O valor do nome

Empregada chamada de gordinha é indenizada em R$ 8 mil

Autor

27 de agosto de 2005, 10h40

O nome do trabalhador está incorporado ao seu patrimônio moral. Sendo assim, o empregado não pode ser chamado pelo superior hierárquico de apelido pejorativo. Este é o entendimento dos juízes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), que condenaram a Control Tower Assessoria Empresarial. a indenizar uma ex-empregada, chamada de “gordinha” pelo diretor da empresa. O valor da indenização foi fixado em R$ 8 mil.

A trabalhadora – contratada como assistente administrativa – entrou com processo na 29ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo, entre outras verbas, indenização por danos morais. Para ela, o apelido dado por seu chefe era ofensivo à sua honra.

Testemunha na ação afirmou que viu a reclamante ser “maltratada” pelo diretor que, “em tom grosseiro”, disse que ela “deveria usar as escadas por estar gorda”. A testemunha também presenciou a assistente chorando em virtude da atitude do chefe. Outros depoimentos confirmaram que a ex-empregada era freqüentemente chamada pelo superior de “gordinha”.

A Justiça de primeira instância condenou a empresa a indenizar a ex-empregada. Inconformada, a empresa recorreu ao TRT-SP, sustentando que a atitude de seu diretor não configura dano moral.

Segundo o juiz Sérgio Pinto Martins, relator do Recurso Ordinário no tribunal, “evidentemente que a autora não gostou do adjetivo que lhe era atribuído, porém não podia reclamar na vigência do contrato de trabalho, sob pena de ser dispensada”. Na sentença, o juiz faz considerações sobre o nome próprio: “As pessoas têm nome, que fica incorporado ao seu patrimônio moral. Tendo nome a autora, não poderia ser chamada de ‘gordinha”.

Para o relator, de houve brincadeira, tratou-se de brincadeira de mau gosto que “violou sua intimidade”. O juiz devolveu ao diretor espirituoso sua própria espirituosidade. “Ele gostaria que lhe atribuíssem o adjetivo “gordinho” ou qualquer outro com sentido pejorativo? Com certeza, não”, concluiu.

Por unanimidade, a 2ª Turma condenou a empresa a pagar indenização equivalente a 5 salários da ex-empregada, equivalente a R$ 8 mil.

RO 01836.2002.029.02.00-2

Leia a íntegra da decisão

Proc. n.º 20040328770 (01836.2002.029.02.00-2)

29ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recorrentes: ALDA GRACIETE OLIVEIRA NOGUEIRA

CONTROL TOWER ASS.EMPRESARIAL SC LTDA

Recorridos: ESCALIBUR CONSULTORIA EMPRESARIAL E PART.LTDA

ORBAC COSMÉTICOS LTDA

CONTROL TOWER ASS.EMPRESARIAL SC LTDA

ALDA GRACIETE OLIVEIRA NOGUEIRA

EMENTA

Dano moral. Caracterização.

Verifica-se dos depoimentos das testemunhas da reclamante que era atribuído à autora, por seu chefe, tratamento que ofendia sua dignidade. A autora era chamada de “gordinha”. Evidentemente que a autora não gostou do adjetivo que lhe era atribuído, porém não podia reclamar na vigência do contrato de trabalho, sob pena de ser dispensada. Todas as pessoas têm nome, que fica incorporado ao seu patrimônio moral. Tendo nome a autora, não poderia ser chamada de “gordinha” com sentido pejorativo. Indenização por dano moral mantida.

RELATÓRIO

Interpõe recurso ordinário a reclamante afirmando que as empresas fazem parte do mesmo grupo econômico e houve continuidade do pacto laboral; entende que não há a prescrição nuclear da ação; aduz que restou comprovado o acúmulo de função; argumenta que faz jus ao pagamento de horas extras, conforme prova testemunhal; aduz que não gozou mais de 10 dias de férias, requerendo a dobra da diferença. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 227/239.

Interpõe a segunda reclamada recurso ordinário, fls. 240/253, alegando que a reclamante não logrou provar o alegado trabalho em sobrejornada; entende que não foi observado o acordo de compensação juntado; não restou configurado o dano moral pretendido, além do que houve excesso no valor da indenização. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 254/260.

Parecer do Ministério Público de fls. 283. É o relatório.

II- CONHECIMENTO

Os recursos são tempestivos. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma legal (fls. 252/253). Conheço dos recursos por estarem presentes os requisitos legais.

III- FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

A- Recurso da reclamante

1. Formação de grupo de empresas – continuidade do pacto laboral

A recorrente não provou nos autos que as empresas façam parte do mesmo grupo econômico nem que houve fraude na rescisões contratuais. As duas primeiras reclamadas admitiram que houve a transferência da reclamante da empresa Escalibur para a Orbac Cosméticos, que assumiu o contrato de trabalho da autora (o que foi anotado na ficha de registro de empregados, fls. 130). Verifica-se ainda do documento de fls. 14 que a rescisão contratual foi devidamente homologada pelo sindicato da categoria da reclamante.


Não comprovou, pois, a recorrente que houve continuidade do pacto laboral, nem que formaram grupo econômico as três empresas, tendo a segunda reclamada assumido o contrato de trabalho da reclamante. Também não provou nos autos a reclamante que tenha havido qualquer vício de consentimento na rescisões contratuais devidamente homologadas pelos órgãos competentes.

A terceira reclamada não tem a mesma formação societária da primeira e segunda rés, não exerce a mesma atividade econômica e não esteve estabelecida no mesmo local ao tempo em que houve a prestação de serviços.

2. Inexistente prescrição nuclear da ação

Houve homologação da rescisão do contrato de trabalho da reclamante do período de 23.8.93 a 4.01.97, estando prescrita a pretensão ao direito postulado, quanto a referido pacto, pois ajuizada a ação após transcorridos dois anos da extinção do contrato de trabalho (art. 7.º, XXIX, Constituição; art. 11, inciso I, 2ª parte, CLT).

3. Acúmulo de funções – grupo econômico

Inexiste previsão legal ou convencional para amparar o pedido de acúmulo de funções, além do que não foi reconhecida a existência de grupo econômico entre as três empresas, nem foi feita prova nos autos de que tenha exercido funções de forma acumulada.

4. Horas extras

São devidas as horas extras na forma e limites deferidos pelo juízo de primeiro grau, pois a reclamante não produziu prova em outro sentido.

A jornada determinada na sentença foi estabelecida com base na média dos depoimentos testemunhais. Foi examinado o conjunto da prova e não apenas depoimentos isolados.

As testemunhas não afirmaram que a autora entrava no trabalho antes das 7 h 45 minutos. Logo, não há prova de que a reclamante começou a trabalhar às 7 horas.

Não trabalharam as testemunhas aos domingos. Assim, não se pode dizer que a autora prestava serviços nesses dias.

A média dos intervalos externos era de duas a três vezes por semana.

Os documentos de fls. 34 a 101 não podem ser considerados como prova, pois foram produzidos unilateralmente pela autora e não se sabe se de fato eram os horários efetivamente anotados pela autora, em razão de que não havia participação da empresa. Não há assinatura da empresa no referido documento.

O depoimento da testemunha Francisco Muto não é preciso no sentido de que a reclamante trabalhava três dias até 20 horas nos períodos que antecediam a reunião. O depoimento não é preciso, pois empregou a expressão “pode ter acontecido ….”. Não há certeza no referido depoimento.

A primeira testemunha parava de trabalhar entre 18 e 18 h 30 minutos. Não presenciou autora trabalhando após o referido horário.

Os valores efetivamente devidos serão apurados em regular execução de sentença.

Não há que se falar em confissão da terceira reclamada. Previsão não quer dizer saída efetiva e registrada, sendo que as testemunhas não presenciaram jornada além daquela deferida.

5. Férias 2000/2001

Cabia à recorrente fazer prova de que não usufruiu das férias do período 2000/2001, o que não foi feito nos autos, pois as testemunhas e os documentos nada revelaram quanto à ausência de férias, como alegado na inicial.

Não há prova nos autos de que a autora gozou 10 dias de férias e a empresa lhe impôs o trabalho no restante do período.

B- Recurso da terceira reclamada

1. Horas extraordinárias

O horário acolhido pela sentença não é o declinado pela reclamante na inicial, mas o horário trabalhado e efetivamente presenciado pelas testemunhas ouvidas em juízo, inclusive da reclamada. Foram deferidas apenas horas extras relativas ao horário presenciado pelas testemunhas, de acordo com a média dos depoimentos.

Se o depoimento da reclamante diverge da petição inicial, deve ser adequado em relação ao que há de confissão pela autora.

Na inicial há afirmação no sentido de que a jornada era prorrogada nos dias de semana até 21 horas e esporadicamente até 23 horas. Logo, nada impede o juiz de arbitrar a jornada de saída da autora com base na média dos depoimentos testemunhais às 18 h 30 minutos.

Esclarece a Orientação Jurisprudencial n.º 233 da SBDI- 1 do TST que “a decisão com base em prova oral ou documental não ficará limitada ao tempo por ela abrangido, desde que o julgador fique convencido que o procedimento questionado superou aquele período”. Estou convencido que o procedimento das horas extras superou o período e ocorreu em todo o período imprescrito.

2. Acordo de compensação

A jornada comprovada pela reclamante nos autos excede o limite semanal estabelecido pela Constituição (artigo 7.º, XIII). Não pode, pois, ser considerado o acordo de compensação.


3. Inocorrência de danos morais – excessiva indenização

A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são princípios fundamentais assegurados pela Constituição de 1988 (art. 1º, III e IV).

Verifica-se dos depoimentos das testemunhas da reclamante que era atribuído à autora, por seu chefe, tratamento que ofendia sua dignidade. A autora era chamada de “gordinha”. Evidentemente que a autora não gostou do adjetivo que lhe era atribuído, porém não podia reclamar na vigência do contrato de trabalho, sob pena de ser dispensada.

Todas as pessoas têm nome, que fica incorporado ao seu patrimônio moral. Tendo nome a autora, não poderia ser chamada de “gordinha”.

O empregador, diretamente ou por seu representante, detém o poder potestativo e a liberdade de dirigir seus negócios e a forma de administração da sua empresa, mas não pode abusar do exercício do seu direito nem exceder os limites da lei.

Certos adjetivos servem para ofender ou ridicularizar as pessoas, sendo que alguns, valendo-se do poder econômico ou social que exercem sobre outros, única e exclusivamente para humilhar e constranger seu semelhante. É o que ocorre com o termo “gordinha”, que mostra o menosprezo pela pessoa que tem alguns quilos a mais do que o normal.

A testemunha Eduardo presenciou Francisco atribuindo à autora tratamento desrespeitoso com freqüência. A autora era chamada de “gordinha”.

A testemunha Cristiane declarou que “em 2001 presenciou a reclamante sendo maltratada pelo sr. Francisco, que referida pessoa em tom grosseiro disse à reclamante que ela deveria usar as escadas por estar gorda”. Viu a reclamante chorando por ser mal tratada pelo empregador.

O fato de a testemunha Rosilene nunca ter presenciado “a reclamante sendo mal tratada pelo sr. Francisco” não quer dizer que isso não ocorreu, pois as testemunhas anteriores viram os fatos. A testemunha simplesmente não viu a autora ser mal tratada.

Não se pode considerar o depoimento da testemunha Francisco Muto, pois era a pessoa diretamente envolvida nos fatos e tem interesse em não prejudicar a empresa, sob o ponto de vista de que esta é responsável pelo pagamento da indenização por dano moral.

Se a reclamante foi objeto de brincadeira, a brincadeira foi de mau gosto e violou sua intimidade.

Será que o sr. Francisco ou qualquer outro diretor da empresa gostaria que lhe atribuíssem o adjetivo “gordinho” ou qualquer outro com sentido pejorativo? Com certeza, não.

Tendo a reclamante comprovado que o empregador durante o contrato de trabalho dispensava tratamento que ofendia a honra da autora, tem direito a recorrida à indenização pelo dano causado (art. 5.º, inciso X, Constituição).

4. Arbitramento

Previa o artigo 1.553 do Código Civil de 1916 que a forma de fixação da indenização por dano moral era por arbitramento.

O Código Civil de 2002 não tem um artigo exatamente igual, mas a idéia continua sendo a mesma. O juiz irá fixar a indenização por arbitramento. Ao fixar a indenização, o juiz deve-se ater à questão, às influências que isso proporcionou ao lesado, arbitrando-a de maneira eqüitativa, prudente, razoável e não abusiva, atentando-se para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes.

Na fixação da indenização por dano moral deve atentar o juiz para o antigo artigo 400 do Código Civil de 1916, que indica o binômio necessidade/possibilidade na fixação de alimentos: “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. O artigo 1.695 do Código Civil de 2002 tem uma redação um pouco diferente, mas dá a entender o mesmo: “são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.

Assim, deve-se usar da razoabilidade na fixação da indenização, da lógica do razoável de que nos fala Recasen Siches e também da proporcionalidade.

A indenização tem objetivos pedagógicos, de evitar que o réu incorra no mesmo ato novamente.

Como afirma Valdir Florindo: o montante da indenização deve traduzir-se em advertência ao lesante e à sociedade, de que comportamentos dessa ordem não se tolerará (Dano moral e o Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, p. 206).

A indenização por dano moral não pode, porém, ser fundamento para o enriquecimento do lesado, mas apenas compensador ou reparador do dano causado.

Não houve excesso no valor arbitrado para indenizar o prejuízo moral sofrido pela trabalhadora, tendo em vista o aspecto subjetivo do dano e o montante postulado na inicial. Mantenho.

Atentem as partes para a previsão do parágrafo único do artigo 538 do CPC e artigos 17 e 18 do CPC, não cabendo embargos de declaração para rever fatos e provas, a própria decisão, nem de natureza infringente ou para contestar o que foi decidido.

IV- DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço dos recursos, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, nego-lhes provimento, mantendo a sentença. Fica mantido o valor da condenação. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!