Sem desculpa

Descontar e não recolher INSS é apropriação indébita?

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12 de dezembro de 2005, 10h48

Antes do advento da Lei 9.983/00, que revogou o artigo 95 da Lei 8.212/91 e tipificou a mesma conduta no artigo 168-A do Código Penal Brasileiro, era do entendimento jurisprudencial que o desconto da contribuição previdenciária e o não repasse decorrente aos cofres do INSS constituía crime se e somente se o responsável legal da empresa demonstrasse a intenção de apropriar-se dos valores e fosse comprovada a sua má-fé.

Expressa o artigo 168-A do Código Penal: “Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:” e apena referido delito com reclusão de dois a cinco anos, e multa. Diz o parágrafo 1º do citado artigo que “nas mesmas penas incorre quem deixar de: I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público.”

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Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça entende que alegada ausência de dolo genérico ou específico, que justificaria a defesa do acusado, não é mais argumento suficiente à descaracterizar referido ilícito. Sustenta que não é suficiente alegar dificuldades financeiras da empresa a justificar o não repasse ao cofre da entidade previdenciária, vez que o numerário sequer lhe pertence, pois, é dos empregados, porquanto deveria repassá-los e pronto, não o fazendo o crime está caracterizado.

O crime previsto no artigo 95, alínea D, da Lei 8.212/1991, revogado com o advento da Lei 9.983/2000, que tipificou a mesma conduta no artigo 168-A, do Código Penal, consuma-se com o simples não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados.

O dolo do ilícito de apropriação indébita de contribuição previdenciária é a intenção de não transferir à previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e das formas legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, portanto, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.

Entendo, data maxima venia, que se da análise das circunstâncias fáticas e particularidades da causa, restar demonstrado a inexigibilidade de conduta diversa, em virtude das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, a falta de vontade de reter o valor descontado e fraudar a autarquia, ou mesmo erro contábil ou administrativo, não está configurado o crime de apropriação indébita capitulado no artigo 168 A do Código Penal. Portanto, se os fatos narrados na denúncia não apontam a existência do elemento subjetivo, ou seja, a vontade de apropriação dos valores descontados dos empregados, a conduta descrita é atípica.

Este procedimento e as alterações inseridas pela lei, acima referida, aterrorizam o empreendedor que se vê obrigado a pagar para não enfrentar uma ação penal, quando poderia discutir a existência e valor do débito através de ação fiscal. Ao que parece, o procedimento criminal tornou-se sucedâneo de ações cíveis ou fiscal. Este fato não deixa de ser uma forma de pressão sobre o contribuinte que já enfrenta pesada carga tributária.

Evidente que não estamos defendendo a sonegação ou a apropriação indébita. Entendemos que para haver o crime dever-se-ia analisar os motivos e os fatos ensejadores da conduta do sujeito ativo. Mas, atualmente a questão não é tratada assim.

Outro ponto que desperta dúvida é se pagamento do débito à Previdência Social extingue a punibilidade. Antes sim, até o oferecimento da denúncia o pagamento extinguia a punibilidade. Com o advento da Lei 9.983/00 a hipótese da extinção da punibilidade do agente pelo pagamento do tributo teve seu plano de incidência diminuído. O parágrafo 2º do artigo 68 do CP, agora, apenas consente a extinção da punibilidade no caso de o tributo ser quitado anteriormente ao início da ação fiscal. Este é o magistério do mestre Guilherme de Souza Nucci:

“O Supremo Tribunal Federal considerava aplicável à hipótese do não recolhimento de contribuições previdenciárias a causa de extinção da punibilidade prevista na referida lei. Entretanto, naquela hipótese, era preciso pagar toda a dívida antes do oferecimento da denúncia. Ora, existindo causa específica para o crime previdenciário, não mais tem cabimento a aplicação do mencionado artigo 34. Portanto, deixando de pagar o devido até a ação fiscal ter início, já não se deve considerar extinta a punibilidade caso o recolhimento seja efetuado antes da denúncia” (in Código Penal Comentado, 1ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000).

O Estado cumpre o seu papel fiscalizador e punitivo relativo a quitação de tributos, seja de qualquer espécie, porém, antes de imprimir o caráter repressivo concernente a eventuais falhas, deveria, antes, considerar os princípios pedagógicos e analisar cada caso em particular.

Inobstante o entendimento dos tribunais ante a alteração legislativa acima referida, entendo que para haver o crime há que estar presente o dolo, ou seja, a intenção do agente em praticar o fato que se conhece contrário a lei, no caso em debate, o agente deve desejar apropriar-se daquilo que sabe não ser seu e, com a intenção de prejudicar a Previdência Social. Em caso de erros, dificuldades financeiras momentâneas ou qualquer motivo que justifique a diversidade de conduta, desde que devidamente comprovado, não existe o crime capitulado no artigo 168 A do Código Penal.

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