Pontes Xavier, em alegações finais de fls. 698/721, sustenta ser inepta a denúncia por não descrever o fato delitivo, bem como ante a ausência de indicação quanto ao chefe da suposta organização criminosa e das respectivas funções de seus membros. Assevera inexistir provas da participação do Acusado no esquema criminoso e que não se constitui em crime o fato de atuar como olheiro para madeireiros sobre os fiscais do IBAMA que atuaram no Posto do Trevo do Lagarto, aos quais nunca teria ofertado propina, embora tenha sido vítima de concussão. Defende ser incompetente o IBAMA para atestar a inexistência de empresas, acrescentando, ao final, a ilegalidade da interceptação realizada, além de ser atípica a conduta do Réu, razão pela qual reqüesta por sua absolvição.

Em alegações finais de fls. 746/749 e 749/751, as defesas do Acusado Edmilson Mendes e Eronilson Biava suscitaram a preliminar de cerceamento de defesa, pois os patronos constituídos não haviam sido intimados para ofertar alegações finais, no caso do segundo Imputado retro-citado, e, quanto ao primeiro, por não ter este sido intimado a constituir novo patrono. A defesa de Eronilson Biava insiste ainda na tese de inépcia da denúncia, que seria vaga e na ausência de provas da participação do referido Acusado na suposta organização criminosa.

Após, os autos vieram-me conclusos.

É o relato, consoante o qual, decido.

FUNDAMENTAÇÃO

Registro, desde logo, que estes autos originaram-se do desmembramento do processo de nº 2005.36.00.009653-0, onde o Ministério Público Federal ofertou denúncia em desfavor de cento e noventa e três pessoas, dentre estas os Acusados Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier.

Nas alegações finais ofertadas pelos Acusados, invocaram-se algumas preliminares, que passo, doravante, a enfrentar.

Primeiramente, afasto a defesa processual calcada na arguição de cerceamento de defesa, porquanto os defensores constituídos foram devidamente intimados por publicação, conforme atestado nos autos às fls.635v., assim como por mandado, restando infrutífera esta segunda diligência apenas quanto ao patrono do Réu Eronsilson Biava. No caso do Acusado Edmilson Mendes, deve-se consignar que o ônus de constituir e desconstituir advogados faz-se dentro das regras processuais penais vigentes, as quais dispõem que a comunicação da dispensa do defensor é ato do seu cliente, e não uma determinação judicial. Ainda, não aportou nos autos qualquer instrumento de substabelecimento ou nova procuração, como deveria o Acusado proceder para que novo profissional viesse a ser habilitado no patrocínio de sua defesa. Não o fazendo, permanecem com mandato nos autos os defensores constituídos pelo referido Réu, os quais não ofertaram as devidas alegações finais.

Segundo as certidões de fls. 724 e 725, as defesas de Edmilson Mendes e Eronilson Biava deixaram escoar o prazo para alegações finais sem apresentá-las, tendo este Juízo nomeado defensores dativos para representá-los, a teor do despacho de fl. 726, que exerceram seus encargos às fls. 746/748 e 749/751, restando atendido o preceito constitucional da ampla defesa e do contraditório.

Poderia o Juízo proceder ao julgamento do processo sem as alegações finais dos referidos Réus, já que os patronos constituídos foram devidamente intimados para esse mister. Assim o autoriza o Supremo Tribunal Federal no aresto concernente ao habeas corpus nº 80.251-6/MG, relatado pelo Ministro Nelson Jobim e publicado do DJU do dia 04/05/2.001, ora reproduzido:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÕES FINAIS. INTIMAÇÃO DO RÉU PARA CONSTITUIR NOVO DEFENSOR. NÃO NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. Ao defensor constituído, é imprescindível a intimação para o oferecimento de alegações finais. A omissão não caracteriza nulidade. Não havendo renúncia do defensor, não há que se cogitar de nulidade por falta de intimação do réu para constituir novo defensor. Ao paciente assistido por defensor constituído não é necessário nomear defensor dativo ou público. Habeas indeferido.”

Idêntico entendimento fora encartado pelo STF quando dos julgamentos dos HC’s 74398/SP, relatado pelo Ministro Néri da Silveira, e 75898/MG, este sob relatoria do Ministro Maurício Corrêa. Caminho também trilhado pelo TRF – 1ª Região na apreciação da Apelação Criminal nº 2000.01.00.019644-1/DF, cujo relator fora o Juiz Olindo Menezes (DJU do dia 14/11/2003). Em homenagem, porém, ao princípio da ampla defesa, foram nomeados defensores dativos aos Réus recalcitrantes.

Ainda no terreno das preliminares, não acolho a tese de inépcia da peça imputatória, a qual guarda perfeita harmonia com o disposto no art. 41 do CPP, trazendo a completa descrição do fato considerado criminoso, as suas circunstâncias, a qualificação dos Acusados, a capitulação da conduta e o devido rol de testemunhas. Não é, portanto, genérica ou vaga a denúncia, a qual descreve a existência de organização criminosa atuante nos órgãos ambientais federal e estadual, constituída por empresários do setor madeireiro, consultores ambientais, engenheiros florestais, servidores públicos e despachantes, cuja atuação volta-se a práticas de crimes contra o meio ambiente e à Administração Pública. São narradas as condutas e funções reservadas a cada um dos mais de cento e noventa Réus, o que inclui, por óbvio, aqueles sob julgamento neste feito.


Superados os entraves processuais, passo ao julgamento do mérito da infração penal atribuída aos Denunciados pelo Ministério Público Federal.

São acusados Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier de integrar a ramificada organização criminosa acima descrita, sendo considerados ativos membros do núcleo auxiliar do suporte técnico da quadrilha, exercendo a função de despachantes e assim responsáveis pela integração e ligação entre os vários componentes da atividade delitiva. Na condição de participantes ativos da organização, constituíram empresas fantasmas destinadas a angariar Autorização para Transporte de Produtos Florestais – ATPF´s de forma ilegal, fraudaram de variadas maneiras referido documento, furtaram, corromperam servidores públicos mediante pagamento de propina, simularam e venderam créditos de reposição florestal etc. Enfim, os Réus constituíram-se no núcleo nervoso da organização delitiva.

Convém que sejam fixados os marcos do presente julgamento no que se refere à imputação de que os Acusados associaram-se a inúmeras outras pessoas, formando uma extensa e estratificada organização criminosa, cujas atividades inserem-se naqueles tipos penais pertinentes aos crimes ambientais e contra a Administração Pública, promovendo ainda o desmatamento ilegal e clandestino nos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará.

O vertente feito tem por objeto, assim, apenas o tipo penal inserto no art. 288 do Código Penal, na forma prevista pela Lei nº 9.034/95, já que o órgão ministerial vem promovendo outras ações penais em desfavor de vários daqueles originalmente denunciados nos autos do processo nº 2005.36.00.009653-0, dentre os quais os Réus Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier, as quais têm por objeto os crimes específicos de cada um dos membros da organização.

Dessa forma, o Acusado Edmilson Mendes foi denunciado no processo de nº 2005.36.00.016211-1, sendo-lhe imputados os crimes previstos no art. 171, § 3º, do Código Penal, por cinco vezes; art. 299 do Código Penal, por várias vezes; art. 333 do Código Penal; e artigos 68 e 69 da Lei nº 9.605/98, todos na forma dos artigos 29 e 69 do Código Penal. Já Eronilson Biava, no processo de nº 2005.36.00.015929-5, foi denunciado como incurso nas penas do art. 171, § 3º, do Código Penal, por três vezes; art. 333 do Código Penal, duas vezes; e artigos 68 e 69 da Lei nº 9.605/98, todos na forma dos artigos 29 e 69 do Código Penal. À conduta de Marcos Pontes Xavier, nos autos da ação penal de nº 2005.36.00.014797-2, foram atribuídos os tipos penais encartados no art. 171, § 3º, do Código Penal, por diversas vezes; art. 299 do Código Penal; art. 333 do Código Penal, por cinco vezes; art. 296 do Código Penal; art. 297 do Código Penal; e art. 304 do Código Penal, todos na forma dos artigos 29 e 69 do Código Penal.

A assertiva acima se torna de maior relevância na medida em que espanta da seara desta demanda o debate quanto à consumação dos delitos que são especificamente atribuídos aos três Denunciados em outros feitos.Destarte, as condutas individuais de cada um dos Réus que se constituem em crimes tipificados no Código Penal e/ou Lei nº 9.605/98 estão sendo processadas nas ações penais instauradas para essa finalidade, de acordo com os processos retro-citados. Nesta lide, portanto, apura-se unicamente a existência de uma organização criminosa e a participação dos Réus Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier na estrutura daquela associação voltada à prática de um extenso rol de infrações penalmente reprováveis, não se cogitando dos tipos penais individualmente atribuídos pelo Ministério Público Federal aos diversos Denunciados em ações penais próprias.

Resta estabelecido, portanto, que o objeto da demanda é o crime de formação de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal e na forma da Lei nº 9.034/95, ou seja, a associação de mais de três pessoas, em organização criminosa, com o fim de cometer crimes, no caso, contra o meio ambiente e a Administração Pública, promovendo assim o desmatamento ilícito da Floresta Amazônica nos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará.

A imputação de formação de quadrilha sob a modalidade de organização criminosa, tipo penal este atribuído aos Denunciados Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier, requer a presença dos requisitos necessários à sua consumação, quais sejam, pluralidade de agentes, a finalidade de cometer crimes, estabilidade e permanência da associação, além do “plus” decorrente da própria constituição do grupo delitivo.

Dessa sorte, atendo-se à definição típica da infração penal imputada aos Denunciados, constata-se claramente a existência de uma série de condutas consideradas crimes pelo Código Penal e pela Lei nº 9.605/98, fundamental que se ressalte, perpetrados sob a forma de organização criminosa, devidamente elaborada, destinada à prática de inúmeros ilícitos. Os documentos carreados aos autos são fartos na comprovação da associação criminosa, bem como os interrogatórios dos Réus e depoimentos das testemunhas inquiridas em Juízo.


Ainda que a associação criminosa para a prática delitiva não possa ser tratada tecnicamente como simples concurso de pessoas, é fácil de se perceber a possibilidade de colaboração entre os agentes para a prática de ações elencadas como ilícitos. E é sobre esse aspecto que deve-se analisar a peça vestibular. Descreveu a acusação uma série de ações tidas como criminosas destacando a atuação de cada um dos Denunciados para sua efetivação. É o bastante para que seja comprovada a ação e função de cada um dos Acusados no esquema criminoso.

Após a análise das provas colacionadas aos autos e nos procedimentos que lhes são incidentes, impõe-se o reconhecimento de que a imputação reflete a verdade material presente no feito, porquanto restaram confirmadas as condutas infracionais associativas contidas na peça vestibular desta lide.

Os documentos produzidos pelo Grupo de Trabalho Especial do Ibama e no inquérito policial pertinentes aos Acusados e às empresas a eles vinculadas são uníssonos e incontroversos quanto à existência da organização criminosa, que se dedicou ativamente à consumação de um enorme rol de infrações penais, tais como: a) constituição de empresas fantasmas para o fim de obtenção de ATPF junto ao IBAMA, emissão de nota fiscal fria, acobertamento de operações ilícitas e garantia de impunidade ante a utilização de nomes de “laranjas”; b) utilização de ATPF’s calçadas, adulteradas, furtadas e falsas; c) simulação de crédito de reposição florestal mediante confecção de contratos frios; d) inserção de dados falsos nos SISMAD (Sistema de Controle de Fluxo de Produtos e Subprodutos Florestais) para a geração de créditos florestais fictícios e obtenção de mais ATPF’s; e) promoção e constituição de elevado lucro, amealhado em decorrência das atividades ilícitas com aparência de legalidade perpetradas pelos membros da organização criminosa; f) oferecimento e pagamento de propina a servidores públicos, bem como o recebimento por parte destes últimos; g) vazamento e obtenção de informações privilegiadas de fiscalização e de combate a ilícitos envolvendo a extração, transporte e comercialização de madeira; h) emissão de licenças ambientais em desacordo com a legislação; i) obtenção ilegal de ATPF’s; e j) aprovação de planos de manejo e de exploração florestal dentro e no entorno de reservas indígenas e unidades de conservação ou em áreas já desmatadas etc.

A organização sob julgamento mostra-se enraizada em todas as unidades do Ibama em Mato Grosso, tendo a instrução criminal revelado a sua estrutura de comando, núcleos técnicos e seus auxiliares, onde se situam os Acusados, e servidores públicos, tudo em consonância com o extraído dos relatórios produzidos pelo Grupo de Trabalho Especial da autarquia federal, das interceptações telefônicas concretizadas nos autos do procedimento criminal de nº 2004.36.00.07410-0, dos documentos reunidos nas buscas e apreensões autorizadas por este Juízo e dos interrogatórios materializados às fls. 351/358, 359/362 e 374/379, além das testemunhas inquiridas às fls. 431/445, 485/488, 489/495, 579/598 e 610/629.

De acordo com apurado na instrução probatória, o comando da organização criminosa pertence a vários empresários do setor madeireiro, podendo-se destacar Osmar Queiroz, Wilson Rosseto, Wilson Antônio Balvedi, Ramiro Fogiatto, Luiz Cristóvão Crocetta, Luiz Crocetta, Valentin Luiz Turatti, Douglas Vasconcelos Rosa, entre inúmeros outros. As irregularidades nas madeireiras restaram fortemente comprovadas, sendo certo que adquiriam ATPF´s e outros serviços de índole florestal de empresas constituídas fraudulentamente por despachantes, entre eles, os três Imputados neste feito.

Formando o núcleo de suporte técnico da organização criminosa, tem-se os consultores ambientais e engenheiros florestais, sendo estes responsáveis pelos vários projetos de exploração e manejo florestal apresentados ao Ibama e/ou à FEMA/MT para análise e aprovação. Nesse nível organizacional, pode-se evidenciar a associação de Evandro Trevisan, Luiz Trevisan, Alex Leonardo de Oliveira, Antônio Luiz Ganancin e Álvaro Fernando Cícero Leite e Dirceu Benvenutti, além de outros técnicos das empresas de consultoria e projetos ambientais, que foram declinados na denúncia contra as mais de cento e noventa pessoas, da qual desmembrou-se este feito.

Como despachantes e formando o nível de auxiliares ao suporte técnico da quadrilha, pode-se comprovar a atuação dos Réus Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier, assim como de Élvis Cleber Portela, Rony César de Souza, novamente Douglas Vasconcelos Rosa e Bruno Roberto de Carvalho, entre muitos outros. Estes agentes ativos da organização infracional funcionam em todas as etapas de consecução dos crimes atribuídos ao bando qualificado. Providenciam a constituição das empresas utilizadas para a ilegal aquisição e movimentação de ATPF´s, acompanham os processos e requerimentos administrativos junto aos órgãos ambientais, no pagamento das taxas e propinas a servidores públicos, fraudam e/ou furtam ATPF´s e notas fiscais, contratam falsificadores, representam através de procurações as empresas madeireiras constituídas ilegalmente e outras regulares, forjam e aprovam planos de manejo e/ou florestal, simulam a existência de crédito florestal, articulam contratos frios relativos à reposição florestal etc.


Os autos circunstanciados pertinentes à interceptação telefônica dos vários Acusados, os quais se encontram juntados no processo de nº 2004.36.00.007410-0, revelam a extrema versatilidade dos despachantes e a completa ausência de cerimônia para articular ações reprováveis penalmente, corrompendo a burocracia existente nos órgãos ambientais federal e estadual, assim como seus servidores. Tramam às claras e despreocupados com a repressão estatal ante a rotina de promiscuidade administrativa estabelecida com agentes do poder público responsáveis pela área ambiental nos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará. A análise dos diálogos encartados pelos Denunciados Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier é exemplar nesse sentido, além de irremediavelmente atestar a participação destes na organização criminosa ora descrita, inclusive, sendo alguns de seus principais membros e operadores.

Fechando a composição da quadrilha, tem-se a presença maciça de servidores públicos lotados em praticamente todas as gerências, escritórios regionais e setores do IBAMA em Mato Grosso. A corrupção comprovou-se ser corrente e alastrada naquela autarquia federal; basta uma simples leitura dos autos circunstanciados produzidos a partir da interceptação telefônica, principalmente em relação aos fiscais e servidores flagrados em conversas absolutamente condenáveis, tratando igualmente de atos considerados espúrios pela legislação penal. Veja-se os casos dos servidores Paulo Roberto Salazar, Marcos Pinto Gomes, Luiz Duarte, José Carlos Mendes, Alfredo Hiroshi Abe, Randolf Zanchow, Izael Gonçalo da Costa, Gleyçon Benedito de Figueiredo, Édio Ciríaco de Oliveira, José Carlos Ferreira e Jesuíno Vieira dos Santos etc. A lista de servidores públicos produzida pelas provas coletadas ao longo da instrução criminal é incrivel e enorme.

Descrita a organização e a inserção dos Réus, não há como albergar-se a tese de inexistência de comprovação de suas participações na associação delitiva responsável, em grande medida, pela degradação e destruição da Floresta Amazônica nos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará.

Reforçando o arcabouço probatório quanto à autoria do delito sob julgamento, há que se destacar que os Imputados Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier, nos interrrogatórios consignados às fls. 351/358, 359/362 e 374/379, ainda que de forma recalcitrante, deixaram claro relacionar-se entre si profissionalmente, assim como com outros despachantes, madeireiros, empresários, consultores ambientais, engenheiro florestais e uma lista enorme de servidores públicos lotados nos órgãos ambientais. Ainda, não conseguiram explicar os escandalosos diálogos mantidos com outros membros da organização e nem a profusão de procurações e representações de empresas constituídas ilegalmente e/ou inexistentes, bem como os pagamentos de propinas efetuados a servidores públicos.

As testemunhas Elielson Ayres de Souza (431/445), Alexandre Antônio Laus Daladona (fls. 485/488), Alexandre Rochinski (fls. 489/495), Jacira Silva do Nascimento (fl.s 530/531), Ana Leide Diniz (fls. 532/533), João Carlos Harver (fls. 534/535), José Alves de Oliveira (fls. 536/537), Alessandro Júniior Cardoso da Fonseca (fls. 542/545), Maria Teresa Dall Onder Costa (fls. 546/547), Adair Balbino (fls. 548/549), Alexandre Aquino (fls. 579/598) e Renato Kenji Yamada (fls. 610/629) atestaram sem qualquer contestação minimamente aceitável a existência da organização criminosa debelada, identificaram seus membros e as várias empresas integrantes do esquema, informaram a função de cada agente ativo no grupo e, notadamente, confirmaram a associação dos Réus Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier.

Por fim, a prova produzida com a interceptação telefônica autorizada por este Juízo, cujos autos circunstanciados encontram-se acostados ao processo nº 2004.36.00.007410-0, e o relatório encartado no volume dos autos de nº 2004.36.009653-0, elaborado pelo Grupo de Trabalho Especial constituído pela Presidência do IBAMA, informam as empresas criadas e operadas ilegamente pelos Denunciados, as procurações utilizadas, as pastas respectivas junto ao órgão ambiental federal, as vistorias realizadas no intuito de se comprovar a existência das supostas madeireiras, os documentos confeccionados, fraudados e/ou furtados pelos agentes ativos da organização criminosa, os diálogos travados pelos implicados ao longo da investigação policial etc.

Enfim, provas não faltam da associação dos Réus Edmilson Mendes, Eronilson Biava e Marcos Pontes Xavier com outros membros da organização criminosa descrita nesta peça processual, dentre estes os vários componentes acima identificados, tudo com a finalidade de, estável e permanentemente, praticarem crimes ambientais e contra a Administração Pública, promovendo a extração, comercialização e transporte ilícitos de madeira extraída nos Estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia.


Portanto, ante a conduta acima descrita, incursionaram os Réus pelas prescrições do art. 288 do Código Penal, na forma prescrita pela Lei nº 9.034/95, ensejando a devida condenação nos termos das penas contidas no dispositivo legal mencionado.

Para os fins do art. 59 do Código Penal, deve-se considerar tudo o que se expôs nesta peça processual quanto à participação e atuação de cada um dos denunciados na organização criminosa e na consumação dos delitos que lhe restaram provados nestes autos. Observar-se-á a descrição feita acima pelo Juízo sobre cada um dos membros da associação.

Consoante restou assentado linhas atrás, infere-se do interrogatório dos próprios acusados, bem como do teor das conversações evidenciadas nos autos de interceptação telefônica judicialmente autorizada, que os mesmos estavam devidamente ambientados nas práticas ilícitas, tratando-as em suas diversas modalidades, com absoluta naturalidade e sem cerimônia, situação a evidenciar suas personalidades voltadas ao crime.

Os motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime em questão mostram-se, de igual monta, desfavoráveis a todos os Réus, porquanto tratou-se de ardiloso esquema voltado para a prática de crimes contra o meio ambiente e contra a Administração Pública, visando tão-somente o lucro fácil às custas do bem-estar da coletividade, uma vez que a envergadura dos delitos ambientais perpetrados pela organização, traduzidos pelo desmatamento desenfreado principalmente da região Amazônica, hoje considerada o pulmão do mundo, constituem-se, claramente, prejuízo à humanidade à medida que provoca a alteração de todo o ecossistema. Isso sem falar no ataque desenfreado às reservas indígenas e outras áreas de proteção. Não se pode descurar também no imenso prejuízo causado ao erário público através das inúmeras operações destinadas às atividades de sonegação fiscal referentes à comercialização de produtos florestais. As circunstâncias do crime são relevantes à medida em que a organização se estabeleceu levando-se em consideração a vastidão de áreas a serem exploradas ilicitamente e a deficiência do poder público, de forma absoluta, ao preocupar-se também em estender seus tentáculos nos próprios órgãos ambientais a ponto de impossibilitar qualquer tentativa de repúdio às suas atividades.

Em relação à culpabilidade dos agentes, constata-se que o Acusado Edmilson Mendes possui maior destaque e relevância, considerando-se o seu nível de instrução e condição social, que dão à sua atuação maior grau de reprovabilidade. Também seus antecedentes estão a demonstrar que o delito em questão não compõe episódio esporádico, dada a existência de inquérito e ação penal anteriores. Nada a aferir sobre a conduta social dos Réus.

D I S P O S I T I V O

Com efeito, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal e CONDENO os Acusados EDMILSON MENDES, ERONILSON BIAVA e MARCOS PONTES XAVIER, dando-os como incursos nas penas do art. 288 do Código Penal, na forma prescrita pela Lei nº 9.034/95, passando doravante dosar-lhes as respectivas reprimendas.

Atento às diretrizes do art. 59 do Código Penal, conforme acima analisado, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão para o Acusado EDMILSON MENDES; e em 02 (dois) anos de reclusão para os Réus ERONILSON BIAVA e MARCOS PONTES XAVIER; reprimendas estas que torno DEFINITIVAS ante a ausência de circunstâncias atenuantes, agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição penal a serem consideradas.

O regime inicial de cumprimento das penas será o fechado, por força do disposto no art. 10 da Lei nº 9.034/95 e das razões declinadas quando da análise dos itens pertinentes ao art. 59 do Código Penal.

Incabível a substituição e a suspensão condicional da pena.

Registre-se ainda os efeitos extrapenais genéricos da condenação, com fulcro no que dispõe o art. 91 do Código Penal, especialmente no que pertine ao inciso II, alínea “b”, razão pela qual nos termos do art. 118 a 124 e 133 do CPP, devem permanecer indisponíveis os produtos do crime ou quaisquer bens ou valores auferidos pelos Condenados em decorrência da conduta criminosa ora analisada.

Condeno os Acusados patrocinados por defensores dativos ao pagamento dos honorários respectivos, que fixo no máximo da tabela atualmente vigente. Ainda, condeno todos no pagamento das custas processuais.

Os Acusados deverão permanecer custodiados, ante os motivos que ensejaram a custódia cautelar e o disposto no art. 9° da Lei n° 9.034/95.

Com o trânsito em julgado, que sejam lançados os nomes nos Réus no rol dos culpados.

Oficiem-se aos Relatores dos Habeas Corpus interpostos cientificando-se da presente sentença.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Cuiabá, 12 de dezembro de 2.005.

JULIER SEBASTIÃO DA SILVA

JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA/MT

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