Fantasma institucional

CNJ recebe pedido para implantação da Defensoria Pública

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5 de dezembro de 2005, 18h10

Mais de 16 anos depois de instituída pela Constituição de 1988, a Defensoria Pública da União ainda está instalada em caráter emergencial e provisório, com menos de 100 membros para uma população de mais de 92 milhões de habitantes com renda inferior a dois salários mínimos, conforme dados do IBGE.

A situação moveu o físico João Ricardo Parreira Lopes a entrar com pedido de recomendação ao Conselho Nacional de Justiça, para que a Defensoria Pública da União seja definitivamente instalada.

No pedido Lopes afirma que a defensoria é instrumento importante para a efetivação do Estado Democrático de Direito, mas sua aplicação se mostra tímida e inoperante. Ele lembra que ainda existem lugares sem um único defensor público como os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Segundo o autor do pedido a situação se agrava com a interiorização da Justiça Federal, o aumento dos cargos da Advocacia Geral da União e do Ministério Público em detrimento da Defensoria, que há mais de quatro anos não ganhou sequer um novo cargo.

Lopes afirma que para o ano de 2006 está prevista a verba orçamentária de R$ 18 milhões para a Advocacia Dativa e R$ 13 milhões para a Defensoria Pública da União. “A nomeação de advogados dativos pela Justiça Federal tem gerado uma falsa sensação por parte do cidadão, qual seja: a de que com a nomeação de advogados dativos tem-se garantido o comando constitucional”, afirma no pedido.

De acordo com Lopes, o efeito da nomeação de advogados dativos pela Justiça Federal tem atingido a estruturação da Defensoria Pública, assim como “a efetividade e a eficiência da Justiça Federal, pois são utilizados recursos do Poder Judiciário Federal para o pagamento dos dativos. Há a demora na prestação jurisdicional e, acima de tudo, tem obstaculizado o acesso ao Judiciário”. Em São Paulo trabalham na assistência judiciária 49 mil advogados.

Procurada pela revista Consultor Jurídico, a assessoria de imprensa da Defensoria Pública da União confirmou as informações contidas no pedido. Disse também que de acordo com levantamento feito, a União gastaria muito menos se pagasse um número razoável de defensores, do que gasta com os dativos.

Leia o pedido

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Conselho Nacional de Justiça — CNJ

JOÃO RICARDO PARREIRA LOPES, brasileiro, solteiro, bacharel em física, portador do RG xxx, e do CPF xxx, fone celular xxx, residente na rua xxx, município e comarca de Aparecida do Taboado MS, vêm interpor, perante esse Egrégio Conselho Nacional de Justiça – CNJ, PEDIDO DE RECOMENDAÇÃO, nos termos do artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal de 1988, e artigo 19, incisos XII, XIII, letra “b”, e, XVIII, XXX, do Regimento Interno do CNJ, em virtude das razões de fato e de direito a seguir delineadas.

BREVE RELATO DOS FATOS.

A Constituição da República, no Artigo 134, caput e § 1º, proclama:

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial á função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

§ 1° Lei Complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.”

Mereceu, pois, destaque pelo constituinte originário o atendimento à população carente deste País, assegurando-lhe a mais ampla orientação jurídica em juízo ou fora dele, autorizando a instituição de órgão próprio, Defensoria Pública, respaldada em Lei Complementar e garantias próprias de atuação.

A garantia em comento é das mais importantes para a efetivação de um Estado Democrático de Direito. Sua aplicação prática, no entanto, tem se mostrado tímida e inoperante. Passados mais de dezesseis anos de promulgação do texto constitucional a Defensoria Pública da União está em instalada em caráter emergencial, provisório, com menos de 100 (cem) membros para uma população de mais de 90 (noventa) milhões de habitantes com renda inferior a 2 (dois) salários mínimos, dados do IBGE.

Há Estados da Federação sem núcleo da Defensoria Pública da União e, conseqüentemente, sem qualquer Defensor Público da União. Citamos como exemplo os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Trata-se de efetivação de direitos fundamentais, tais como: a) o direito à ampla orientação jurídica, prévia ou em juízo, por profissional escolhido em processo de provas e títulos, com o respaldo institucional e garantias no exercício da atividade profissional; b) o direito à igualdade, na medida em que trata os desiguais (população carente) na exata medida de sua desigualdade, assegurando-lhes a ampla orientação jurídica; c) a proteção da máxima efetividade dos seus direitos perante o Poder Judiciário, não só assegurando-lhes o acesso ao Judiciário, mas sobretudo na tutela dos direitos humanos, assegurando-lhes o princípio da dignidade da pessoa humana, e da Justiça Social.

Agrava-se a questão com a interiorização da Justiça Federal (400 varas federais), o aumento dos cargos da Advocacia da União (1200 criados por Medida Provisória), e do Ministério Público Federal (todos os anos contrata-se mais de 80 Procuradores da República, com previsão de concurso até 2008), pois há mais de quatro anos não se cria nenhum carçio de Defensor Público da União.

Como fonte para o deslinde da questão anexamos o “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Republicano”, o “Relatório diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil”, e o Acórdão n.° 725/2005 do Tribunal de Contas da União.

Pondero ainda que o orçamento da Defensoria Pública da União para 2005, foi de R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais), enquanto os gastos do Poder Judiciário Federal com os Advogados Dativos foram de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Para o ano de 2006 está prevista a verba orçamentária de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais) pelo Poder Judiciário Federal para serem gastos com a Advocacia Dativa. Por sua vez, a Defensoria Pública da União terá apenas a verba orçamentária R$ 13.000.000,00 (treze milhões de reais), segundo as palavras do Defensor Público Geral da União, Dr. Eduardo Flores Viena:

“Dentro do contexto de implantação ainda provisória e emergencial, com quadro de 96 defensores e orçamento previsto de R$ 13 milhões para 2006, nós temos um retrato do que é hoje o estado brasileiro, com a grande maioria da população excluída socialmente, sem condições condignas de viver adequadamente. Com isso, nós temos um subproduto da exclusão social, que é a exclusão jurídica. A população brasileira não tendo uma Defensoria Pública forte e criada de forma efetiva, está excluída do acesso à Justiça, ainda, infelizmente” (fonte: página da Defensoria Pública da União na internet. www.defensoriapublica.qov.br, acessado em 17.09.2005, às 14hs09min.)

A nomeação de advogados dativos pela Justiça Federal é de constitucionalidade duvidosa, uma vez que já há regulamentação do artigo 134 da Constituição da República pela LC n.° 80/94, sendo que a ampla prestação jurisdicional junto à Justiça Federal é incumbência da Defensoria Pública da União, segundo vontade do constituinte originário. A nomeação de advogados dativos pela Justiça Federal tem gerado uma falsa sensação por parte do cidadão, qual seja: a de que com a nomeação de advogados dativos, tem-se garantido o comando constitucional.

Na realidade, o que se tem com a nomeação de advogados dativos, com gasto de orçamento da Justiça Federal, é um paliativo, um engodo grave da população carente ante a inércia do Poder Executivo. Ao cidadão, destinatário da Defensoria Pública da União, não é dado saber o que é defensoria dativa e o que é Defensoria Pública, assim como quais os benefícios e restrições de uma e outra. Muitas vezes a diferença só é notada tardiamente, no final da prestação jurisdicional.

O efeito da nomeação de advogados dativos pela Justiça Federal tem atingido a estruturação da Defensoria Pública da União, assim como a efetividade e a eficiência da Justiça Federal, pois são utilizados recursos do Poder Judiciário Federal para pagamento dos dativos. Há a demora na prestação jurisdicional e, acima de tudo, tem obstaculizado o acesso ao Judiciário.

Ante o exposto, como cidadãos brasileiros e almejando a eficiência do Poder Judiciário Federal, requeiro a esse Egrégio Conselho Nacional de Justiça:

1. Expedir recomendação ao Poder Executivo Federal para a implantação definitiva da Defensoria Pública da União, a fim assegurar o desenvolvimento do Poder Judiciário.

2. Ao ser definido e fixado os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário, seja incluída a recomendação de instalação definitiva da Defensoria Pública da União, com aumento de cargos de Defensores Públicos da União e cargos administrativos, visando o aumento da eficiência, da racionalização e da produtividade do sistema, bem como o maior acesso à Justiça;

3. Na proposta orçamentária do Poder Judiciário Federal, faça constar a recomendação de instalação da Defensoria Pública da União;

4. Quando da elaboração de normas técnicas no interesse do Poder Judiciário Federal, seja recomendado que no despacho ou decisão concessiva de atuação de advogados dativos, bem como nos editais de captação de advogados, conste, que se faz tal desiqna cão ante a inércia do Poder Executivo Federal na implantação efetiva da Defensoria Pública da União, nos moldes delimitados pelo Artiqo 134 da Constituição da República. Justifica-se tal recomendação na necessidade de fundamentação de todos os atos do Poder Judiciário, nos moldes do artigo 93, IX, da Constituição da República, assim como por ser função atípica do Poder Judiciário prestar assistência judiciária com orçamento próprio.

Objetiva-se com estas recomendações o esclarecimento à população deste País de alguns de seus direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a proteção judiciária (acesso ao Poder Judiciário e ampla assistência jurídica), da Justiça Social, contribuindo, assim, com a eficiência e a efetividade do Poder Judiciário Federal, eis que o Constituinte elegeu a Defensoria Pública como função essencial à Justiça.

Pondera o conspícuo José Afonso da Silva, in Comentário Contextual à Constituição, págs. 614/615, que a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos vem configurada, relevantemente, como direito individual no art. 5°, LXXIV. Sua eficácia e efetiva aplicação, como outras prestações estatais, constituirão um meio de realizar o princípio da igualização das condições dos desiguais perante a Justiça. Nesse sentido é justo reconhecer que a Constituição deu um passo importante, prevendo, em seu art. 134, a Defensoria Pública como instituição essencial a função jurisdicional, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5.° LXXlV”.

Termos em que, et data maxima venia,

Pede deferimento.

De Aparecida do Taboado MS para Brasília-DF, em 05 de outubro de 2005.

JOÃO RICARDO PARREIRA LOPES

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