Sem crédito

Não há crédito de ICMS na compra de serviços de telefonia

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5 de dezembro de 2005, 11h18

A Associação do Comércio Farmacêutico do Rio de Janeiro não conseguiu obter crédito do ICMS pago na aquisição de energia elétrica e serviços de telecomunicação. A decisão é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A relatora do caso, ministra Eliana Calmon, esclareceu que o entendimento do STJ está no sentido de descartar a possibilidade do desconto pretendido quando os serviços são utilizados em atividade de comércio, o que já está proibido desde o Decreto-Lei 406/68 e pelo Convênio 66/88.

“Com a Lei Complementar 87/96 houve uma maior restrição ao creditamento do ICMS, porque a proibição se estendeu às hipóteses em que os serviços não fizessem parte da atividade precípua do estabelecimento”, explicou a ministra.

No caso, a Associação entrou com pedido de Mandado de Segurança contra ato do secretário da Receita do Rio de Janeiro, para o aproveitamento de créditos relativos ao recolhimento de ICMS sobre a aquisição de bens destinados ao ativo fixo de energia e de telefonia do seu estabelecimento comercial, sem as limitações impostas pela LC 87/96 e suas modificações posteriores.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou o pedido e a Associação recorreu ao STJ. Argumentou que tem direito à compensação do ICMS, pois a cláusula de não-cumulatividade não é mera norma programática, não traduz recomendação e sequer apresenta cunho didático ou ilustrativo, caracterizando, na realidade, diretriz constitucional imperativa.

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou o recurso. A ministra Eliana Calmon ressaltou que a utilização do crédito do ICMS sempre sofreu restrição e o legislador sempre agiu com cuidado para não desrespeitar o princípio constitucional da não-cumulatividade e com prudência para não agredir a arrecadação dos estados, privilegiando a atividade produtiva.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.521 – RJ (2005⁄0017662-6)

RECORRENTE: ASSOCIAÇÃO DO COMÉRCIO FARMACÊUTICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – ASCOFERJ

ADVOGADO: DENISE CORREIA BORGES E OUTROS

T. ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

IMPETRADO: SECRETÁRIO DE RECEITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RECORRIDO: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: CARLOS AUGUSTO ZANANDREA E OUTROS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: A ASSOCIAÇÃO DO COMÉRCIO FARMACÊUTICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – ASCOFERJ impetrou mandado de segurança contra ato do SECRETÁRIO DA RECEITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, objetivando o aproveitamento de créditos relativos ao recolhimento de ICMS sobre a aquisição de bens destinados ao ativo fixo de energia e de telefonia do seu estabelecimento comercial, sem as limitações temporais impostas pela LC 87⁄96 e suas modificações posteriores (LCs 102⁄00 e 114⁄02).

Sustentou a impetrante que:

a) a competência da Lei Complementar instituída pela Carta Republicana não pode jamais implicar restrição ou limitação ao direito de abatimento de todo o ICMS incidente nas operações e prestações anteriores;

b) não pode o legislador complementar determinar ou especificar os bens, produtos, mercadorias e serviços que permitem ou não o crédito do imposto nem tampouco fracionar esse direito a período de tempo como melhor lhe convier;

c) o legislador complementar deve estrita obediência às diretrizes constitucionais e seus princípios superiores, não podendo subverter a ordem jurídica e os postulados econômicos;

d) a LC 102⁄2000, cumulada com a LC 114⁄2002, que restringe o direito dos contribuintes de utilizar todos os créditos de ICMS oriundos de operações anteriores, é completamente inconstitucional.

O acórdão do Tribunal de origem restou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DOS VALORES RECOLHIDOS A TÍTULO DE ICMS. USO E CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA E TELEFONIA. PRELIMINARES REJEITADAS. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.

Se a autoridade apontada como coatora presta informações defendendo o ato atacado, adequada se mostra a legitimidade passiva da impetração, sendo certo, ademais, que, nesta espécie mandamental, a inocorrência de direito líquido e certo é matéria que leva à improcedência do pedido e não à extinção do processo sem exame do mérito, por alegada carência de ação.

É notório o descabimento da via mandamental quando se exige dilação probatória em profundidade, inclusive reclamando exame pericial na escrita contábil de cada uma das filiadas da associação impetrante, que não se sabe quem são quanto mais para o o modo de aproveitamento dos supostos créditos tributários titulados por essas filiadas, que seriam posteriormente verificados pela Autoridade Fiscal e também quando se postula a declaração incidental da inconstitucionalidade dos dispositivos das Leis Complementares que o pedido sublinha


(fl. 139⁄140)

Contra esse entendimento, insurge-se o impetrante, argumentando que:

a) doutrina e jurisprudência entendem cabível o mandado de segurança preventivo, com efeitos declaratórios, em casos de iminente autuação fiscal decorrente do dever funcional das autoridades fiscais de questionar o procedimento que a impetrante pretende adotar quanto ao creditamento;

b) o creditamento fiscal independe de qualquer lei, uma vez que a sua eficácia está amparada em norma constitucional;

c) tem direito irrestrito e irrenunciável à compensação do ICMS, pois a cláusula de não-cumulatividade não é mera norma programática, não traduz recomendação e sequer apresenta cunho didático ou ilustrativo, caracterizando, na realidade, diretriz constitucional imperativa;

d) a EC 87⁄96 limitou o direito ao aproveitamento dos créditos dos bens de uso e consumo da empresa, marcando uma data a partir da qual os contribuintes poderiam efetivamente se creditar;

e) o crédito de ICMS jamais poderia ser físico, mas financeiro, o que implica que o creditamento do imposto em relação aos bens adquiridos para o ativo fixo destinados a uso e consumo do estabelecimento é um direito e não um favor do Fisco estadual;

f) a impossibilidade de se aproveitar dos créditos de ativo fixo e de bens de uso e consumo desde o advento da Constituição de 1988 bem como a vedação ao creditamento imediato dos bens de uso e consumo fez com que o regime constitucional – a não-cumulatividade do tributo – fosse ferido desde o início da sua vigência ou, em outras palavras, até a edição da Lei Complementar reparadora da ilegalidade oficial, o ICMS teria sido cobrado com efeito cumulativo;

g) não pode haver vedação ao creditamento retroativo do ICMS oriundo das aquisições de bens destinados ao ativo fixo e ao uso e consumo do estabelecimento do contribuinte;

h) o art. 23 da LC 87⁄96 limita inconstitucionalmente o exercício do direito ao crédito porque o condiciona à idoneidade da documentação. Para que seja cumprida a prerrogativa constitucional que detêm as filiadas da impetrante, a lei complementar deveria estabelecer o livre exercício do direito ao crédito, mas condicionar seu referendo a posterior análise documental por parte do Fisco. Desse modo, estar-se-ia homenageando a dicção da Lei Maior, pois a exceção (documentação inidônea) seria tratada como exceção, ficando a Fazenda Estadual com possibilidade de apuração de fraudes sem limitação prévia do Direito.

i) as Leis Complementares 87⁄96, 92⁄97, 99⁄99 postergaram o aproveitamento dos créditos e a LC 102⁄00 limitou o direito constitucionalmente assegurado de aproveitar os créditos decorrentes da aquisição de bens destinados ao ativo ou materiais de uso e consumo;

j) a LC 102⁄00 vedou o aproveitamento imediato dos créditos de ICMS, ferindo o princípio da não-cumulatividade e determinando que ele somente poderá ser feito em 48 horas, sem a inclusão de qualquer espécie de correção monetária, fato que cria verdadeira modalidade de empréstimo compulsório. Além disso, vedou a utilização para os estabelecimentos industriais dos créditos de ICMS decorrentes da aquisição de serviços de telecomunicações bem como dos valores de energia elétrica não comprovadamente utilizados na industrialização;

k) a intenção do governo parece ser prorrogar ao máximo esse aproveitamento, pois, com o projeto da reforma tributária em andamento no Congresso Nacional, o ICMS será extinto e não haverá possibilidade desse creditamento, fato inconstitucional. Considerando o disposto no art. 60, § 4º, CF, que veda a revogação de direitos e garantias individuais, nem se fosse por meio de emenda constitucional dita prerrogativa poderia ser violada.

Para defender sua tese, traz à colação jurisprudência desta Corte.

Com as contra-razões, vieram-me conclusos os autos.

Ouvido, opinou o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.521 – RJ (2005⁄0017662-6)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE: ASSOCIAÇÃO DO COMÉRCIO FARMACÊUTICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – ASCOFERJ

ADVOGADO: DENISE CORREIA BORGES E OUTROS

T. ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

IMPETRADO: SECRETÁRIO DE RECEITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RECORRIDO: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: CARLOS AUGUSTO ZANANDREA E OUTROS

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): – O meu entendimento pessoal foi contrário à utilização do mandado de segurança para efeito declaratório tão-somente, diante da natureza mandamental do provimento contido na sentença que venha a conceder a segurança. Somente quando denegatória a decisão é que tem ela efeito declaratório, eis que declara a legalidade do ato impugnado.


Esta Corte tem admitido algumas exceções como, por exemplo, para a só declaração de que é compensável o crédito tributário, o que ensejou a edição da Súmula 213⁄STJ.

Também excepcionou a utilização do mandado de segurança para a compensação do ICMS pago “a maior” pelo substituto tributário, em hipótese que se assemelha à presente e que tem como leading case o RMS 9.677⁄MS, julgado pela Primeira Seção, DJ de 23⁄04⁄2001, relatado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, assim ementado:

TRIBUTÁRIO – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – FATO GERADOR PRESUMIDO – VENDA EFETIVADA MEDIANTE PREÇO MENOR QUE O VALOR ESTABELECIDO NA PAUTA FISCAL – DIREITO À COMPENSAÇÃO.

– É lícito ao contribuinte substituído efetuar compensação do tributo recolhido a maior, em adiantamento, pelo substituto, quando à venda geratriz do tributo tenha correspondido preço inferior àquele previsto na pauta fiscal.

Nesta linha de raciocínio, tenho acompanhando a decisão pretoriana, como demostram os seguintes arestos:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – PAGAMENTO ANTECIPADO FEITO A MAIS.

1. Está pacificado, nesta Corte, o entendimento de que a correção monetária incidente sobre os créditos tributários escriturais, por força do art. 3º, § 1º do Decreto-lei 406⁄68, é matéria de competência legislativa estadual que não pode ser examinada em sede de recurso especial.

2. A Primeira Seção desta Corte reconheceu a viabilidade do mandado de segurança para efeito de declarar como direito do substituto tributário o creditamento do valor pago a mais, antes da ocorrência do fato gerador.

3. Como se trata de tutela declaratória, onde não há discussão de valores, não incide o óbice da prescrição e da decadência do mandado de segurança.

4. Recurso especial improvido.

(REsp 324.366, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, unânime, DJ de 08⁄04⁄2002)

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – PAGAMENTO ANTECIPADO FEITO “A MAIOR”.

1. A Primeira Seção desta Corte reconheceu a viabilidade do mandado de segurança para efeito de declarar como direito do substituto tributário o creditamento do valor pago “a maior”, antes da ocorrência do fato gerador.

2. Como se trata de tutela declaratória, onde não há discussão de valores, não incide o óbice da prescrição e da decadência do mandado de segurança.

3. Recurso especial improvido.

(REsp 279.484⁄SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, unânime, DJ de 18⁄02⁄2002)

Sobre o cabimento do mandamus ainda trago à colação os precedentes abaixo transcritos:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. REGULAMENTO ESTADUAL. EFEITOS CONCRETOS. CABIMENTO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO REDUZIDA. CRÉDITO DO TRIBUTO REFERENTE Á OPERAÇÃO ANTERIOR. PROIBIÇÃO DE APROVEITAMENTO INTEGRAL. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. VIOLAÇÃO À LEI COMPLEMENTAR 87⁄96.

I – Admite-se mandado de segurança contra lei de efeitos concretos, revestida de caráter de ato administrativo.

II – Conhece do recurso especial interposto contra acórdão que se assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, distintos e suficientes para determinarem o desfecho adequado da lide.

II – É de patente ilegalidade a conduta fiscal que determina ao contribuinte estorno proporcional do imposto creditado, sempre que a mercadoria que deu entrada no estabelecimento, quando da operação subseqüente, tiver sua base de cálculo reduzida para fins de incidência do imposto.

III – Ofensa à Lei Complementar 87⁄96, que disciplina o regime da compensação de crédito do ICMS. Princípio da não-cumulatividade.

IV – Recurso provido.

(REsp 343.800⁄MG, Relator Ministro Paulo Medina, 2ª Turma, DJ de 31⁄03⁄2003, página 00195).

PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA: PROPRIEDADE – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE – PAGAMENTO “A MAIOR” ANTECIPADO.

1. A utilização do mandado de segurança para discutir-se sobre o direito de repetição do valor pago antecipadamente “a maior” foi consagrada pela Primeira Seção (ROMS 9.677⁄MS).

2. Tese jurídica que, sem envolver valores, não enseja dilação probatória ou implica em obtenção de efeitos anteriores à impetração.

3. Recurso especial provido.

(REsp 290.014⁄SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, unânime, DJ de 08⁄04⁄2002, página 00177).

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ICMS. RESTITUIÇÃO DE DIFERENÇAS EM FACE DO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. PRECEDENTES.

– O mandado de segurança se presta para viabilizar a restituição dos valores correspondentes à diferença entre a base de cálculo para retenção do ICMS, fato gerador presumido, e o preço real da venda da mercadoria.


Precedente da 1ª Seção (RMS nº 9.677-MS, relator o Ministro Humberto Gomes de Barros)

– Agravo regimental provido.

(AGREsp 265.052⁄SP, Relator Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ de 01⁄07⁄2002, página 00223).

Na hipótese dos autos, pretende a associação impetrante, através de mandado de segurança preventivo, discutir o direito ao creditamento do ICMS pago na aquisição de serviços de energia elétrica e de comunicações, bem como de bens destinados ao ativo, questionando as LC’s 102⁄2000 e 114⁄2002 que, ao alterar a LC 87⁄96, inconstitucionalmente fixaram em 48 (quarenta e oito) meses o prazo para apropriação, bem como restringiram o direito dos contribuintes de utilizar todos os créditos do ICMS oriundos de operações anteriores.

Observe-se que se questiona a sistemática do creditamento em face de lei de efeitos concretos, sendo desnecessária a produção de provas. Daí o cabimento do mandado de segurança.

Por outro lado, doutrina e jurisprudência têm entendimento sedimentado de que, sem agressão à Súmula 266⁄STF, se a lei tem efeitos concretos e já nasce ferindo direito subjetivo, o mandado de segurança é via adequada para a recomposição desse direito.

O STF, em diversos precedentes, tem proclamado o cabimento do mandado de segurança contra lei em tese, quando se trata de lei formal, e em sua substância, é ato administrativo. Nesse sentido, o MS 20.357-2, publicado no DJU de 27.02.81, pag. 1.304.

A tolerância da jurisprudência no uso da via mandamental contra lei em tese tem precedentes, em se tratando de mandado de segurança preventivo, quando a só publicação da lei, independentemente da sua concretização por ato de autoridade, já traga conflito de interesses.

Em artigo doutrinário, publicado na Revista de Processo n. 44, leciona Rodolfo de Camargo Mancuso:

Pensamos que, desses subsídios até agora colacionados, duas conclusões básicas são possíveis:

a) quando o Judiciário admite mandado de segurança “contra lei em tese”, o faz a título excepcional e, de todo modo, não é a lei em si que resta infirmada, e sim a situação individual do impetrante que resta subtraída aos efeitos da lei em causa;

b) a permissibilidade do writ, nesses casos, é restrita às leis de destinação específica, efetivamente auto-executória, ou seja, self enforcing como as denomina a doutrina; tais leis, repita-se, têm o continente de fórmula legislativa, mas o conteúdo de ato administrativo.

(obra citada, pág. 80)

Dentro desse enfoque, temos, na hipótese dos autos leis complementares que, sem necessidade de outros comandos, limitam, de imediato, o creditamento do ICMS relativo à aquisição de bens destinados ao ativo fixo, de entrada de energia elétrica e de utilização de serviços de telefonia.

Como se vê, tais comandos trazem prejuízos concretos e imediatos aos referidos estabelecimentos. Assim, entendo superável a preliminar de não-cabimento de mandado de segurança contra lei em tese, pois tem o mandamus caráter preventivo, sendo certo que o comando da referida lei atinge a esfera jurídica dos substituídos da impetrante.

Caberia, em princípio, a esta Corte determinar o retorno dos autos à instância de origem para o exame do mérito do mandamus.

Não obstante, entendo cabível a aplicação, in casu, do art. 515, § 3º, do CPC.

Sem pretender suprimir a instância primeira, não obstante entendimento jurisprudencial em sentido contrário, tenho considerado que, na espécie, pode esta Corte avançar, pois a causa está madura, como consta do art. 515, § 3º, do CPC, assim redigido:

Art 515. A apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

(….).

§ 3º. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

O recurso ordinário em mandado de segurança assemelha-se à apelação, podendo, assim, aplicar-se a norma transcrita. E a prova maior da assertiva é que, em sede de mandado de segurança, discute-se apenas questão de direito, restando vedada a dilação probatória.

Admitindo a aplicação da norma em comento em recurso em mandado de segurança, colaciono os seguintes julgados do STJ:

ADMINISTRATIVO – PROCESSO CIVIL – ESCOLTA DE PRESOS – POLÍCIA CIVIL X POLÍCIA MILITAR.

1. O Sindicato e a Associação dos Policiais Civis têm direito líquido e certo de verem dirimida pelo Judiciário a questão da divisão de suas atribuições, pela confusão que reina em razão das atribuições da Polícia Militar.

2. Afastado o óbice da impropriedade da via eleita e que extinguiu o processo sem exame do mérito, pode o STJ, com respaldo no art. 515, § 3º, do CPC, examinar o mérito do mandamus.


3. As polícias civil e militar têm atribuições específicas estabelecidas em lei estadual.

4. A escolta de presos para apresentação à Justiça é geralmente atribuição da Polícia Militar, o que também ocorre no Estado de Minas Gerais, por força da Lei Estadual 13.054⁄98.

5. Recurso ordinário provido.

(RMS 19.269⁄MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 26.04.2005, DJ 13.06.2005 p. 215)

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE CIVIL. PEDIDO DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE CONTRIBUINTES DE ISS DO DF. ATO DE COMPETÊNCIA DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. LEGITIMIDADE DO SECRETÁRIO DE ESTADO.

1. Sendo o ato administrativo de competência da Secretaria de Estado de Fazenda, a ausência de clara atribuição de competência para a sua prática, nas normas que disciplinam a estrutura interna do órgão, não pode resultar em prejuízo ao administrado, obstaculizando-se a impetração por ausência de autoridade legitimada.

2. Legitimidade do Secretário de Estado de Fazenda do Distrito Federal para figurar como autoridade impetrada.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REFORMA DO ACÓRDÃO QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. VIABILIDADE DO IMEDIATO EXAME DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO, ATENDIDOS OS PRESSUPOSTOS DO ART. 515, § 3º DO CPC.

1. Reformando o acórdão que extinguiu o processo sem julgamento de mérito, cumpre ao STJ apreciar, desde logo, o mérito da impetração, se presentes os pressupostos do art. 515, § 3º do CPC, aplicável por analogia.

2. No caso dos autos, a questão de mérito é exclusivamente de direito e não há empecilho ou pendência a inviabilizar a sua apreciação.

DIREITO TRIBUTÁRIO. INSCRIÇÃO DE SOCIEDADE NO CADASTRO DE CONTRIBUINTES. SÓCIO EM DÉBITO COM O FISCO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE. ILEGALIDADE DO ART. 13, CAPUT, DO DEC. 16.128⁄94-DF.

1. O art. 13, caput, do Decreto 16.128⁄94-DF, que condiciona a inscrição no cadastro fiscal à inexistência de débito do titular, padece de vício de ilegalidade, uma vez que não há, nas disposições legais atinentes ao ISS, qualquer dispositivo que condicione a inscrição da pessoa jurídica no cadastro de contribuintes à inexistência de débitos do sócio inscritos em dívida ativa.

2. Ademais, conforme orientação assentada na jurisprudência do STF (súmulas 70, 323 e 547) e do STJ, é ilegítima a criação de empecilhos ou sanções de natureza administrativa como meio coercitivo para pagamento de tributos, em substituição das vias próprias, nomeadamente as da Lei 6.830⁄80 (Lei de Execução Fiscal).

3. Recurso provido, para conceder a ordem.

(RMS 16.961⁄DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03.05.2005, DJ 23.05.2005 p. 149)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO DO MANDAMUS CONTRA ATO DE JUIZ SINGULAR DO JUIZADO ESPECIAL. CABIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. REFORMA DO JULGADO. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DA MATÉRIA MERITÓRIA POR ESTA CORTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 515, § 3º, DO CPC. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA AJUIZADA NO JUIZADO ESPECIAL ESTADUAL. UTILIZAÇÃO DO RITO DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO DO ART. 20 DA LEI N.º 10.259⁄2001. NÃO-APLICAÇÃO ÀS CAUSAS PREVIDENCIÁRIAS. ART. 109, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. Cabível a impetração do mandado de segurança contra decisão irrecorrível de Juiz singular do Juizado Especial.

2. Presentes os pressupostos estabelecidos no § 3º, do art. 515 do Código de Processo Civil, aplica-o por analogia ao recurso ordinário de mandado de segurança, apreciando-se, portanto, desde logo o mérito da impetração.

3. A proibição expressa na parte final do art. 20 da Lei dos Juizados Especiais Federais não se aplica às causas previdenciárias, diante do que dispõe o § 3º, do art. 109 da Carta Magna. Precedente desta Corte.

4. Na interpretação do novo texto infraconstitucional é importante observar o princípio da supremacia da Constituição, bem como a viabilização do acesso à justiça.

5. Recurso conhecido, mas desprovido.

(RMS 17.113⁄MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24.08.2004, DJ 13.09.2004 p. 264)

A questão de fundo do presente recurso é eminentemente constitucional, eis que o tema central da controvérsia é violação ao princípio constitucional da não-cumulatividade, constante do art. 155, § 2º, I, da CF⁄88, pela alterações da Lei Complementar 87⁄96 trazidas pelas Leis complementares 102⁄2000 e 114⁄2002. Entretanto, pode a matéria ser examinada neste Tribunal, o qual funciona nos julgamentos dos recursos ordinários em mandado de segurança como Tribunal de Apelação.

Na base fática temos o entendimento da recorrente no sentido de ter direito a creditar-se dos valores do ICMS incidentes sobre a energia elétrica por ser esta mercadoria, não transporte, destinada ao consumo do estabelecimento (doc. fl. 20).


O entendimento desta Corte é no sentido de descartar por inteiro a possibilidade de haver o desconto pretendido quando os serviços são utilizados em atividade de mero comércio, o que aliás já vinha proibido desde o DL 406⁄68 e continuou a sê-lo pelo Convênio 66⁄88.

Com a Lei Complementar 87⁄96 houve uma maior restrição ao creditamento do ICMS, porque a proibição se estendeu às hipóteses em que os serviços não fizessem parte da atividade precípua do estabelecimento.

O entendimento, insculpido no princípio constitucional da não-cumulatividade, sempre foi o de evitar a oneração excessiva do processo industrial, com a tributação em cascata da matéria-prima e dos serviços relacionados com a atividade específica do estabelecimento.

Observe-se, portanto, que a utilização do creditamento do ICMS sempre sofreu restrição, agindo o legislador com cuidado para não desrespeitar o princípio constitucional da não-cumulatividade, mas com prudência para não agredir a arrecadação dos Estados, privilegiando a atividade produtiva, como é do escopo do instituto do creditamento.

A LC 102⁄2000, ao introduzir alterações na LC 87⁄96, estabeleceu as restrições seguintes:

a) o contribuinte podia aproveitar o crédito do ICMS pelas aquisições para o ativo permanente, integralmente e de imediato; mas o aproveitamento passou a dar-se ao longo de 48 meses;

b) em relação à energia elétrica, o aproveitamento do ICMS dava-se quando a energia fosse utilizada no processo de industrialização, visto que tal restrição já estava explicitada antes da LC 87⁄96, pelo Convênio 66⁄88, art. 31. Não houve alteração substancial restritiva para o consumidor com a nova redação dada ao art. 33 da referida lei complementar. O novo dispositivo apenas deixou mais explicitadas as hipóteses, ou seja:

1) quando fosse objeto de operação de saída a própria energia elétrica, o que não se aplica à espécie em julgamento;

2) igual à hipótese antecedente, ou seja, quando fosse consumida no processo de industrialização. Apenas houve mudança de nomenclatura pois o legislador, no inciso III do art. 31 do Convênio 66⁄88, usou a expressão “UTILIZADOS NO PROCESSO INDUSTRIAL”;

c) em relação aos serviços de telecomunicações, de igual forma, não houve alteração a partir da LC 87⁄96, porque o Convênio 66⁄88, no mesmo art. 31 deixou consignado que o creditamento só poderia ser feito pelos estabelecimentos que prestassem os mesmos serviços.

A LC 114⁄2002, dando nova redação aos incisos I, II, “d” e IV, “c” do art. 33 da LC 87⁄96, postergou para 1º de janeiro de 2007 o aproveitamento escalonado previsto pela LC 102⁄2000.

Assim sendo, conclui-se que a inovação substancialmente efetiva foi o aproveitamento escalonado em 48 meses, porque as alterações apontadas pela empresa já estavam contempladas anteriormente. Aliás, esta Turma, examinando a querela antes da LC 102⁄200, à unanimidade, decidiu:

TRIBUTÁRIO – ICMS – COMPENSAÇÃO DO ICMS DAS CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICA E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO: PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE – INAPLICABILIDADE DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL VISANDO REDUÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA.

1. A utilização de energia elétrica e serviços de telecomunicação por empresa comercial não podem ser tratadas como insumos para efeito de compensação com o montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes.

2. Previsão expressa do não creditamento (incisos II e IV do art. 31 do Convênio 66⁄88), ratificado no artigo 20, § 1º, da Lei Complementar 87⁄96.

3. Inaplicabilidade de dispositivos do Código Civil visando redução de multa decorrente do cometimento de infração formal, no âmbito do direito administrativo.

4. Recurso especial improvido.

(REsp 518.656⁄RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, unânime, julgado em 18⁄03⁄2003, DJ de 03⁄05⁄2004, página 268)

Estabelecida a diferença constante da legislação apontada como ilegal, diante do princípio constitucional, temos que não há óbice em escalonar o legislador ordinário a outorga de um crédito concedido sob a rubrica da isenção.

Nesta Corte, a Primeira Turma já se posicionou a respeito do tema, seja em relação aos aspectos das alterações, seja em relação ao pagamento escalonado.

De referência ao pagamento parcelado, em 48 meses, ficou assentado no AgRg AG 577.634⁄PR, relator Ministro Luiz Fux:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO 544 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA .ICMS. PRETENDIDA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS EM UMA SÓ PARCELA, NOS MOLDES DA LEI COMPLEMENTAR 87⁄96 E DECRETO ESTADUAL 2736⁄96 – INSURGÊNCIA CONTRA EFEITOS DECORRENTES DA NOVA LEGISLAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR 102⁄2000. OFENSA AO ART. 1.º DA LEI 1.533⁄51 E 170 DO CTN. CONTROVÉRSIA ACERCA DA EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO PEDIDO DO RECURSO ESPECIAL. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 07 DO STJ.

1. A aferição da existência de direito líquido e certo acerca do creditamento de ICMS em única parcela, demanda, in casu, a indispensável reapreciação do conjunto probatório discutido na sentença e confirmado pelo acórdão recorrido, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude do preceituado na Súmula n.º 07⁄STJ.

2. Agravo de instrumento desprovido.

(AgRg⁄AG 577.634⁄PR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, unânime, julgado em 02⁄12⁄2004, DJ de 28.02.2005, página 200)

No julgamento do RMS 19.175⁄SC, por mim relatado, esta Primeira Seção acolheu por unanimidade o entendimento aqui preconizado, sendo aquela a primeira oportunidade em que esta Corte enfrentou as questões trazidas na Lei Complementar 102⁄2000, agora corroboradas pela Lei Complementar 114⁄2002.

Com estas considerações, nego provimento ao recurso.

É o voto.

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