Saúde estatal

SUS tem de pagar exame que rede pública não oferece

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28 de agosto de 2005, 10h37

O SUS — Sistema Único de Saúde terá de custear tratamento de uma paciente com câncer em hospitais particulares de Niterói, já que a rede pública não disponibiliza de estrutura para diagnosticar a evolução da doença. A decisão é do juiz federal José Arthur Diniz Borges, do 2º Juizado Especial Federal em Niterói.

Segundo os autos, a paciente, Lílian Chaves Ceotto, é portadora de um tipo de câncer chamado Hodgkin. A doença foi constatada em janeiro de 2001. Após tratamentos de quimioterapia e radioterapia, foi constatado em setembro de 2004 que a doença evoluiu e a paciente teve de ser submetida a transplante de medula óssea.

A paciente sofreu uma recaída que a obrigou a se submeter a novo transplante, em março último. Todo o tratamento foi realizado no Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro e pago pelo SUS.

Para acompanhar a evolução da doença, a paciente precisa fazer um exame chamado PET-TC (PET-Scan0). O SUS se negou a realizar o procedimento sob dois argumentos: o hospital público não tem o aparato técnico para diagnosticar a evolução da doença e a União não tem condições de arcar com o custo do exame.

O juiz federal José Arthur Diniz Borges acolheu o pedido da paciente (Antecipação de Tutela) e mandou o SUS pagar o tratamento em hospital particular. Para o juiz, “o direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental de todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida, não podendo o Poder Público mostrar-se indiferente aos problemas que o maculem, sob pena de incorrer, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento ilícito e/ou inconstitucional”.

O juiz também esclareceu que a própria Lei 8.080/90, que criou o SUS, classifica a saúde “como direito de todos e dever do Estado (União, Estados e Municípios)”. “Nesse contexto, a garantia constitucional de inviolabilidade do direito à vida se materializa em todo o território nacional”, observou.

Borges estabeleceu prazo de cinco dias para que a decisão seja cumprida, depois da intimação da parte, sob pena de multa diária de R$ 300 por dia de atraso.

Processo 2005.5152004117-0

Leia a íntegra da decisão

2º JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE NITERÓI

JUIZADO ESPECIAL – PROCESSO 2005.5152004117-0

AUTORA: LILIA CHAVES CEOTTO

PARTE RÉ: UNIÃO E OUTROS

JUIZ FEDERAL: DR. JOSÉ ARTHUR DINIZ BORGES

DECISÃO

Trata-se de ação proposta em face da UNIÃO, do ESTADO DO RIO DE JANEIRO e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, segundo o procedimento da Lei 10.259/01, objetivando a parte autora, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, que sejam os réus, integrantes que são do Sistema Único de Saúde – SUS, condenados a obrigação de fazer combinado com o de pagar o custeio do exame PET – TC (PET-SCAN) Mediastino, disponível somente no Serviço de Radiologia dos Hospitais Samaritano e CPDI, pertencentes à rede hospitalar privada.

A autora esclarece que é portadora da doença de Hodgkin, diagnosticada em janeiro de 2001; que, mesmo tendo se submetido aos tratamentos quimio e radioterápico, a doença evoluiu, fato que culminou com o intitulado transplante autólogo de medula óssea, em 03/04/2003; que, após nova recaída, diagnosticada em setembro de 2004, submeteu-se a novos tratamentos quimio e radioterápicos, bem como, em 16 de março de 2005, a transplante alogênico de cordão umbilical não aparentado; que, após setembro de 2004, todo o tratamento foi realizado no Instituto Nacional do Câncer, no Município do Rio de Janeiro, e custeado pelo Sistema Único de Saúde.

Informa, outrossim, que se faz imprescindível a realização do exame em questão para fins da correta avaliação da evolução da doença, bem como para decidir sobre a possibilidade de nova opção de tratamento. Ocorre que, além de não ter condições de arcar com as despesas do referido exame, o Sistema Único de Saúde recusa-se a custeá-lo, sob o argumento de que dito procedimento deveria ser realizado às suas expensas.

É o breve relato dos fatos.

Inicialmente, defiro o benefício da gratuidade de justiça requerido pela autora.

A saúde constitui direitos de todos e dever do Estado, que deve prestá-la integralmente, mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença, possibilitando o acesso universal e iqualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O Direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental de todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida, não podendo o Poder Público mostrar-se indiferente aos problemas que o macule, sob pena de incorrer, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento ilícito e/ou inconstitucional.

A Lei 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde, foi editada com fundamento na Constituição da República. A mesma classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado (União, Estados-Membros e Municípios), dispondo, no seu artigo 4º que o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

Nesse contexto, a garantia constitucional de inviolabilidade do direito à vida se materializa em todo o território nacional através de ações concretas implementadas pelo Governo Federal através do Ministério da Saúde que, por suas Secretarias Estaduais e Municipais, estabelece políticas efetivas no âmbito da saúde pública.

Contudo, observa-se do documento de fl. 10 (laudo médico), que o próprio médico do INCA, por ocasião da solicitação à autora do exame PET – TC, atesta que “é extremamente necessária a avaliação da doença com este exame tendo em vista a decisão sobre a possibilidade de nova opção de tratamento” e, ainda assim, não consegue a autora realizá-lo na rede credenciada do SUS, diante da assertiva de que ela mesma deve custeá-lo.

Ora, se a intervenção cirúrgica e tratamento ambulatorial foram realizados no INCA e custeados pelo SUS, não parece razoável deixar para o juízo de conveniência do legislador a escolha de excluir exames que viabilizem o correto diagnóstico da doença, vale dizer, se após levado à efeito o tratamento que o INCA considerou o mais acertado, está o mal que acomete a autora estagnado, se regrediu ou agravou-se. Em outras palavras, tal comportamento está a viabilizar a constatação de que a autora está ou não plenamente recuperada.

Diante de qualquer possibilidade de ser alegado eventual conflito de princípios constitucionais, deve prevalecer o direito à vida (art. 5º, caput, da CF/88) e o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), porquanto sobrepõem a quaisquer outros que possam ser invocados, como o da disponibilidade orçamentária e o da reserva do possível (art. 167, II, da CF/88),particularmente em face do caso concreto diante das provas juntadas(parecer médico), do histórico da evolução da doença(duas intervenções cirúrgicas gravíssimas) e utilização de hospital público e do SUS previamente a este pedido, tudo em face do princípio da ponderação faceta da razoabilidade (art.5º LIV da CF/88)

De fato, diante da análise não exauriente dos documentos adunados aos autos, observa-se que a autora incorre em grave risco de vida, quer porque seu estado de saúde inspira cuidados que foram até merecedores de graves intervenções cirúrgicas realizadas pelo INCA, quer porque está a indicar que pode sofrer qualquer nova recidiva se o tratamento for interrompido em razão da dificuldade ora enfrentada de não ser possível diagnosticar corretamente a evolução da doença. Como o diagnóstico acertado só pode dar-se por meio da realização do exame a que aspira a autora, consoante atesta seu médico assistente, há que ser o mesmo, sem demora, realizado.

Informa a autora que o referido procedimento só pode ser ultimado junto aos Hospitais denominados Samaritano ou no CDPI, pertencentes à rede privada.

Invoco a experiência subministrada pela observação do que ordinariamente acontece para concluir que se o exame for realizado no CDPI, o SUS será menos onerado, razão por que entendo que deva ser o procedimento em questão ultimado no referido nosocômio.

A esse respeito, convém consignar que a saúde é serviço público titularizado pelo Estado porém, por expressa previsão constitucional (art. 199, da CF/88) pode ser prestado, independentemente de concessão ou permissão (delegação), pela iniciativa privada, a qual poderá facultativamente participar de forma complementar do sistema único de saúde (art. 199, § 1º, da CF/88) e se assim não o desejar, esse aspecto não exclui da Instituição Privada a sujeição aos princípios gerais inerentes aos serviços públicos, ou seja, tal atividade embora prestada por Particular não está excluída da intervenção estatal justamente por se qualificar como serviço público. Concluindo, os serviços da saúde não estão na reserva absoluta da iniciativa privada.

Contudo, para evitar a transferência de atribuições, sem que haja previsão de correlato pagamento de despesas havidas com o procedimento, deverá o Diretor do respectivo hospital ser intimado para que não só designe dia e hora para que seja imediatamente realizado o exame, mas também para que informe, comprovando o alegado com a devida emissão de nota fiscal de prestação de serviços, o valor que lhe deverá ser restituído, após 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, por meio de Requisição de Pequeno Valor – RPV (sem necessidade de precatório), de acordo com o art.6º da Resolução 263 do Conselho Justiça Federal, de 21/05/2002, tudo à conta de recursos públicos às expensas da União, nos termos análogos ao parágrafo único e caput do art. 213, da Lei 8.112/90.

Outrossim, o perigo na demora da prestação jurisdicional é evidente, tendo em vista o estado de saúde da parte autora, envolvendo risco de vida, hipótese que afasta, inclusive, eventual argumentação sobre possível irreversibilidade do provimento.

Isso posto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, para determinar que a parte ré União custei o exame intitulado PET-TC (PET-SCAN) Mediastino, a ser realizado pelo Hospital CDPI, situado na Av. das Américas 4000/666 – sala 323 – B, e diante de eventual solidariedade dos entes envolvidos que exerça seu direito de regresso, se for o caso, problema a ser resolvido no mérito, tudo nos termos do art. 461, parágrafo 5º do Código de Processo Civil.

Intime-se o Diretor do referido Hospital para ciência desta decisão e para que designe dia e hora para a realização do exame em questão, que deverá ocorrer no prazo máximo de 05 dias a contar da intimação, sob pena de multa diária de R$ 300,00 reais por dia de atraso, de acordo com o art. 461, parágrafo 4º do Código de Processo Civil.

Citem-se e intimem-se, com urgência e por meio de oficial de justiça, os réus para ciência desta decisão.

P.I.

Niterói, 24 de agosto de 2005.

JOSÉ ARTHUR DINIZ BORGES

JUIZ FEDERAL

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