Futebol no STJ

Leia decisão do STJ que suspende sentenças sobre brasileirão

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5 de dezembro de 2005, 17h35

Leia a decisão da ministra Nancy Andrighi da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que suspendeu sentenças da Justiça gaúcha e fluminense com relação ao campeonato brasileiro. A ministra entendeu que os fatos levantados pelo advogado Leandro Konrad Konflanz, de que haveria um conflito de competências, devem ser apurados pelas autoridades competentes.

O advogado afirmou que o conflito estaria configurado já que existem duas decisões contraditórias tomadas em estados diferentes. Em uma ação proposta na Justiça gaúcha, o juiz da 1ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre entendeu que a decisão que anulou as partidas seria inconstitucional e deu liminar, suspendendo a decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Na outra, o juiz de direito da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro manteve a anulação dos jogos imposta pela Justiça.

A ministra conheceu o conflito de competência e designou a 1ª Vara Cível de Porto Alegre para resolver as medidas urgentes, em caráter provisório. E também determinou que seja enviada cópia integral sobre o conflito de competência “aos Ministérios Públicos Federal e Estadual do Rio de Janeiro, à Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; e ao Conselho Nacional de Justiça, para que sejam apuradas, de acordo com as respectivas atribuições constitucionais de cada instituição, as alegações do ora suscitante a respeito da prática de eventuais ilícitos”.

Leia a íntegra da decisão:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 57.062 – RS (2005/0202061-3)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

AUTOR : LEANDRO KONRAD KONFLANZ

RÉU : CONFEDERACAO BRASILEIRA DE FUTEBOL – CBF E OUTRO

AUTOR : GRÊMIO RECREATIVO TORCIDA ORGANIZADA DO VASCO

RÉU : CONFEDERACAO BRASILEIRA DE FUTEBOL – CBF

SUSCITANTE : LEANDRO KONRAD KONFLANZ

ADVOGADO : TOMÁS CUNHA VIEIRA E OUTROS

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 8A VARA EMPRESARIAL DO RIO DE JANEIRO – RJ

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE PORTO ALEGRE – RS

DECISÃO

Trata-se de conflito positivo de competência entre ações distintas, suscitado por LEANDRO KONRAD KONFLANZ, conflito esse que se verificaria entre o Juízo da 8ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e o Juízo da 1ª Vara Cível (2º Juizado), do Foro Central de Porto Alegre/RS.

Alega o suscitante que propôs, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS, em face da CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF) e do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA (STJD), uma ação, sob o rito ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela para o fim de que:

(i) fosse determinada a suspensão dos efeitos da decisão proferida pelo presidente do STJD, Dr. Luiz Zveiter, que anulou onze (11) jogos da Série “A” do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2005, com fundamento em suspeita de manipulação de resultados pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho;

(ii) fosse oficiada a União Federal – Ministério do Esporte – para que, por meio de seu Conselho Nacional do Esporte – CNE, exercesse função coordenadora e fiscalizadora, tomando ciência das alegadas irregularidades no processo que tramitou perante o STJD; e

(iii) fosse oficiado o Departamento Técnico da CBF para que cumprisse a decisão liminar antecipatória dos efeitos da tutela, caso deferida, sob pena de prisão.

No mérito, requereu a declaração: (i) da nulidade da decisão controvertida, proferida pelo Presidente do STJD; e (ii) da inaplicabilidade do art. 231 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e, incidentalmente, sua inconstitucionalidade. O referido art. 231 estabelece, para o clube que “pleitear, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, matéria relativa à disciplina e competições perante o Poder Judiciário, ou beneficiar-se de medidas obtidas pelos mesmos meios por terceiro”, a pena de “exclusão do campeonato ou torneio que estiver disputando e multa de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)”.

A antecipação dos efeitos da tutela foi deferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Porto Alegre em 18 de novembro de 2005, nos seguintes termos:

“Em razão do exposto, DEFIRO o pedido liminar e concedo a antecipação da tutela ao autor. DETERMINO a suspensão dos efeitos da decisão proferida pelo Presidente do STJD, Dr. Luiz Zveiter e RESTABELEÇO a situação existente antes da decisão liminar proferida, pois afasto os efeitos que a decisão do Presidente do STJD ocasionou, até decisão final na presente ação”. (fls. 64/STJ)

Ocorre que, antes da propositura dessa ação, o GRÊMIO RECREATIVO TORCIDA ORGANIZADA DO VASCO, a TORCIDA FORÇA FLU – ORGANIZADA DO FLUMINENSE FOOTBA (sic) e GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL TORCIDA ORGANIZADA FÚRIA JOVEM DO BOTAFOGO haviam proposto, em face também da CBF, perante a 8ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, RJ, uma “Ação de Conhecimento de Obrigação de Fazer”, visando à concessão de liminar antecipatória dos efeitos da tutela que:


(i) ordenasse à CBF o irrestrito cumprimento da decisão proferida pelo Presidente do STJD, de modo que se realizassem novamente as 11 partidas anuladas; e

(ii) estabelecesse multa diária de R$ 20.000,00 para o descumprimento dessa obrigação. No mérito, requereu-se nesse processo a confirmação da decisão liminar antecipatória dos efeitos da tutela.

No presente conflito de competência, a alegação do suscitante é de existência de duas decisões antagônicas, solicitando o estabelecimento da competência do Juízo de Porto Alegre para o julgamento de ambas as ações.

Relatado o processo, decido.

I – Dos requisitos para o reconhecimento de conflito positivo de competência.

O reconhecimento de conflito positivo de competência suscitado em relação a duas ações diversas depende, segundo a jurisprudência do STJ, da ocorrência de conexão entre elas. Nesse sentido, cite-se, a título exemplificativo, o CC nº 43.426/DF, 2ª Seção, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 21/11/05.

Portanto, cinge-se a discussão em saber se há conexão entre a ação proposta pelo ora suscitante, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS, em face da CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF) e do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA (STJD) e a ação proposta pelo GRÊMIO RECREATIVO TORCIDA ORGANIZADA DO VASCO, a TORCIDA FORÇA FLU – ORGANIZADA DO FLUMINENSE FOOTBA (sic) e GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL TORCIDA ORGANIZADA FÚRIA JOVEM DO BOTAFOGO também em face da CBF, perante a 8ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro/RJ.

Nos termos do art. 103 do CPC, a existência de conexão entre duas ou mais ações é definida mediante o exame dos seus pedidos e de suas causas de pedir, sendo irrelevante, para tanto, a análise de eventual identidade de partes (que só importa para a ocorrência de litispendência).

Com efeito, conforme anotam Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery, ao comentarem o art. 103, do CPC: “A igualdade de todos os componentes da causa de pedir (próxima e remota) é exigida para a configuração de litispendência ou coisa julgada, que se caracterizam quando há duas ou mais ações idênticas (CPC 301 § 2.°). Uma ação só é idêntica à outra se contiverem ambas as mesmas partes, o mesmo pedido (mediato e imediato) e a mesma causa de pedir (próxima e remota).” (Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 7.ª edição, rev. e ampl., São Paulo: RT, 2003, pág. 504). Neste sentido é também o entendimento assentado no RMS n.° 2.502/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 21.02.1994.

Nesta linha de raciocínio, consoante a lição de Barbosa Moreira, “constitui-se a causa petendi do fato ou do conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito jurídico por ele visado.” (O Novo Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 15-16).

Por sua vez, José Rogério Cruz e Tucci, ao tratar do conteúdo e classificação da causa de pedir, assinala que: “Mais precisamente, compõem a causa petendi o fato (causa remota) e o fundamento jurídico (causa próxima).” (A causa petendi no processo civil, São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001, p.154)

Assim, a solução da questão deve ser feita pela análise da composição da causa de pedir de cada uma das ações.

a) Da causa de pedir da ação proposta perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS.

A causa de pedir da ação proposta perante o Juízo de Porto Alegre é a nulidade da decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos, conforme se constata pela análise do seguinte trecho da petição inicial:

“A decisão proferida pelo Dr. ZVEITER, Presidente do STJD, como se viu, é NULA, porquanto:

a) inobserva os artigos 1.° e 5.° da Carta Federal, nos incisos já indicados, que superam quaisquer outros dispositivos, da própria Constituição e da legislação infraconstitucional;

b) proferida ao arrepio do inciso LV, do art. 5º; par. único, inciso I, do art. 95, todos da CF, este último combinado com o art. 36;

c) viola o 37 do CBJD;

d) fere os artigos 34, 35 e 36 da Lei nº 10.671/93;

e) não obedece o regulamento da competição (anexo) e, principalmente, o parágrafo único do art. 275 do CBJD.

[…] omissis

Os atos praticados pelo STJD, ora em foco, estão maculados pela discricionariedade e pela ilegalidade, contrariando interesses da cidadania e primários princípios que informam o estado democrático de direito” (sic – fls. 52/56-STJ).

Portanto, a causa de pedir remota da ação proposta perante o juízo de Porto Alegre é a decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos; e a causa de pedir próxima é a nulidade dessa decisão.

b) Da causa de pedir da ação proposta perante a 8ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.


Na ação proposta perante o Juízo do Rio de Janeiro, a causa de pedir é a prevalência da decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos, sob o fundamento de que compete exclusivamente à Justiça Desportiva decidir a respeito do destino de tais jogos, cabendo ao Poder Judiciário exclusivamente imprimir, se necessário, força executiva ao decidido. É o que deflui da leitura do seguinte trecho da petição inicial:

“Na dicção dos princípios regentes da Justiça Desportiva, alinhados no artigo 2.° do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o ilustradíssimo senhor Auditor Presidente do Superior Tribunal Justiça Desportiva concedeu medida liminar para anular as onze partidas arbitradas pelo árbitro EDILSON PEREIRA DE CARVALHO pela Série ‘A’ do Campeonato Brasileiro de 2.005. Determinava, ainda, a nova realização das partidas sem a venda de ingressos. Seja pelo preceito da legalidade ou pela linguagem da moralidade, a mão firme da Presidência rechaçou com maestria o aranzel procrastinatório.

[…] omissis

Dentre as múltiplas conquistas dos torcedores estão os preceitos básicos da Justiça Desportiva: impessoalidade, moralidade, celeridade, publicidade e independência. Entrelaçam-se os interesses.

Os torcedores exigem respeito e absoluta fidelidade às regras preestabelecidas, não sendo possível admitir qualquer espécie de modificação ou intervenção na seara desportiva, sob pena de destruição de todas as conquistas.

A intervenção ocasional e oportunista deve ser rechaçada com absoluta veemência. Não há mais espaço para as denominadas ‘viradas-de-mesa’ . A questão reside em sede constitucional – o mérito desportivo cabe privativamente à Justiça Desportiva. O critério é exclusivamente meritório. Por outro lado, deve incidir a soberania da Justiça Desportiva, única instância dotada de competência para dissipar os conflitos do terreno desportivo” (fls. 9596/STJ – grifos e destaques no original).

Assim, a causa de pedir remota da ação proposta perante o Juízo do Rio de Janeiro também é a decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos; e a causa de pedir próxima é a prevalência dessa decisão, sob o fundamento de que compete exclusivamente à Justiça Desportiva decidir a respeito do destino de tais jogos.

Como se percebe, tanto na ação proposta no Juízo de Porto Alegre como naquela proposta no Juízo do Rio de Janeiro, a causa de pedir remota é a mesma, qual seja, a decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos apitados pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho. O que difere é apenas a causa de pedir próxima das ações, pois na ação proposta no Juízo de Porto Alegre a causa de pedir próxima é a nulidade da decisão do Presidente do STJD; e na ação proposta no Juízo do Rio de Janeiro essa é a validade da referida decisão.

Contudo, “Para existir conexão, basta que a causa de pedir em apenas uma de suas manifestações seja igual nas duas ou mais ações. Existindo duas ações fundadas no mesmo contrato, onde se alega inadimplemento na primeira e nulidade de cláusula na segunda, há conexão. A causa de pedir remota (contrato) é igual em ambas as ações, embora a causa de pedir próxima (lesão, inadimplemento), seja diferente.” (Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery, Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 7.ª edição, rev. e ampl., São Paulo: RT, 2003, pág. 504). No mesmo sentido é a lição de Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2001, 36a. edição, p. 161).

Esse foi também o entendimento manifestado no AG n.° 458.756/RJ, por mim relatado, DJ 13.09.2002; no REsp n.° 305.835/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 11.11.2002, REsp n.° 256.097/PR, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 16.04.2001, REsp n.° 309.668/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 10.09.2001; CC n.° 25.746/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 2.ª Seção, DJ 25.09.2000; CC n.° 17.588/GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 2.ª Seção, DJ 23.06.1997 e CC n.° 45.297/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 17.10.2005.

Portanto, há conexão entre a ação proposta no Juízo de Porto Alegre com aquela proposta no Juízo do Rio de Janeiro, pois, como dito, a causa de pedir remota é a mesma nas duas ações (há um liame jurídico representado pela decisão do Presidente do STJD que anulou os 11 jogos).

Todavia, para a correta solução deste conflito positivo de competência é imprescindível a análise da acusação, feita pelo suscitante, a respeito da ocorrência de colusão no processo que tramita na Comarca do Rio de Janeiro.

II – Da alegada prática de colusão.

O suscitante alega que a CBF e as associações de torcedores que propuseram a ação no Juízo do Rio de Janeiro agiram em colusão, isto é, serviram-se do referido processo para atingir o objetivo único de atrair para aquele Juízo a competência de eventual discussão judicial a respeito da decisão proferida pelo Presidente do STJD que anulou os 11 jogos apitados pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho.


Nesse sentido, para sustentar tal alegação, o suscitante narra às fls. 08/09-STJ os seguintes fatos:

(i) que na ação proposta perante o Juízo da 8ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro pelas associações de torcedores não havia interesse de agir, por duplo motivo: primeiro, pois não havia “qualquer alegação ou prova” (fls. 08/STJ), de que a CBF havia se recusado a cumprir a decisão proferida pelo Presidente do STJD e, segundo, porque no mesmo dia do ajuizamento da ação

(12.10.05), já estava designado o início da repetição dos jogos;

(ii) que a ação proposta no Juízo do Rio de Janeiro foi distribuída no plantão noturno do dia 11 para o dia 12 de outubro p.p., sem qualquer motivação, ao menos aparente, para tanto e protocolizada apenas no dia 13.10.05 (fls. 85/STJ);

(iii) que o Representante do Ministério Público apontou, em seu parecer proferido no dia 12.10.05, às 03h (três horas) – (fls. 146/STJ), a referida falta de interesse de agir, mas o Juízo desprezou essa circunstância em sua decisão;

(iv) que a CBF deu-se por citada em 18.10.2005, ao invés de aguardar a sua citação pelas vias normais “a fim de exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa” (fls. 155/STJ);

(v) que a CBF retirou os autos do cartório, mantendo-os sob seu poder até o último dia do prazo para defesa (03.11.05);

(vi) que a CBF não contestou o mérito, “não apresentando, em conseqüência, qualquer defesa e fazendo PRECLUSA a oportunidade de deduzi-la”, limitando-se a requerer (fls. 161/STJ) a extinção do processo sem julgamento de mérito (267, VI, do CPC) pela perda de seu objeto, porque em 28.10.05 todas as partidas anuladas já haviam sido renovadas;

(vii) que após o pedido de extinção do processo, no dia 21.11.05, a CBF protocolizou nova petição quando então “informou a existência da ação proposta na 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre” (fls. 09/STJ), na qual deferida, em 18.11.05, liminar de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 62/64/STJ);

(viii) que nessa petição, a CBF requereu, em alegada contradição com seu pedido anterior de extinção do processo sem análise do mérito, que o juízo, “(…) ao julgar a presente demanda, declare, expressamente, a prevalência das decisões proferidas nos autos desta ação em relação a quaisquer outras que tratem dessa mesma matéria” (fls. 164/STJ).

Com essas alegações, pretende o suscitante seja reconhecida a prática de colusão. Como se sabe, a prática de processo simulado – ou colusão – tem por conseqüência “a nulidade absoluta do processo, motivo pelo qual não só pode como deve de ofício agir o juiz.” (Cfr. anota Antonio Dall’Agnol, ao comentar o art. 129 do CPC, in Comentários ao Código de processo civil, v. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 129).

Com efeito, da narrativa desses fatos decorrem indícios de prática de colusão, o que, por conseqüência, pode acarretar a nulidade de todo o processado na ação em trâmite no Juízo da 8ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro pelas associações de torcedores em face da CBF.

Todavia, não é possível, em sede de Conflito de Competência, apurar se efetivamente há, ou não, a ocorrência de processo simulado. A gravidade da questão demanda sua apuração minuciosa, dando-se oportunidade para que se manifestem todos os supostos envolvidos, e para que se colham provas que demonstrem ou afastem as acusações.

Assim, dada a seriedade da acusação feita pelo suscitante em sua petição inicial, e considerando todos os indícios por ele trazidos para sustentá-la, é de todo recomendável que a questão seja imediatamente apurada pelos órgãos competentes.

Isso para que se defendam, não apenas os interesses dos que eventualmente tenham sido prejudicados por esse hipotético ato, mas também o interesse de toda a sociedade, representado na exigência de transparência e lisura no exercício da atividade jurisdicional.

III – Conclusão.

Como dito, há conexão entre a ação proposta no Juízo de Porto Alegre com aquela proposta no Juízo do Rio de Janeiro, pois a causa de pedir remota é a mesma nas duas ações, qual seja, a decisão proferida pelo Presidente do STJD que anulou os 11 jogos apitados pelo árbitro Edílson Pereira de Carvalho.

Há, ainda, possibilidade de decisões conflitantes, pois na ação proposta no Juízo de Porto Alegre pretende-se a nulidade da referida decisão do Presidente do STJD, enquanto que, na ação proposta no Juízo do Rio de Janeiro, além da validade da aludida decisão, pretende-se a sua prevalência sobre qualquer outra decisão, seja administrativa, seja judicial.

Considerando que as sentenças declaratórias sempre produzem efeitos retroativos, eventual declaração, pelo Juízo de Porto Alegre, de nulidade da decisão do Presidente do STJD, fulminará esta decisão na origem, invalidando, portanto, todos os seus efeitos, sejam presentes ou pretéritos. Aqui está caracterizada a possibilidade de colidência com decisões proferidas na ação proposta no Juízo do Rio de Janeiro, que porventura tenham dado validade à decisão do Presidente do STJD.

Esta conclusão não é obstada pela informação, contida na inicial (fls. 11/STJ), de que foi proferida sentença na ação proposta no Juízo do Rio de Janeiro, porque os indícios de que houve colusão – e, conseqüentemente, de nulidade do processo (que alcançaria, inclusive, a sentença) –, não podem ser desconsiderados até que todos os fatos levantados pelo ora suscitante sejam devidamente apurados pelas autoridades competentes.

Por todas essas razões, é possível conhecer do presente conflito positivo de competência, ante a não incidência da Súmula n. 235/STJ, diante das peculiaridades da espécie e corroborado pelo entendimento do STF, manifestado no voto do Ministro Carlos Velloso, no julgamento do HC n.° 86.864-9/SP, j. 20/10/2005, de que não há súmula que possa valer diante de flagrante violação de direito.

Por fim, ressalto também que não há qualquer impedimento para que o STJ conheça de conflito de competência a respeito de ações sobre o Campeonato Brasileiro de Futebol, pois já o fez por ocasião dos seguintes precedentes da 2ª Seção do STJ: CC n.° 40.721/RJ, de minha relatoria, DJ 01.07.2004 e CC 28.003/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 11.03.2002.

Forte em tais razões, nos termos do art. 120, do CPC, determino o sobrestamento dos processos que são objeto do presente conflito positivo de competência, assim como suspendo os efeitos de todas as decisões neles proferidas, até que os fatos levantados pelo ora suscitante sejam devidamente apurados pelas autoridades competentes.

Designo para resolver as medidas urgentes, em caráter provisório, o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS.

Determino, ainda, a remessa de cópia integral do presente conflito positivo de competência:

(i) aos Ministérios Públicos Federal e Estadual do Rio de Janeiro;

(ii) à Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; e

(iii) ao Conselho Nacional de Justiça, para que sejam apuradas, de acordo com as respectivas atribuições constitucionais de cada instituição, as alegações do ora suscitante a respeito da prática de eventuais ilícitos.

Solicitem-se informações, com urgência, aos Juízos envolvidos no conflito. Após, vista ao Ministério Público Federal.

Publique-se. Intime-se. Oficie-se com urgência por telex.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2005.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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