Devido processo

Receita não pode punir sem conceder direito de defesa

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3 de dezembro de 2005, 10h31

A Receita Federal não pode declarar a inaptidão do CNPJ de uma empresa sem que seja respeitado o devido processo legal. Parece óbvio. Contudo, a empresa Hadco Importadora e Exportadora teve de recorrer à Justiça para fazer valer este direito.

O CNPJ da empresa foi declarado inapto pela Receita Federal, com base nas regras contidas na Instrução Normativa 228/2002. A regra autoriza a autoridade aduaneira a apreender e decretar a perda de uma mercadoria, em única instância, além de aplicar a pena de inaptidão do CNPJ, sem dar oportunidade para a empresa se defender. A pena é aplicada sempre que há suspeita de importação irregular.

O advogado da Hadco, Vitor Werebe, para garantir o direito da ampla defesa, entrou com pedido de Mandado de Segurança para que, antes de aplicada a pena, a empresa pudesse se defender da acusação de importação irregular.

A juíza Luciana de Souza Sanchez, da 10ª Vara Federal de São Paulo, acolheu a liminar. “Vislumbro que se justifica a presente demanda eis que a instrução normativa (228/2002), tratando-se de ato normativo infralegal, não tem o condão de instituir e impor obrigações ao contribuinte, ao arrepio da lei, em desprestígio ao direito de propriedade constitucionalmente assegurado”, considerou.

“Inegável reconhecer que, ainda que seja necessário o dever da Receita Federal em investigar com rigor as situações em que vislumbre a possibilidade de fraude fiscal, nem por isso a autoridade impetrada [delegado da Receita Federal de Administração Tributário — Derat] encontra-se legitimada a se socorrer de expedientes infralegais de molde a regular a matéria e, em última instância, pautar a sua conduta”, explicou a juíza.

De acordo com Luciana de Souza Sanchez, “admitir tal despautério, ou seja, que a autoridade impetrada estaria autorizada a aplicar sanções e decretar a pena de perdimento de bens sem amparo legal, seria o mesmo que aceitar a ofensa ao princípio da estrita legalidade”.

Para a juíza, “houve cerceamento de defesa na medida em que, à primeira vista, afigura-se que na representação fiscal, o contribuinte em momento algum foi intimado para apresentar qualquer defesa, procedimento este em descompasso com a necessária observância do devido processo legal, obrigatório sabidamente em casos de impugnação na via administrativa”.

Luciana de Souza Sanchez determinou que delegado da Receita Federal de Administração Tributária deixe de instaurar o procedimento para declaração de inaptidão da inscrição da empresa no CNPJ e, se já tenha feito, que o suspenda. A liminar também determina que o delegado da Derat se abstenha de decretar a pena de perda dos bens importados. Cabe recurso.

Estratégia da defesa

Ato administrativo não pode tirar o direito adquirido da pessoa física ou jurídica. Este foi o argumento utilizado pelo advogado do caso, para que a juíza deferisse seu pedido de liminar.

“A empresa só pode perder seu bem se respeitado o direito ao contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal). Bem como, somente o juiz pode tirar o CNPJ de uma empresa, porque o cadastro é um direito adquirido”.

Segundo Vitor Werebe, a decisão abre uma porta importante para que outras empresas na mesma situação obtenham êxito nas ações judiciais.

“Toda vez que a receita apreende uma mercadoria com base na instrução normativa, o advogado entra com pedido de Mandado de Segurança, mas é logo indeferido. A partir dessa liminar, abre-se precedente para que a pena prevista não seja aplicada antes do devido processo legal”, observa Vitor Werebe.

De acordo com o advogado, o que se vê é que “a ordem constitucional ainda se sobrepõe à instrução normativa. Nesse caso específico, enquanto vigorar a liminar a empresa não terá a declaração de inaptidão de seu cadastro e poderá praticar todos os atos do comércio”.

Processo 2005.61.00.026484-1

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