Tempo de injustiça

Cinco anos depois, Pimenta Neves continua impune

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20 de agosto de 2005, 8h43

Cinco anos depois de ter assassinado a jornalista Sandra Gomide, e confessado o crime, o também jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves ainda não foi julgado e continua em liberdade. Duas ações tramitam na Justiça contra o jornalista e bacharel. Uma delas é para levá-lo a júri e a outra é de indenização por danos morais aos pais da jornalista, João e Leonilda Gomide.

O processo pelo assassinato da jornalista aguarda o julgamento de dois Agravos de Instrumento apresentados pela defesa de Pimenta. A ação de indenização está na primeira instância da Justiça paulista aguardando sentença, depois de ficar mais de dois anos emperrada por uma questão de falta de custas judiciais.

Os agravos são contra despacho do Tribunal de Justiça de São Paulo que impediu a subida dos recursos Especial e Extraordinário do jornalista ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Pimenta quer bloquear o júri por homicídio qualificado. Ele pede a condenação por homicídio simples e o reconhecimento de sua violenta emoção.

No mesmo ano do crime, Pimenta chegou a ter prisão preventiva decretada pela primeira instância, mantida pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. A defesa entrou com pedidos de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça e depois, no Supremo Tribunal Federal. Em junho de 2001, decisão da 2ª Turma do STF derrubou o decreto de prisão preventiva.

O Supremo entendeu que Pimenta não apresenta periculosidade ou risco de fuga. Como afirmou o advogado Luiz Flávio Gomes em entrevista ao repórter especial da revista Consultor Jurídico Claudio Julio Tognolli: “O absurdo não é ele estar solto. O absurdo é ele não ter sido julgado ainda”. No caso de Pimenta Neves, é compreensível que, como entendeu o STF, não cabe prisão processual. Mas é imperdoável que não tenha sido julgado depois de tanto tempo para que, em caso de condenação, seja aplicada a pena pertinente.

Antes da morte de Sandra, o Ministério Público chegou a abrir inquérito contra Pimenta, por ter invadido a casa da jornalista, com agressões e ameaças. Esse processo foi engavetado.

A longa espera

Transtornado desde que fora abandonado pela namorada, Antonio Marcos de Pimenta Neves, 63 anos, matou Sandra Gomide, com dois tiros disparados a queima-roupa, no dia 20 de agosto de 2000. Pimenta Neves era o diretor de redação e Sandra a editora de Economia do jornal O Estado de S. Paulo.

Em 2000, Pimenta Neves foi pronunciado por homicídio duplamente qualificado, para ir a júri. A sentença de primeira instância acatou o pedido do advogado que representa a família de Sandra, Luiz Fernando Pacheco. A defesa do ex-jornalista entrou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a sentença de pronúncia. Depois a defesa entrou com Recurso Especial no STJ e Recurso Extraordinário no STF.

Para que os recursos subissem para Brasília deveriam passar antes por um despacho de admissibilidade do 2º vice-presidente do TJ paulista. Cabe a ele dizer se o recurso tem condições técnicas de subir ou não aos tribunais superiores. O desembargador não permitiu a subida dos recursos. Contra o despacho, a defesa de Pimenta entrou com dois Agravos de Instrumento que ainda estão subindo para a Brasília.

“A nossa expectativa agora é que esses agravos sejam julgados o mais breve possível. São questões simples que estão ali colocadas, pois os recursos tinham de ser indeferidos mesmo. Na verdade o Pimenta está se valendo da lei e da morosidade do Judiciário para cristalizar a sua impunidade”, afirma Pacheco.

O advogado da família pretende que mesmo na pendência de julgamento dos agravos, o júri aconteça. Ele explica que os agravos, no rigor da lei, não têm efeito suspensivo, ou seja, eles não impedem a realização do júri.

Segundo Pacheco o crime de Pimenta não tem chance de prescrição, porque a sentença de pronúncia interrompe a prescrição. Além disso, a prescrição para casos de júri é de 20 anos. No caso do Pimenta, quando ele fizer 70 anos, a prescrição cai pela metade. A precisão começa a correr a partir da pronúncia, e não da data do fato. Pacheco calcula que o réu, de 68 anos, pode ser condenado de 12 a 20 anos de prisão. Para o crime qualificado a pena é de 12 a 30.

De acordo com Pacheco a demora da solução no caso não pode ser atribuída à infinidade de recursos impetrados pela defesa de Pimenta e sim à morosidade da Justiça. “Os recursos estão previstos em lei e ele tem todo direito de se valer disso. Eu não tenho uma crítica à atuação dele ou à defesa dele. A crítica é à morosidade judicial”, afirma.

O advogado afirma, ainda, que o sistema de recursos em si, não é um mal e sim, como o Judiciário está despreparado para fazer frente a esse sistema de recursos. “Não posso dizer que seja culpa do sistema processual. É preciso olhar um outro lado, não podemos fazer uma generalização por causa desse caso concreto. Os recursos, muitas vezes, corrigem erros que existem na atividade jurisdicional”, explica Pacheco.

Ele defende que o problema é o número de demandas que aumenta ano a ano e o tribunal não consegue se estruturar para dar conta do volume.

Por danos morais

Pimenta Neves também responde por danos morais em uma ação que teve um andamento típico da demora judicial. O advogado Floriano de Azevedo Marques, que promove a ação em nome da família de Sandra, afirma que inicialmente enfrentaram uma dificuldade prosaica: o juiz queria que a família recolhesse custas processuais absolutamente proibitivas para poder mover a ação.

“Isso atrasou bastante porque tivemos que ir até o Tribunal de Justiça para conseguir que a ação seguisse sem o recolhimento de custas. O que demorou mais de dois anos”, afirma Marques.

Agora a ação voltou ao seu curso normal e está na primeira instância. Uma audiência de conciliação está marcada para o dia 16 de setembro deste ano para uma tentativa de acordo entre as partes, o que Marques acha improvável que vá acontecer.

“Ele (Pimenta) já manifestou desinteresse em conciliação qualquer que seja. De nossa parte a única conciliação possível é mediante o pagamento de alguma indenização em função do dano causado por ele”, explica o advogado.

Depois da audiência, se não houver conciliação, a ação vai entrar em fase de sentença e a expectativa de Marques é que ainda nesse ano saia uma definição. A defesa da família calcula uma indenização em torno de R$ 80 mil com parâmetros de casos assemelhados na jurisprudência.

“O grande problema nesse caso é que houve uma discussão paralela que atrasou o curso da ação. O Judiciário teve uma visão um pouco equivocada com relação ao que é essencial na prestação da Justiça, que é resolver os conflitos, e não ficar se preocupando com custas judiciais numa ação em que a família sequer tem condições de recolher custas”, lamenta Marques.

Na ação houve pedido de bloqueio dos bens de Pimenta. A primeira instância decretou o bloqueio, mas depois revogou a determinação por conta da questão do recolhimento das custas processuais. A decisão foi revertida em julgamento de recurso no TJ paulista, que restabeleceu o bloqueio dos bens.

“Esse é um caso que coloca em xeque até que ponto a Justiça é capaz de fazer justiça. Eu tenho esperança que nesse caso, ainda que tardia, a justiça seja feita”, finalizou o advogado.

Fardo pesado

A dor da perda da filha, a falta de justiça, e por conseqüência, a impunidade do culpado, é uma luta diária da família de Sandra Gomide. Em entrevista concedida em março deste ano ao repórter Claudio Julio Tognolli, João Gomide, pai da jornalista, revelou que sua mulher está com sérios problemas psíquicos e alterna fases em que crê que Sandra esteja viva com períodos de lucidez.

João Gomide passou a sofrer do coração depois da morte de Sandra e já se submeteu a quatro intervenções coronárias. “Cada dia eu fico pior. Não me movimento mais bem. Se saio de casa, tem de ter uma pessoa junto. Eu e minha mulher vivemos de aposentadoria agora. Vendi minha loja de escapamentos. Vivo de quirelas. Quero ver o Pimenta pagar”, afirmou João na entrevista.

Ele não acredita mais na Justiça brasileira: “Se eu fosse mais novo, eu ia embora do país. Iria arriscar sair pelo México, isso se eu tivesse uns 30 anos de idade. Este país aqui não dá mais”.

Queimado na praça

Depois do assassinato de Sandra, Pimenta Neves foi à seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil com um pedido de inscrição. Ele se formou em direito há mais de 30 anos e ainda não havia se inscrito. O pedido de Pimenta ainda não foi analisado.

Como explica o advogado Raul Haidar, para que um advogado se inscreva na Ordem é preciso que ele tenha idoneidade moral. Ele precisa fazer uma declaração de que não existe nada contra ele, que seu nome está limpo. A OAB entende a declaração como documento verdadeiro.

Depois que o pedido já existe, qualquer pessoa da sociedade civil pode se opor ao pedido, alegando que a pessoa não tem idoneidade moral.

No caso de Pimenta Neves, a primeira pessoa a se opor ao seu pedido foi o advogado Paulo Guilherme de Mendonça Lopes. Ele encaminhou à Ordem representação contra o pedido do jornalista. Na época, o Conselho da entidade examinou a questão e vários advogados se manifestaram contra a concessão do pedido. Mas não houve decisão.

Em sua representação à OAB contra a admissão de Pimenta Neves, o advogado Mendonça Lopes afirma: “como se sabe, o Sr. Antonio Marcos Pimenta Neves, por r. Sentença datada de 13 de junho de 2002, foi pronunciado pela MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ibiúna, Estado de São Paulo, como incurso nas sanções previstas no art. 121, § 2º, inciso I e IV, do Código Penal, em razão de haver matado a jornalista Sra. Sandra Florentino Gomide, por motivo torpe, utilizando-se, outrossim, de meios que dificultaram a defesa da vítima. Mas não só. O próprio Sr. Antonio Marcos Pimenta Neves confessou o crime”.

Lopes afirmou, ainda, que “resta claro que uma pessoa que tira a vida de outra, por motivos que não a defesa da própria ou da de outrem, se considera além do bem e do mal, um juiz, com poder de vida e de morte sobre os homens. Uma pessoa que assim se considera, e age, não possui os mínimos atributos morais para ingressar nos quadros da Ordem. A condenação legal, aqui pouco importa, posto que o que interessa é a moral. O abalo à credibilidade e autoridade dessa augusta casa, na hipótese de admissão do Sr. Antonio Marcos Pimenta Neves como advogado será incomensurável e devastador”.

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