Costura em domicílio

Trabalho em casa também pode gerar vínculo empregatício

Autor

19 de agosto de 2005, 10h31

Trabalhador que é contratado e trabalha em casa também tem direito ao vínculo empregatício. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Uma costureira entrou com processo na 19ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo o reconhecimento da relação de emprego com a confecção que a contratou. Ela sustentou que, em troca de remuneração mensal de R$ 400, era obrigada a costurar no prazo estipulado pela empresa.

A confecção contestou a afirmação. Alegou que a costureira era autônoma pois atuava “por sua conta e risco, sem subordinação, estabelecendo, ela própria, a forma de realizar a atividade, sem submissão à estipulação de quantidade, qualidade e prazo de entrega das tarefas”.

A primeira instância acolheu a tese da confecção. A costureira recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O relator do Recurso Ordinário, juiz Francisco Antônio de Oliveira, esclareceu que “nos termos do artigo da CLT, ‘não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento de empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego’. E esta se configura, quando o trabalho é executado por conta do empregador, de modo pessoal, com habitualidade, mediante subordinação e remuneração (artigo 3º da CLT)”.

Para o relator, “a certeza maior da existência de subordinação, elemento essencial à caracterização do vínculo empregatício, encontramos no depoimento da reclamada, (…) onde restou afirmado que a reclamante deixou de receber serviços da reclamada porque não aceitou uma máquina melhor para trabalhar, o que evidencia a aplicação de penalidade” e caracteriza a relação de emprego.

A decisão da 6ª Turma do TRT paulista foi unânime. Os juízes reconheceram o vínculo empregatício e determinaram que o processo retornasse à 19ª Vara do Trabalho de São Paulo para o julgamento dos direitos devidos à costureira por causa do contrato de trabalho.

Em nova sentença, agora, a Vara condenou a confecção a pagar à costureira o aviso prévio, férias acrescidas de um terço e FGTS com multa de 40% pela demissão sem justa causa. Todas as verbas deverão ser acrescidas de juros e correção monetária.

AI RO 00997.2002.019.02.00-1

Leia a íntegra do voto

AGRAVO DE INSTRUMENTO DA 19ª VT/SÃO PAULO

AGRAVANTE: LUZIA DA SILVA SANTOS

AGRAVADO: MARIA JOSÉ NUNES FERREIRA ME

EMENTA

COSTUREIRA — TRABALHO A DOMICÍLIO — VÍNCULO EMPREGATÍCIO CONFIGURADO — de acordo com o disposto no art. 6º da CLT, inexiste distinção entre o trabalho prestado no estabelecimento do empregador e o realizado no domicílio da trabalhadora, impondo-se o reconhecimento do vínculo empregatício quando se constata que a função de costureira estava voltada às atividades normais e permanentes da empresa, bem como que o labor era prestado com pessoalidade, em caráter não eventual e sob subordinação jurídica.

AGRAVO DE INSTRUMENTO (fls. 107/115), interposto pela reclamante sob o argumento de que não possui condições de arcar com o pagamento das custas processuais a que foi condenada.

No recurso ordinário de fls. 92/104, pugna pela concessão dos benefícios da justiça gratuita. No mérito, requer a desconsideração do depoimento da testemunha da reclamada, posto que restou provada a amizade entre ambas. Sustenta que restou demonstrada a existência de vínculo empregatício, requerendo o pagamento das verbas rescisórias, reajustes salariais, horas extras, seguro desemprego e FGTS+40%.

Contraminuta (fls. 121/124) e contra-razões (fls. 125/129).

O Ministério Público (fl. 130).

É o relatório.

VOTO

DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.

Informou a agravante, na inicial, que recebia salário de R$ 400,00 e não teve o contrato de trabalho anotado na CTPS, tendo sido dispensada em 04.02.2002.

Desta maneira, não é factível exigir-se do trabalhador o pagamento de custas processuais no importe de R$ 170,00. Vale dizer: para que a agravante recolhesse as custas a que fora condenada, deveria trabalhar durante mais de 12 (doze) dias, sem se dar ao luxo de gastar sequer R$ 0,01 (um centavo de Real) com transporte, alimentação ou qualquer outra coisa.

Pior seria se considerássemos os valores admitidos pela reclamada como ganho mensal pelos serviços prestados (R$ 200,00 — fl. 36).

Ressalte-se que restou observado pela reclamante os termos do art. 4º da Lei nº 1.060/50.

Nestes termos, valendo-me da faculdade prevista no art. 790, § 3º, CLT, defiro à autora a isenção do pagamento das custas.

DÁ-SE PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

DO RECURSO ORDINÁRIO

Por estar em condições, passo à análise do recurso ordinário interposto.

Do vínculo empregatício

Merece reforma a r. decisão do primeiro grau.

Inicialmente, não há falar em desconsideração do depoimento da testemunha ouvida pela reclamada, posto que não restaram caracterizados os motivos apontados na contradita.

Por outro lado, da análise da peça contestatória e do depoimento prestado pela reclamada em juízo, extrai-se, sim, a existência de vínculo empregatício entre as partes.

Assim é que, tendo a reclamada admitido a prestação de serviços, atraiu para si o ônus de descaracterizar a relação de emprego. E deste ônus não se desicumbiu a contento.

Nos termos do art. 6º da CLT, “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento de empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”. E esta se configura, quando o trabalho é executado por conta do empregador, de modo pessoal, com habitualidade, mediante subordinação e remuneração (art. 3º da CLT).

De outra parte, afastar-se-ia a relação de emprego, em favor da caracterização da autonomia do trabalho prestado, quando, em face do “modus operandi” da trabalhadora domiciliar, atuava por sua conta e risco, sem subordinação, estabelecendo, ela própria, a forma de realizar a atividade, sem submissão à estipulação de quantidade, qualidade e prazo de entrega das tarefas.

Todavia, não é isso que se observa dos autos.

A reclamada admitiu que a prestação de serviços pela autora não só em sua residência, como também na sede da empresa, sendo certo, também que a reclamante estava obrigada a realizar os serviços que lhe eram cometidos no prazo estipulado pela empresa.

A certeza maior da existência de subordinação, elemento essencial à caracterização do vínculo empregatício, encontramos no depoimento da reclamada, prestado às fls. 22/23, onde restou afirmado que a reclamante deixou de receber serviços da reclamada porque não aceitou uma máquina melhor para trabalhar, o que evidencia a aplicação de penalidade.

Ora, ainda que se admitisse que o labor era prestado na residência da própria reclamante, o que não afasta o reconhecimento do vínculo empregatício como antes salientado, evidente que existiu subordinação direta às ordens da reclamada.

Assim, torna-se inconteste a relação empregatícia, uma vez que demonstrado nos autos que os serviços prestados pela autora estavam em sintonia com a finalidade da empresa.

Deverão os autos retornarem ao MM. Juízo do primeiro grau para análise dos demais pedidos constantes da inicial, como de direito.

Nestes termos, DÁ-SE PROVIMENTO ao agravo de instrumento para destrancar o recurso ordinário e, quanto a este, DÁ-SE PROVIMENTO para, reconhecendo-se a existência de vínculo empregatício, determinar o retorno dos autos ao MM. Juízo do primeiro grau para análise dos demais pedidos constantes da inicial, como de direito.

FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!