Superlotação em Minas

STJ proíbe juiz de soltar preso por falta de cadeia em Minas

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12 de dezembro de 2005, 17h38

O juiz e o promotor de Justiça de Guaranésia (MG) foram intimados a suspender portaria de autoria de ambos que determinava a interdição da ala da cadeia reservada aos presos albergados e a transferência de detentos para Belo Horizonte. A portaria continha, também, cláusula determinando que caso a administração não recebesse os presos transferidos, eles deveriam ser postos em liberdade. A decisão é do ministro Hamilton Carvalhido, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O ministro aceitou a Medida Cautelar requerida pelo estado de Minas Gerais, entendendo que o perigo da demora é evidente diante da própria função do Direito Penal de proteger os bens jurídicos individuais e coletivos, a exigir que se assegurem as condições de existência da vida social.

Para o ministro, não se pode admitir a pura e simples liberação dos condenados, se recusados pelas autoridades destinatárias da portaria judicial. “Essas decisões jurisdicionais que já se constituíram em objeto de acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça comportam, por certo, sem que se possa desconsiderar a situação jurídica dos presos que já cumprem pena no sistema, modificação de regime de cumprimento de pena privativa de liberdade e até mesmo imposição de respostas penais substitutivas”, afirma.

O pedido

O estado de Minas Gerais entrou com recurso contra o Ministério Público mineiro, com o objetivo de suspender a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O governo mineiro argumenta que a ordem contida na portaria constitui grave ofensa já que não há lugar disponível no estado para receber a população carcerária transferida. Também sustenta que a interdição da ala reservada aos presos albergados em nada atende as necessidades da população local, nem tampouco resolve o problema carcerário do estado.

Alega que a interdição tem, na realidade, a intenção de coagir o estado a direcionar mais verbas para o setor, o que “afronta princípios constitucionais” já que a jurisprudência do Supremo e do STJ são no sentido de que tal prática importa usurpação das funções do Poder Executivo. Por fim, defende ser ilegal a ordem de soltura dos presos se não aceitos pela administração.

O governo de Minas Gerais também afirmou ser do conhecimento geral que o estado é o que apresenta o quadro mais dramático em seu sistema penitenciário. Possui apenas 5.059 vagas em estabelecimentos prisionais, inclusive cadeias públicas e delegacias, para alojar um contingente de 22.253 mil presos, entre provisórios e definitivos, conforme dados do Ministério da Justiça. Essa circunstância o obriga a colocar quatro presos em uma única vaga, afirma.

Como exemplo cita a situação ocorrida em Belo Horizonte, onde detentos estavam recolhidos nos locais destinados ao banho de sol, e a que levou o juiz de Oliveira a determinar que o estado reformasse a cadeia pública em um prazo de 30 sob pena de liberação de todos os presos.

“Não é exagero dizer que o Estado de Minas Gerais necessita desesperadamente de todas as vagas de que dispõe em seus estabelecimentos prisionais, por mais precários que sejam” afirma o estado, que afirma que a portaria impõe uma obrigação impossível, pois não existe outro estabelecimento apto a receber os detentos sem que tal transferência importe no inequívoco agravamento das condições físicas e sociais das eventuais instituições que os venha a receber.

MEDIDA CAUTELAR Nº 10.902 – MG (2005/0203855-2)

RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

REQUERENTE : ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADOR : CLEBER REIS GREGO E OUTROS

REQUERIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

DECISÃO

1. Cautelar inominada, com pedido de medida liminar, em que são partes o Estado de Minas Gerais, autor, e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, réu, visando à atribuição de efeito suspensivo ao recurso ordinário em mandado de segurança interposto pelo autor.

Está o requerente em que “(…) o aludido writ foi impetrado, por sua vez, contra o ato retratado na Portaria Conjunta nº 001/2004, da lavra do Exmo. Sr. Juiz de Direito da Comarca de Guaranésia e do Exmo. Sr. Promotor de Justiça da mesma Comarca, que determinaram a interdição da ala da cadeia pública daquele município reservada aos presos albergados e a transferência de detentos para esta capital, com posterior soltura dos mesmo, caso a Administração Pública não os recebesse.” (fl. 3).

Sustenta, ainda, que “(…) não é exagero dizer que o Estado de Minas Gerais necessita desesperadamente de todas as vagas que dispõe em seus estabelecimentos prisionais, por mais precários que sejam, (…)” (fl. 6).

Alega, mais, que “(…) a veneranda decisão vituperada impôs obrigação impossível ao recorrente, eis que não há outro estabelecimento prisional apto a receber os detentos daquele estabelecimento, sem que tal transferência importe no inequívoco agravamento das condições físicas e sociais das eventuais instituições que os venha a receber.” (fl. 10).

Assevera, também, que “(…) não há dúvida, assim, de que está presente o fumus boni juris, exatamente pela inconsistência, rogata venia, dos fundamentos pelos quais a segurança foi denegada e, portanto, da viabilidade de provimento do recurso ordinário e modo interposto”, e que “(…) o periculum in mora decorre do fato de que, implementada a interdição, a transferência e, principalmente, a soltura dos presos em praça pública, ocorrerá inegavelmente a agravação da já precária situação administrativa do Estado de Minas Gerais, exatamente pela proibição de novos internamentos na penitenciária interditada, com a exposição da população em geral a uma situação extremamente grave e perigosa, à toda evidência.” (fl. 10).

Aduz, de resto, que “(…) é inegável, concessa venia, o risco de lesão irreparável à ordem pública, pois, repita-se, ainda uma vez, mantido o ato indigitado no aludido mandamus, os presos que lá existem certamente irão, ainda mais, contribuir para a superlotação de outro estabelecimento, elevando sobremaneira o perigo, já iminente, de revoltas e evasões, ocorrência que, inegavelmente, erigem-se nas piores que podem ocorrer em termos de matéria prisional.” (fl. 10).

Daí por que pugna, liminarmente, no sentido de se “(…) conceder,

inaudita altera pars, a liminar, a fim de que seja dotado o recurso ordinário manejado oportunamente pelo autor de efeito suspensivo, de sorte a manter a suspensão do indigitado ato de interdição do mencionado estabelecimento prisional, nos termos da liminar anteriormente deferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça Estadual.” (fl. 11).

Tudo visto e examinado.

DECIDO.

É firme o entendimento desta Corte no sentido de que a decisão denegatória de segurança não tem conteúdo executório, descabendo, por impossibilidade jurídica, suspender-lhe a execução pela via transversa, atribuindo-se efeito suspensivo a recurso ordinário (MC nº 115/GO, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, in DJ 17/3/97).

Por outro lado, este Superior Tribunal de Justiça tem admitido, em

circunstâncias específicas e excepcionais, a concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário – cautelar de efeito ativo -, desde que utilizada, pelo interessado, a competente medida cautelar inominada (artigos 34, inciso V, e 288, do RISTJ).

Impõe-se ressaltar, contudo, que a outorga de efeito suspensivo por

intermédio de cautelar incidental, além da satisfação cumulativa dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, depende do juízo positivo de admissibilidade emanado da Corte Estadual.

Nesse sentido:

AÇÃO CAUTELAR. LIMINAR INDEFERIDA. NEGATIVA DE

SEGUIMENTO À PRÓPRIA AÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. NÃO

COMPROVAÇÃO DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ORDINÁRIO.

AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. De acordo com o entendimento desta Corte e do Pretório Excelso é incabível a medida cautelar, para a concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário que ainda não foi objeto do juízo de admissibilidade, por importar em supressão de instância e invasão da competência do Presidente do Tribunal a quo.

2. Não comprovado de forma satisfatória o juízo positivo de admissibilidade do recurso ordinário, não há que se falar em reforma da decisão impugnada para a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário.

3. Agravo regimental desprovido.” (AgRgMC n° 8.284/SP, Relatora Ministra Denise Arruda, in DJ 2/8/2004).In casu, o periculum in mora é manifesto, à luz da própria função do Direito Penal, protetivo de bens jurídicos individuais e coletivos, a reclamar – sem embargo da sua dimensão garantista, tributária da natureza limitada do poder de resposta penal -, a consideração permanente de sua razão de ser, qual seja, necessidade de asseguramento das condições de existência da vida social, em que se dá a realização do homem como pessoa.

D’outro lado, a plausibilidade jurídica do pedido não é menos evidente,

firme que se mostra a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça em que a questão da inexistência de vaga em estabelecimento penal e a conseqüente impossibilidade de execução das sentenças condenatórias penais, na forma de seus termos, é também de natureza jurisdicional, devendo o juiz decidi-la em concreto, caso a caso, aplicando as leis penais vigentes, materiais e instrumentais, e, sobretudo, a Constituição da República, de modo que se respeite os direitos do condenado, sem fazer tábula rasa da proteção dos demais membros da sociedade, requisitando, ainda, o Juiz, complementarmente, providências às autoridades políticas federais e estaduais, incluidamente ao Ministério Público, que segue tendo legitimidade para a ação civil pública.

Tais decisões jurisdicionais que já se constituíram em objeto de acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça, comportam, por certo, sem que se possa desconsiderar a situação jurídica dos presos que já cumprem pena no sistema, modificação de regime de cumprimento de pena privativa de liberdade e até mesmo imposição de respostas penais substitutivas, não havendo como se admitir a pura e simples liberação dos condenados, se recusados pelas autoridades destinatárias da portaria judicial.

Pelo exposto, defiro a cautela para suspender a eficácia do acórdão impugnado, e, conseqüentemente, da Portaria Conjunta nº 01/2004, determinando que a questão da inexistência de vaga se constitua em objeto de decisão jurisdicional própria, caso a caso, até o julgamento da presente medida cautelar ou do recurso ordinário em mandado de segurança respectivo.

2. Comunique-se, imediatamente, ao Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais e ao Juízo da causa.

3. Publique-se.

4. Intime-se.

Brasília, 09 de dezembro de 2005.

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

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