Privacidade no trabalho

Empresas podem monitorar internet e e-mails de funcionários

Autor

  • Márcio Cots

    é sócio do Cots Advogados e professor. Mestre em Direito especialista em Cyberlaw (Direito Cibernético) pela Harvard Law School (EUA) com extensão universitária em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV-EPGE.

10 de dezembro de 2005, 11h28

A empresa tem ou não o direito de rastrear e monitorar o uso da internet e dos e-mails de seus funcionários? A questão não é recente e coleciona alguns casos de abuso e deve ser analisada e debatida.

Primeiramente, é preciso determinar a quê o funcionário pode ou não ter acesso no ambiente e no horário de trabalho. Acessar o e-mail pessoal, sites com conteúdos ilegais ou de caráter pornográfico, sites de relacionamento (como Orkut ou Gazzag), ou programas de trocas de mensagens instantâneas (como ICQ ou MSN), por exemplo, já são considerados conteúdos possíveis de proibição do acesso por parte das empresas.

Mas a dúvida é: a empresa pode ou não invadir o computador do funcionário para monitorar seus acessos?

O ser humano tem como característica fundamental o convívio social, a troca de informação, a comunicação. Portanto, é preciso estabelecer regras para que seu convívio seja disciplinado. Instituiu-se, para isso, o direito, como o conjunto de regras que disciplinam o convívio social humano.

Com o advento da “Era da Informação” e toda tecnologia agregada a essa nova situação, criou-se um mundo virtual que, como o mundo real, também precisa de regras e disciplina. O Direito está se adaptando para poder regulamentar a Internet e estabelecer regras para este universo.

A justiça brasileira oferece ao indivíduo o direito à privacidade, ou seja, o direito de estar só, de fazer o que bem entender, sem a interferência de ninguém. A questão da privacidade está no artigo 5º, Inciso X, da Constituição Federal: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — artigo XII: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. Na atualidade, temos vida privada tanto na vida real, quanto na vida virtual. Essa intimidade virtual também é resguardada por lei.

Mas o direito à privacidade não é o único direito envolvido na questão da relação entre empresa e funcionários no monitoramento dos computadores. Vale lembrar que as empresas têm a propriedade da estação de trabalho, do acesso à Internet e do e-mail corporativo ([email protected]). Quem fornece o serviço, ou melhor, os meios para se trabalhar, também tem seus direitos. Lhe é assegurado o direito à propriedade, pelo mesmo artigo 5º, da Constituição Federal, no inciso XXII: “é garantido o direito de propriedade”.

No mundo corporativo, a Internet tornou-se mais uma ferramenta de trabalho, fornecida pela empresa aos seus empregados, que possibilita a agilidade na comunicação. Sendo esta ferramenta mal utilizada, compromete-se não só a imagem e segurança da empresa como também o desempenho das tarefas.

A empresa tem o direito de proteger seu patrimônio, ainda, pelo Código Civil, artigo 1.228: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” — o que quer dizer que, além de adquirir o bem, o indivíduo pode fazer o que quiser com o que tem e de reaver o que lhe for tirado.

No meio jurídico, quando temos questões deste tipo, em que há um conflito de premissas constitucionais a serem aplicadas em um mesmo caso, tenta-se utilizar a proporcionalidade e a razoabilidade, para evitar que um direito constitucional se sobreponha a outro.

Quanto à questão das empresas poderem acessar qualquer conteúdo do correio eletrônico dos seus funcionários, o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão recente (TST – AIRR 613/2000), determinou que o empregador tem o direito de monitorar os e-mails corporativos e o acesso à internet por parte de seus empregados, entendendo, em suma, que a empresa é a proprietária dos instrumentos de trabalho utilizados para o acesso e de que o ambiente de trabalho não é um ambiente com expectativa de privacidade. Como o e-mail, o acesso à Internet e o computador são de propriedade da empresa, a justiça avaliou que não há problema em fiscalizar que tipo de uso os funcionários estão fazendo de sua propriedade.

Outro ponto polêmico é a questão da “Negligência na Vigilância”, uma vez que “a culpa do responsável consiste em não haver exercido, como deveria, o dever de vigiar, de fiscalizar ou de não haver retirado do serviço ou de haver aceito quem não podia exercer com toda correção o encargo”. (Pontes de Miranda).

Além do mais, as empresas têm o direito de cuidarem de sua imagem ou marca na internet, além de terem responsabilidade sobre as atitudes de seus empregados em determinadas situações, como vimos no artigo 5º, Inciso X, da Constituição Federal.

Outro problema que vemos nesta questão é quanto ao fato do empregado acessar suas correspondências particulares no horário de trabalho. Esta atitude pode ir contra o poder de direção da empresa, que tem previsão na Legislação Trabalhista, além de poder caracterizar uma demissão por justa causa, caso isto ocorra com freqüência, durante a jornada de trabalho. A legislação prevê a demissão motivada nos casos de “desídia”, que nada mais é do que o empregado não trabalhar.

Por fim, vale ressaltar que seria conveniente que a empresa, antes de começar a monitorar os e-mails e o acesso à internet, implantasse um regimento de uso destes instrumentos de trabalho, prevendo e deixando de forma clara aos seus empregados quando e de que forma devem utilizar tais instrumentos, para que, assim, fique claro que os e-mails e o acesso serão monitorados.

Autores

  • é advogado e professor de Direito da Tecnologia da Informação na Faculdade de Informática e Administração Paulista e também leciona Direito Empresarial na Faculdade Módulo. É pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie, com Extensão Universitária em Direito da Tecnologia da Informação, pela FGV-EPGE e participação no iLaw Program 2005 — Harvard Law School — Havard University nos EUA.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!