Ação rescisória

Supremo discute aplicação da Súmula 343

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21 de agosto de 2005, 11h39

O Supremo Tribunal Federal deu início a um julgamento que poderá devolver à Justiça uma série de ações rescisórias arquivadas sem julgamento de mérito. A discussão gira em torno da Súmula 343, segundo a qual “não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

Durante a discussão de um Agravo Regimental em Agravo de Instrumento interposto pela Caixa Econômica Federal, o ministro Gilmar Mendes trouxe uma nova tese à Corte. Para preservar a supremacia das decisões do STF, ele defendeu que a interpretação de matéria infraconstitucional controvertida, mas pacificada pela jurisprudência do Supremo, ao discutir questão constitucional, deveria alçar essa norma ao nível de norma constitucional.

Na prática, quer-se evitar o que tem ocorrido nos tribunais, como, por exemplo, no caso das ações rescisórias que tratam do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Para não julgar o mérito da ação, os juízes aplicam a Súmula 343. Só que, ao aplicar a Súmula e não julgar, os magistrados deixam, também, de fazer valer a decisão do Supremo.

No caso específico da CEF, ela havia sido condenada a recompor as perdas do FGTS com os chamados “expurgos inflacionários”. No entanto, ao julgar o tema, o Supremo decidiu que a correção nas contas de FGTS se limitaria aos planos Verão (janeiro/89) e Collor I (abril/90). Houve a exclusão das atualizações dos saldos dos Planos Bresser (julho/87), Collor I (maio/90) e Collor II (fevereiro/91). Sendo a matéria controversa dentro dos tribunais, como nesse caso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região indeferiu a petição inicial, com base na Súmula 343.

Se vingar a tese do ministro Gilmar, essa aplicação não será possível. Isso porque é pacífico o entendimento segundo o qual a Súmula não se aplica no caso de normas constitucionais. Ao alçar as normas infraconstitucionais — que receberam interpretação conforme a Constituição pelo Supremo — ao nível de norma constitucional, a rescisória deverá ser julgada.

“Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para a admissão das ações rescisórias. Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição”, argumentou o ministro em seu voto.

“Isso obviamente não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas no plano infraconstitucional. Não é por acaso que uma decisão definitiva do STJ, pacificando a interpretação de uma lei, não possui o mesmo alcance de uma decisão definitiva desta Corte em matéria constitucional. Controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o nosso sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados com resultados também diferenciados”, distinguiu Gilmar.

Em seu voto, o ministro ainda deixa clara a preocupação que o Supremo precisa ter com a concretização da Constituição: “É fundamental lembrar que nas decisões proferidas por esta Corte temos um tipo especialíssimo de concretização da Carta Constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional.A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave que a violação à lei”.

No caso concreto, a decisão atinge em cheio a CEF. No entanto, o número de rescisórias corresponde a apenas a cerca de 2% do total de ações que versam sobre planos econômicos e FGTS. Algo em torno de 20 mil. Apesar de considerar pequeno o número de ações, o jurídico da Caixa vê com agrado a possibilidade. Em nota, a diretoria jurídica posicionou-se: “A repercussão será positiva, pois fará com que em quase todas as ações ocorra o pagamento apenas das diferenças relativas aos dois planos econômicos deferidos pelo Supremo Tribunal Federal”.

O julgamento está paralisado em razão de um pedido de vista do ministro Eros Grau. Os ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso já acompanharam a tese de Gilmar Mendes. Refutaram-na, até o momento, o relator, Carlos Velloso, e o ministro Sepúlveda Pertence.

AI 460.439

Leia íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes

AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 460.439-9 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

AGRAVANTE(S): CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF

ADVOGADO(A/S: SÉRGIO LUIZ GUIMARÃES FARIAS E OUTRO(A/S)

AGRAVADO(A/S): ALCIDES MARCIANO E OUTRO(A/S)

V O T O – V I S T A

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):


I – Introdução: Relato do caso

Inicialmente, para a retomada deste julgamento, considero necessário um breve relatório.

A decisão agravada, proferida pelo Ministro Carlos Velloso, possui o seguinte teor:

“DECISÃO: – Vistos.

Autos conclusos em 08.8.2003.

O acórdão recorrido, em ação rescisória, objetivando rescindir acórdão que condenou a ora agravante a recompor as perdas do FGTS com os chamados “expurgos inflacionários”, negou provimento ao agravo regimental mantendo a decisão que indeferira a inicial, com fundamento na Súmula 343-STF.

Daí o RE, fundamentado no art. 102, III, a, da C.F., em que se sustenta contrariedade aos arts. 5º, II, XXXV e XXXVI; 7º, III; 22, VI, da mesma Carta, o qual foi inadmitido.

Em alguns julgados, acolhi o recurso da CEF. Decidi, então, que, em se tratando de ação rescisória proposta com a finalidade de recompor as perdas do FGTS, não se aplicaria a Súmula 343-STF, uma vez que a matéria objeto da ação teria natureza constitucional. Menciono, nesse sentido, AAII 454.238/PR, 453.342/SC, 453.315/CE e 448.628/DF.

Entretanto, examinando melhor a controvérsia, reformulei o meu entendimento para aplicar a jurisprudência da Casa no sentido de que o RE, em ação rescisória, deve ter por objeto a fundamentação do acórdão nela proferido e não as questões versadas na decisão rescindenda. Menciono, inter plures,

RE 225.469/SE, AI 272.621-AgR/PI, AI 297.534-AgR/RS, AI 461.319/DF. Neste último, recentemente decidido, o eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, registrou que a jurisprudência do Supremo Tribunal sedimentou-se “no sentido de que o RE interposto no processo da ação rescisória há de voltar-se contra a fundamentação do acórdão nela proferido e não da decisão rescindenda.” (Decisão de 06.8.2003).

Anote-se, ademais, que o acórdão recorrido decidiu a causa com base em normas processuais. A ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta, reflexa, o que não autoriza a admissão do recurso extraordinário, circunscrito ao contencioso constitucional: RE 144.840/SP, AI 208.774-AgR/DF, AI 208.864-AgR/SP, AI 146.952-AgR/PA, inter plures.

Nego provimento ao agravo.

(…)” (FLS. 97/98)

Ao trazer o agravo de instrumento ao Plenário, asseverou Velloso em seu voto:

“O recurso não merece prosperar. É que a decisão agravada está assentada no entendimento da Corte no sentido de que o RE, em ação rescisória, deve ter por objeto a fundamentação do acórdão nela proferido e não as questões versadas na decisão rescindenda. Assim a ementa do RE 225.469/SE:

‘EMENTA: Recurso extraordinário. Ação rescisória.

– Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que o recurso extraordinário, em ação rescisória, deve versar os pressupostos e o procedimento dessa ação, e não as questões relativas à decisão rescindenda que deveriam ter sido oportunamente atacadas por meio do recurso extraordinário antes do trânsito em julgado dela.

– Não ocorrência de violação dos artigos 102 e 103 da Constituição por não ter admitido como pressuposto da ação rescisória o julgado por esta Corte na ADI 694.

Recurso extraordinário não conhecido’ (‘DJ’ de 31.3.2000)

No mesmo sentido: AI 461.319/DF; AI 272.621-AgR/PI; AI 297.534-AgR/RS, inter plures.

Forte nos precedentes, nego provimento ao agravo.”

Do exame dos autos, tem-se que os réus obtiveram êxito em ação ordinária para a correção monetária dos saldos das contas do FGTS, relativamente aos planos econômicos, nos seguintes índices:

“Bresser JUN/1987 6,81%

Verão JAN/1989 16,06%

Collor I ABR/1990 44,80%

Collor I MAIO/1990 2,36%

Collor II FEV/1991 13,90%”

No entanto, por ser esta decisão contrária à do Supremo Tribunal Federal, a Caixa Econômica Federal propôs Ação Rescisória com pedido de antecipação de tutela, por violação literal de disposição de lei, com base no art. 485, V, do CPC. Alega que a aplicação da Súmula 343 deve ser afastada, por se tratar de matéria constitucional, com sede no art. 5º, XXXVI, da Constituição.

A petição inicial da Ação Rescisória foi indeferida, no TRF da 1ª Região, monocraticamente, por impossibilidade jurídica do pedido, nos termos dos arts. 295, I e parágrafo único e 490, I, do CPC, com base nas Súmulas 343/STF e 134 do extinto TFR, pelos seguintes fundamentos: “a vexata quaestio resume-se a perquirir sobre a ocorrência (ou não) de violação de literal disposição de lei no plano infraconstitucional, não há como se afastar a inteligência expressa nos enunciados precedentemente transcritos, por isso que, ao tempo em que fora prolatado o julgado rescindendo, a interpretação dos textos legais que embasaram a concessão dos expurgos inflacionários era controvertida nos tribunais” (fls. 25).


Ao agravo regimental negou-se provimento, restando assim ementado o acórdão do TRF (fls. 48):

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.

Consolidou-se a jurisprudência da 3ª Seção dessa Corte e a do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não cabe ação rescisória de acórdão ou sentença que apreciou pedido de atualização monetária de saldos de contas de FGTS, em face de óbice previsto na súmula 343 do STF.

Ressalva do ponto de vista da relatora, nas hipóteses em que o fundamento do julgado rescisório foi a garantia constitucional do direito adquirido.

Agravo regimental a que se nega provimento.”

Este o teor do voto da relatora, Juíza Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues (fls. 36-38):

“A jurisprudência dessa Seção consolidou-se no sentido de julgar inadmissíveis tais rescisórias, por entender que a decisão rescindenda baseou-se em dispositivos legais de natureza controvertida na época em que proferida, o que acarreta a incidência do óbice previsto na súmula 343 do STF, impossibilitando o processamento do pedido rescisório.

Argumenta a CEF que a matéria é constitucional, porque, invocando equivocadamente a garantia do direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), o acórdão rescindendo deferiu percentuais expurgados aos quais o STF, no julgamento do RE 226.855/RS, considerou não terem os fundistas direito adquirido, a saber, o IPC nos meses de junho de 1987 (Plano Bresser), maio de 1990 (primeira parte do Plano Collor I) e fevereiro de 1991 (Plano Collor II).

A signatária não tem dúvidas em concordar com a tese da Autora, a despeito da uníssona jurisprudência em contrário da 3ª Seção desse Tribunal, que julga não ser o direito adquirido invocável pela CEF, mas apenas pelo fundista. Entende a 3ª Seção – com a ressalva de meu ponto de vista em sentido contrário, manifestado no voto vencido proferido no julgamento do AGRAR n. 2001.01.00.037258-1/DF – que o acórdão rescindendo teria afirmado e não violado a garantia do direito adquirido, ao deferi índices aos quais o STF já julgou não terem os fundistas direito adquirido.

No citado precedente, proferi voto vencido com o seguinte teor:

‘Cuida-se de rescisória em que a CEF alega que o julgado rescindendo violou o princípio constitucional do direito adquirido, ao condená-la a reajustar contas de FGTS segundo índices de correção monetária aos quais os fundistas não teriam direito adquirido.

Entendo que o direito adquirido é garantia vocacionada à estabilidade das relações jurídicas, não tendo a natureza de direito de amparo social. Creio que essa garantia deva proteger ambos os lados da relação jurídica, seja o empregado, seja o empregador, seja a empresa pública, como no caso a Caixa Econômica, isso até mesmo como imperativo de segurança das relações jurídicas.

Não afasto, portanto, a invocação de direito adquirido de ente público.

Também creio não ser aqui aplicável a súmula do Supremo Tribunal segundo a qual não cabe ação rescisória para discutir matéria de interpretação legal controvertida na época em que proferida a decisão. Isso porque a matéria dos autos, pelo menos no tocante a três dos expurgos, é constitucional: tanto é constitucional que o STF conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário no tocante a esses três planos econômicos (Plano Bresser, parte do Plano Collor I e Plano Collor II), por considerar violado o princípio do direito adquirido, já que aplicado o direito adquirido em espécie, na qual o referido ente público alega violação ao princípio do direito adquirido por parte de decisões que o condenaram, a título de direito adquirido, a pagar a servidores índices de correção de vencimentos, também expurgados nos mesmos planos econômicos, como bem lembrou o Juiz Fagundes de Deus.

Também tenho conhecimento de que a 1ª Seção desta Corte vem conhecendo de ações rescisórias da União referentes a índices de correção de vencimentos de servidores públicos, concedidos em razão de equivocada aplicação da garantia do direito adquirido.

Considero, portanto, que, no tocante aos três índices em relação aos quais há matéria constitucional, segundo a jurisprudência do STF, a rescisória deve ser processada. Apenas no tocante aos dois índices (Plano Verão e segunda parte do Plano Collor I), cuja aplicação o STF julgou ser tema infraconstitucional, é que se aplica a súmula 343 do STF’.

Meu pensamento é, contudo, minoritário na 3ª Seção dessa Corte, que, acompanhando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em casos análogos, considera aplicáveis à hipótese dos autos as súmulas 343 do STF e 134 do TFR, sendo, por conseguinte, manifestamente incabível a rescisória com base no art. 485, V, do CPC, único fundamento invocado na inicial.”


Assim, a Caixa interpôs o Recurso Extraordinário, fundamentado no art. 102, III, “a”, com a alegação de ofensa aos arts. 5º, XXXV e XXXVI, 7º, III e 22, VI, da Constituição.

Quanto ao cabimento do recurso, sustenta (fls. 51-52):

“No presente caso, ao extinguir o processo sem julgamento de mérito, havendo precedentes de casos idênticos julgados procedentes na jurisprudência dos Tribunais e previsão legal, excluiu da apreciação do poder judiciário a pretensão da autora, causando lesão ao seu direito, permitindo acesso a via extraordinária com base no art. 102, III, a, sendo os dispositivos violados os arts. 5º, XXXV e XXXVI, 7º, III e 22, VI, da Constituição Federal. O Tribunal a quo ventilou no aresto recorrido a admissibilidade da pretensão da autora, considerando o pedido juridicamente impossível, configurando-se o indispensável prequestionamento a viabilizar o manejo deste Recurso Extraordinário.

Por oportuno, ressalta-se que a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito é matéria de ordem constitucional. A Magna Carta absorveu tal proteção elevando-a ao olimpo constitucional, restando a disposição prevista no art. 6º, caput da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Decreto 4657/42 em reprise desnecessária do ordenamento já posto. Assim, a análise da garantia em tela é matéria a ser manejada em sede de recurso extraordinário como ora faz a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

Consolidou, também, o e. STF, o entendimento de que a decisão judicial que decreta a procedência do pedido do pagamento de índices de correção monetária, sob a alegação de direito adquirido, é matéria constitucional, com sede no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, reconhecendo, portanto, a constitucionalidade das normas relativas aos planos BRESSER (JUN/87); COLLOR I (MAIO/90) e COLLOR II (FEV/91).

Logo, a matéria a ser analisada na presente ação é de cunho constitucional, pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu que os expurgos inflacionários não atingiram direito adquirido dos titulares de contas vinculadas do FGTS.”

Outras afirmações da recorrente merecem destaque:

“(…) o equívoco da decisão recorrida é evidente, reclamando sua devida reforma, pois a apreciação do pedido formulado pela CAIXA, especificamente sob o aspecto da possibilidade jurídica do pedido, se confunde com o próprio mérito da ação, não sendo portanto razoável, na espécie, numa mera decisão singular, o indeferimento da petição inicial nesses termos e mais, a extinção do processo sem julgamento do mérito.” (fls. 52)

“Ademais, em que pese o escopo social da norma contida no inciso XXXVI, do art. 5º, da CF, não é possível a exegese lançada no r. despacho agravado no sentido de que somente o trabalhador é o destinatário da garantia de inviolabilidade do direito adquirido, sob pena de ferir o princípio da isonomia previsto no caput do mesmo dispositivo. Tanto é verdade que o constituinte inseriu a garantia, sem nenhuma ressalva, no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.” (fls. 52)

“Outro argumento do ilustre Relator é o da aplicabilidade da Súmula 343 do STF. Cabe destacar que a jurisprudência não diverge quanto à sua inaplicabilidade aos casos de ação rescisória em matéria constitucional, conforme já observado na petição inicial da presente recisória.” (fl. 53)

“Ademais, cabe ressaltar que a matéria em apreço não passou a ser constitucional após o julgamento do STF, mas aquela Corte somente reconheceu como constitucional uma matéria cuja análise somente era possível à luz do texto da Constituição, entendimento esse já adotado por inúmeros juízes dos Tribunais Regionais Federais.

Portanto, a controvérsia acerca do direito aplicável à matéria objeto da presente pretensão rescisória, conforme decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, é de natureza constitucional, pois ficou assentado que a decisão judicial que aprecia pedido de pagamento de índices de correção monetária no FGTS, sob a alegação de direito adquirido, é matéria constitucional, com sede no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, decidindo, quanto ao mérito, que não existe direito adquirido à reposição de perdas referentes aos Planos Bresser (junho/87), Collor I (maio/90) e Collor II (fevereiro/91), objeto da presente Ação Rescisória.” (fls. 56)

O pedido foi feito nos seguintes termos (fls. 65): “(…) que o presente Recurso Extraordinário venha a ser conhecido e provido para reformar o v. aresto que indeferiu a petição inicial da presente Ação Rescisória, julgando extinto o processo sem julgamento de mérito, julgando, ainda, prejudicado o agravo regimental, assim como reconhecer a constitucionalidade das leis disciplinadoras da remuneração das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, reformando o acórdão ora atacado.”


Contra a decisão de inadmissibilidade do recurso extraordinário, a Caixa interpôs este agravo de instrumento. O eminente relator, Ministro Carlos Velloso, em seu voto, conforme expus, propõe a negativa de provimento ao agravo.

Passo, nesse ponto, propriamente a proferir meu voto.

II – Questão prévia. Alegada ausência de impugnação aos fundamentos da decisão proferida na ação rescisória. Admissibilidade do RE.

Conforme já registrei, pedi vista especialmente por ter dúvida quanto à aplicação da Súmula 343 ao caso.

Quando do início do julgamento deste agravo em Plenário, abriu-se intenso debate quanto à pertinência desta discussão relativa à aplicabilidade da súmula. Isto porque, conforme se consignou, o recurso extraodinário da Caixa Econômica não teria atacado a decisão proferida nos autos da rescisória, mas sim o mérito da própria decisão rescindenda. Nessa linha, foi dito expressamente que “o RE não se funda em que a Súmula 343 não se aplica; diz que não há o direito adquirido reconhecido pela decisão rescindida” (Min. Pertence).

Com isto, afirmou-se, seria aplicável ao caso a jurisprudência tradicional desta Corte no sentido de que o recurso extraordinário, no processo de ação rescisória, deve versar sobre os pressupostos da rescisória, não sendo cabível a impugnação ao acórdão rescindendo.

Gostaria, nesse ponto, de afastar desde logo a alegação de que o RE “não se funda em que a Súmula 343 não se aplica”.

Examinando os autos, pude constatar exatamente o contrário do que foi suscitado. Diz a recorrente em suas razões:

“Outro argumento do ilustre Relator é o da aplicabilidade da Súmula 343 do STF. Cabe destacar que a jurisprudência não diverge quanto à sua inaplicabilidade aos casos de ação rescisória em matéria constitucional, conforme já observado na petição inicial da presente recisória.” (fl. 53)

A seguir o recorrente relaciona precedentes que dariam sustentação à sua tese de inaplicabilidade da Súmula.

Não cabe aqui, portanto, o referido argumento formal. Nas razões recursais está expressamente impugnado o fundamento central da decisão proferida pelo TRF da 1ª Região, ao inviabilizar o prosseguimento da rescisória. De fato, também há no RE o argumento de fundo da ação rescisória, que corresponde à orientação firmada por esta Corte na questão do FGTS. Esse argumento constitucional de fundo é em verdade correlato à questão colocada no RE quanto à aplicação da Súmula 343. Argumento que é inevitável na tese da recorrente, pois o que se busca é justamente fazer uma distinção na aplicação da Súmula quanto a questões de índole constitucional.

Com isto, penso eu, resta inevitável enfrentar a questão relativa ao alcance da Súmula 343 e à sua aplicabilidade ao caso. Passo à minha análise do tema.

III – Considerações gerais sobre a ação rescisória como instrumento de correção das decisões judiciais

Considero necessário, nesse ponto, formular breves considerações acerca do papel da ação rescisória em nosso sistema jurídico.

O instituto da rescisória representa, sobretudo, uma conciliação entre os extremos do respeito incondicional à coisa julgada e a possibilidade de reforma permanente das decisões judiciais. (Cf., a respeito, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 3ª edição revista e aumentada/Atualização legislativa de Sérgio Bermudes, p. 136)

Sob uma perspectiva constitucional, ao analisar o instituto da rescisória temos dois valores em confronto. De um lado a segurança jurídica. Do outro temos algo que poderia ser tratado como uma manifestação do devido processo legal, qual seja o compromisso do sistema com a prestação judicial correta, não viciada.

Poder-se-ia, ainda, dizer que o instituto da rescisória atende a uma perspectiva de efetiva realização da idéia de Justiça. Isso pode ser extraído das hipóteses de admissibilidade da rescisória descritas no art. 485 do CPC. Sem dúvida, de uma leitura “positiva” dos incisos que compõem o art. 485, poder-se-ia dizer que o sistema está a buscar, entre outros aspectos: sentenças proferidas por juízes honestos (incisos I e II), que sejam harmônicas em relação a outros pronunciamentos judiciais (inc. IV), que tenham um substrato probatório consistente (VI, VII e VIII), e que respeitem a ordem legal objetiva (V), etc. Não observados tais objetivos, estabelece o sistema, nas hipóteses específicas do art. 485, uma via processual de correção.

Ou seja, a partir da rescisória, constrói o legislador uma espécie de válvula de segurança, uma última via de correção para o sistema judicial. Uma via restrita, certamente, sujeita a prazo e a hipóteses específicas, tendo em vista aquela perspectiva de resguardo da segurança jurídica.


IV – Objetivos específicos da rescisória em matéria constitucional

No âmbito específico do inciso V, o propósito imediato é o de garantir a máxima eficácia da ordem legislativa em sentido amplo. Para isto, permite-se a excepcional rescisão daqueles julgados em que o magistrado violou, nos termos do CPC, “literal disposição de lei”.

A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação “qualificada”.

Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, para o fim de ajustá-la à ordem constitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória?

Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para a admissão das ações rescisórias.

Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição.

Isso obviamente não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas no plano infraconstitucional. Não é por acaso que uma decisão definitiva do STJ, pacificando a interpretação de uma lei, não possui o mesmo alcance de uma decisão definitiva desta Corte em matéria constitucional. Controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o nosso sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados com resultados também diferenciados.

Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional.

Nesse ponto, penso que é fundamental lembrar que nas decisões proferidas por esta Corte temos um tipo especialíssimo de concretização da Carta Constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional.

A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave que a violação à lei. Isto já havia sido intuído por Pontes de Miranda ao discorrer especificamente sobre a hipótese de rescisória hoje descrita no art. 485, inciso V, do CPC. Sobre a violação à Constituição como pressuposto para a rescisória, dizia Pontes que “o direito constitucional é direito, como os outros ramos; não o é menos; em certo sentido, é ainda mais. Rescindíveis são as sentenças que o violam, quer se trate de sentenças das Justiças locais, quer de sentenças dos tribunais federais, inclusive as decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal”. (cit., p. 222)

De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação constitucional do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada.

Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia.

Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável à uma aplicação divergente da legislação infraconstitucional.

Certamente já não é fácil explicar a um cidadão porque ele teve um tratamento judicial desfavorável enquanto seu colega de trabalho alcançou uma decisão favorável, considerado o mesmo quadro normativo infraconstitucional. Mas aqui, por uma opção do sistema, tendo em vista a perspectiva de segurança jurídica, admite-se a solução restritiva à rescisória que está plasmada na Súmula 343. Mas essa perspectiva não parece admissível quando falamos de controvérsia constitucional. Isto porque aqui o referencial normativo é outro, é a Constituição, é o próprio pressuposto que dá autoridade a qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial!

Considerada tal distinção, tenho que aqui a melhor linha de interpretação do instituto da rescisória é aquela que privilegia a decisão desta Corte em matéria constitucional. Estamos aqui falando de decisões do órgão máximo do Judiciário, estamos falando de decisões definitivas e, sobretudo, estamos falando de decisões que, repito, concretizam diretamente o texto da Constituição.


Assim, considerado o escopo da ação rescisória, especialmente aquele descrito no inciso V do art. 485 do CPC, a partir de uma leitura constitucional deste dispositivo do Código de Processo, já não teria dificuldades em admitir a rescisória no caso em exame, ou seja, nos casos em que o pedido de revisão da coisa julgada funda-se em violação às decisões definitivas desta Corte em matéria constitucional.

Considero, de qualquer modo, necessário avançar nessa linha de argumento, e enfatizar uma perspectiva específica, relacionada à posição de supremacia das normas constitucionais.

V – Aplicabilidade da Súmula 343 ao caso em exame e a perspectiva de garantia da força normativa da Constituição

No caso em exame estamos diante de uma ação rescisória cujo objetivo último é o de garantir a efetividade de uma decisão desta Corte em que se firmou a inexistência de direito adquirido a determinados índices de correção monetária dos saldos das contas do FGTS.

Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não estou afastando, obviamente, o prazo das rescisórias, que deverá ser observado. Há um limite, portanto, associado à segurança jurídica.

Mas não parece admissível que esta Corte aceite diminuir a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à interpretação constitucional aqui formulada. Assim, se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação de decisão divergente.

Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, uma fragilização da força normativa da Constituição.

Lembro-me aqui da lição de Konrad Hesse:

“(…) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Ela é fundamental, considerada global ou singularmente.

Todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda. Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático’. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.” (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 21-22).

A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.

Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal. Tal prática afigura-se tanto mais grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle de constitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de tramitação das questões em três instâncias ordinárias.

De fato, penso que não podemos desconsiderar o atual contexto da demora na tramitação das questões que chegam ao STF em recurso extraordinário, o que aliás é uma decorrência de uma perspectiva que entendo equivocada, que acabou conferindo ao recurso extraordinário uma feição subjetivista.

A interpretação restritiva, considerado esse modelo em que as questões constitucionais chegam ao Supremo tardiamente, cria uma inversão no exercício da interpretação constitucional. A interpretação dos demais tribunais e dos juízes de primeira instância acaba por assumir um significado muito mais relevante que o pronunciamento desta Corte. Não posso aceitar isso. Isto não é, por evidente, uma rejeição ao modelo difuso. O que quero enfatizar é que estamos aqui diante de uma distorção do modelo que merece ser corrigida. A rescisória, tal como se coloca no presente caso, serve justamente para permitir essa correção.


A exegese restritiva, que na verdade assume um caráter excessivamente defensivo, acaba por privilegiar a interpretação controvertida, para a mantença de julgado desenvolvido contra a orientação desta Corte, significa afrontar a efetividade da Constituição. Isso não me parece aceitável, com a devida vênia.

Sobre o tema específico que se coloca nos autos, lembro aqui de um estudo de 2003, da autoria do eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Teori Albino Zavascki (“Ação Rescisória em Matéria Constitucional”, Revista de Direito Renovar, no 27. Set-Dez 2003. Ed. Renovar. págs. 153-174). Diz Teori, tratando expressamente da aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional:

“O exame desta orientação em face das súmulas revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de preservar em qualquer circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição, de órgão com legitimidade constitucional para dar palavra definitiva em temas relacionados com a interpretação e a aplicação da Carta Magna. Supremacia da Constituição e autoridade do STF são, na verdade, valores associados e que têm sentido transcendental quando associados. Há, entre eles, relação de meio e fim. E é justamente essa associação o referencial básico de que se lança mão para solucionar os diversos problemas, adiante expostos, atinentes à rescisão de julgados em matéria constitucional. Com efeito, a tese da inaplicabilidade da súmula 343, isoladamente considerada, não representa panacéia universal e nem tem, por si só, a propriedade de justificar e resolver todas as questões teóricas e práticas decorrentes da coisa julgada em seara constitucional. Imagine-se a hipótese de ação rescisória envolvendo tema constitucional controvertido os tribunais, sem que a respeito dele tenha havido pronunciamento do STF. Permitir, em casos tais, que um tribunal local possa, sem mais e em qualquer circunstância, rescindir a sentença, significaria transformar a ação rescisória em simples recurso ordinário, com prazo de dois anos, sem qualquer segurança de ganho para a guarda da Constituição. Seria, simplesmente, alimentar ainda mais a controvérsia, com a desvantagem adicional de ensejar sentenças em rescisória incompatíveis com futuro pronunciamento da Corte Suprema. Bem se vê, portanto, que em situações desse jaez fica difícil contestar, ainda que se trate de questão constitucional, o sentido lógico e prático da súmula 343. O que se quer afirmar, por isso mesmo, é que, em se tratando de ação rescisória em matéria constitucional, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do que seja ‘literal violação’ a existência de precedente do STF, guardião da Constituição. Ele, associado ao princípio da supremacia, é que justifica, nas ações rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da súmula 343 (negativo porque indica que, sendo controvertida a matéria nos tribunais, não há violação literal a preceito normativo a ensejar rescisão), por um parâmetro positivo, segundo o qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional, é contrária a pronunciamento do STF.”

Estas as conclusões de Teori:

“(a) a coisa julgada não é um valor absoluto, mas relativo, estando sujeita a modificação mediante ação rescisória, nos casos previstos no art. 485 do Código de Processo Civil; (b) admite-se rescisão, entre outras hipóteses, quando a sentença transitada em julgado tenha violado ‘literal disposição de lei’ (art. 485, V, do CPC); (c) ‘lei’, no texto referido, tem o significado de norma jurídica, compreendendo também a norma constitucional; (d) relativamente às normas infraconstitucionais, entende-se como ‘violação literal’ a que se mostrar de modo evidente, flagrante, manifesto, não se compreendendo como tal a interpretação razoável da norma, embora não a melhor; (e) quando a norma for de interpretação controvertida nos tribunais, considera-se como interpretação razoável a que adota uma das correntes da divergência, caso em que não será cabível a ação rescisória (súmula 343 do STF); (f) relativamente às normas constitucionais, que têm supremacia sobre todo o sistema e cuja guarda é função precípua do Supremo Tribunal Federal, não se admite a doutrina da ‘interpretação razoável’ (mas apenas a melhor interpretação), não se lhes aplicando, por isso mesmo, o enunciado da súmula 343; (g) considera-se a melhor interpretação, para efeitos institucionais, a que provém do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, razão pela qual sujeitam-se a ação rescisória, independentemente da existência de controvérsia sobre a matéria nos tribunais, as sentenças contrárias a precedentes do STF, seja ele anterior ou posterior ao julgado rescindendo, tenha ele origem em controle concentrado de constitucionalidade, ou em controle difuso, ou em matéria constitucional não sujeita aos mecanismos de fiscalização de constitucionalidade dos preceitos normativos; (h) não havendo precedente do STF sobre a matéria, o princípio da supremacia da Constituição e a indispensabilidade da aplicação uniforme de suas normas impõe que se admita ação rescisória, mesmo que se trate de questão controvertida nos tribunais; (i) todavia, a decisão de mérito que nela for tomada terá de dar ensejo a recurso extraordinário, com ataque não apenas aos pressupostos da ação rescisória, mas também aos seus fundamentos, único modo de viabilizar que o Supremo Tribunal Federal, com sua palavra autorizada e definitiva, encerre a controvérsia sobre a alegada violação à Constituição.”


Penso que o Ministro Teori bem compreendeu o papel desta Corte em nosso sistema.

Esse pensamento, em verdade, também corresponde a manifestações desta Corte em alguns julgados.

No julgamento do RE nº 89.108/GO, Plenário, Min. Cunha Peixoto, D.J. de 19.12.80, que não se aplica o verbete da Súmula 343/STF quando a interpretação for de texto constitucional. A ementa desse julgado está assim redigida:

“- AÇÃO RESCISÓRIA – PRESSUPOSTOS.

– Decisão que admite a constitucionalidade de lei estadual (lei nº 7.250, de 21.11.68 – art. 67 -, do Estado de Goiás, que estabeleceu a feitura de lista tríplice, dentre os aprovados no concurso público, para provimento de serventias da Justiça), ofende preceito constitucional (art. 97, § 1º, da CF), sendo passível, em conseqüência, de revisão através de ação rescisória, proposta com fulcro no art. 485, V, do CPC.

– Inaplicabilidade, à espécie, do enunciado nº 343 da Súmula do STF, seja pela inexistência de dissídio de julgados até o pronunciamento da inconstitucionalidade do dispositivo de lei estadual sob exame, quer porque o aresto discrepante, proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (RE nº 71.983), foi posteriormente absorvido por decisão contrária do Plenário desse mesmo Tribunal (RE nº 73.709).

Recurso extraordinário conhecido e provido.”

Nesse sentido, ainda:

Ação rescisória. Acidente do trabalho. Trabalhador rural. Ofensa ao art. 165, pár. único da Constituição. Súmula 343 (inaplicação). A atribuição ou extensão de benefício previdenciário a categoria não contemplada no sistema próprio implica ofensa ao art. 165, § único da CF, dada a inexistência do pressuposto da correspondente fonte de custeio total. A Súmula 343 tem aplicação quando se trata de texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, não, porém, de texto constitucional. Recurso Extraordinário conhecido e provido.”

(RE nº 101.114/SP, 1ª Turma, Min. Rafael Mayer, D.J. de 10.2.84)

“Ação rescisória. Acidente do trabalho. Trabalhador rural. Ofensa ao art. 165, parágrafo único da Constituição Federal. Súmula 343 (inaplicabilidade). A atribuição ou extensão de benefício previdenciário a categoria não contemplada no sistema próprio implica ofensa ao art. 165, parágrafo único, da Constituição Federal, dada a inexistência da correspondente fonte de custeio.

A Súmula 343 tem aplicação quando se trata de texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, não, porém, de texto constitucional.

Recurso extraordinário conhecido e provido.”

(RE nº 103.880/SP, 1ª Turma, Min. Sydney Sanches, D.J. de 22.2.85).

Por último, cabe, ainda, a alusão ao precedente da 1ª Turma desta Corte, no RE 415.505/DF, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 04.06.04, que justifica, plenamente, a procedência do fundamento constante da ressalva feita no voto da relatora do acórdão recorrido (fls. 36-38). Senão, vejamos:

“EMENTA: Correção monetária de contas vinculadas a FGTS deferida por decisão judicial, com base no direito adquirido: ação rescisória proposta pela Caixa Econômica Federal, com fundamento em violação da norma do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal: possibilidade jurídica do pedido.

1. Consolidou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que ‘a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado’ (Súmula 654).

2. Daí não se extrai, porém, que não possa o Estado impugnar em juízo, com base na referida norma constitucional do art. 5º, XXXVI, a decisão que a tenha indevidamente aplicado a hipótese onde não haja direito adquirido a garantir: precedentes.

3. De resto, é extremamente duvidoso que a premissa do acórdão se aplique à Caixa Econômica, quando litiga como gestora do FGTS.”

Tais precedentes, penso, correspondem à melhor exegese, tanto do texto constitucional quanto do instituto da ação rescisória, em sua específica previsão no inciso V do art. 485 do CPC.

Não vejo, com a devida vênia, que a opção restritiva que se tem colocado seja a mais adequada. Não vejo, sobretudo, uma razão constitucional consistente para a opção de caráter restritivo.

VI – CONCLUSÃO

Por tudo o que foi exposto, e pedindo vênia ao relator, ao contrário do que sustentado na decisão recorrida, penso que o pedido é juridicamente possível.

A inicial da ação rescisória fundamenta-se na ofensa ao princípio do direito adquirido que, embora, no caso, tenha constado a referência expressa ao art. 5º, XXXVI, ressalte-se ser ela de todo dispensável, diante da clara invocação do aludido princípio constitucional.

Assim, dou provimento ao agravo regimental e, desde logo, converto o agravo de instrumento em recurso extraordinário a que dou provimento para determinar que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória, na qual se invoca, exatamente, a não-violação do direito adquirido.

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