Papel do defensor

Projeto quer garantir direito à palavra a advogado nas CPIs

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17 de agosto de 2005, 10h06

Um projeto de lei pretende garantir o direito de os advogados que acompanham depoentes nas CPIs — Comissões Parlamentares de Inquérito se pronunciarem em defesa aos seus clientes. Proposto no final de junho, o projeto, que está na CCJ — Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, causa divergências nos meios jurídico e parlamentar. Para uns, a medida vai contribuir para a democracia. Outros, no entanto, acham que só vai tumultuar ainda mais os depoimentos nas CPIs.

O autor do texto é Wagner Rubinelli (PT-SP), suplente de deputado federal, que apresentou o projeto enquanto ocupava o cargo no lugar do então ministro da Casa Civil José Dirceu. Rubinelli, que também é advogado, entende que existe abuso dos parlamentares para cercear a defesa do depoente.

A proposta pretende acrescentar o artigo 3º A à Lei 1.579, de 1952, que regulamenta o funcionamento das CPIs. Em maio de 2003, foi adicionado o parágrafo 2º no artigo 3º, que garantiu ao advogado o direito de acompanhar seu cliente durante o depoimento na Comissão, mesmo em reunião secreta. Não há nenhuma regulamentação que proíba o defensor de se manifestar mas, segundo alguns especialistas que acompanham ou já acompanharam depoentes, não lhes é concedido o direito de intervir no depoimento. Se decidirem intervir, podem até sair da sala presos.

Para o advogado Laertes de Macedo Torrens, consultor jurídico da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional paulista da OAB, as CPIs, da forma como estão estabelecidas, são verdadeiras sessões inquisitoriais. “O advogado não tem nenhuma participação ativa no depoimento, apenas a sua presença física”, ressalta.

Ele destaca também outro fato que vem acontecendo nas CPIs. Alguns convocados para depor têm ido às sessões munidos de Habeas Corpus preventivo, para poder se calar diante de algumas perguntas e não ser presos por mentir, ou seja, depor como investigado e não como testemunha. Para Torres, isso deveria acontecer sem a necessidade de HC. “A pessoa não pode assumir o compromisso de se auto-incriminar”, afirma.

O presidente da CCJ, deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), no entanto, alega que a CPI, como um inquérito parlamentar, é sim inquisitória, e não um processo com direito a contraditório. “O que a Constituição garante para o advogado é o pleno exercício do direito de defesa quando há processo contraditório. Em inquérito, não há regra constitucional sobre isso”. Para ele, que também é procurador de Justiça, o advogado pode até se comunicar com seu cliente, mas não intervir, assim como nos inquéritos policiais.

“Prefiro me aprofundar antes de discutir se a proposta é constitucional ou não, mas já digo que sou contra porque a medida vai transformar as sessões das CPIs em julgamentos, e torná-las ainda mais tumultuadas”, acredita. Rubinelli, no entanto, explica que, segundo sua proposta, o advogado deve pedir a palavra antes de se pronunciar, sempre que sentir que seu cliente está sendo ofendido ou prejudicado de alguma forma, e não simplesmente interromper quando um parlamentar estiver falando.

Outro advogado, também conhecido por atuar em CPIs, que preferiu ter sua identidade preservada, acredita que o projeto é inócuo porque a Constituição já garante o direito de o defensor se pronunciar em qualquer lugar, seja CPI ou não. “Não podemos estabelecer leis a cada circunstância factual”, diz.

O relator do Projeto de Lei 5.575 na CCJ é o deputado Moroni Torgan (PFL-CE), delegado da Polícia Federal.

Leia a íntegra do projeto

PROJETO DE LEI Nº 5.575/05

(Do Sr. Rubinelli)

Acrescenta o art. 3º A, à Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, que dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Acrescente-se o art. 3º A, à Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, com a seguinte redação:

“Art. 3º A. Fica assegurado ao advogado o uso da palavra, nas reuniões das Comissões Parlamentares de Inquérito, sempre que necessário, para defesa dos direitos de seus constituintes.

§ 1º Para fazer uso da palavra, o advogado deverá pedir, pela ordem, ao Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo que, após deferida, fará uso da mesma.

§ 2º O advogado não poderá interromper ou interpelar os parlamentares, quando os mesmos estiverem fazendo uso da palavra.”(NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação

A Constituição Federal, no seu art. 133, consagrou os princípios da indispensabilidade e da imunidade do profissional da advocacia, ao estabelecer que: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A pessoa que estiver sendo ouvida em sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito tem direito à assistência de advogado, cuja intervenção deverá exprimir o resguardo à liberdades públicas e os direitos e garantias fundamentais.

Oportuno transcrever trecho da decisão prolatada pelo Ministro Celso de Mello, no Mandado de Segurança nº 23.576-4, STF, DJU de 3-2-2000, referente à atuação do advogado em Comissão Parlamentar, citada por Alexandre Issa Kimura, em sua obra “CPI – Teoria e Prática”, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 94-95, in verbis:

“O advogado – ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado – converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas – legais ou constitucionais – outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, diretriz consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O exercício do poder de fiscalizar eventuais abusos cometidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito contra aquele que por ela foi convocado para depor traduz prerrogativa indispensável do Advogado, no desempenho de sua atividade profissional, não podendo, por isso mesmo, ser ele cerceado, injustamente, na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele que lhe outorgou o pertinente mandato.

O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão. A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra e nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.

O ordenamento positivo brasileiro garante ao cidadão, qualquer que seja a instância de Poder que o tenha convocado, o direito de fazer-se assistir, tecnicamente, por Advogado, a quem incumbe, com apoio no Estatuto da Advocacia, comparecer às reuniões da CPI, nelas podendo, dentre outras prerrogativas de ordem profissional, comunicar-se, pessoas e diretamente, com seu cliente, para adverti-lo de que tem o direito de permanecer em silêncio (direito este fundado no privilégio constitucional contra a auto-incriminação), sendo-lhe lícito, ainda, reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceitos constitucionais, legais ou regimentais, notadamente quando o comportamento arbitrário do órgão de investigação parlamentar lesar as garantias básicas daquele – indiciado ou testemunha – que constituiu esse profissional do Direito”.

Portanto, o advogado, sempre que necessário, em sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito, deve exercer o direito à palavra.

Corroborando tal entendimento, cumpre mencionar a concessão de liminar no Mandado de Segurança nº 23.684-1, STF, DJU de 10-5-2000, prolatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, assegurando aos advogados de inquiridos em CPI, o exercício regular do direito à palavra, a saber:

“Ao conferir às CPIs os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, § 3º), a Constituição impôs ao órgão parlamentar às mesmas limitações e a mesma submissão às regras do devido processo legal a que sujeitos os titulares da jurisdição.

Entre umas e outras, situam-se com relevo as prerrogativas elementares do exercício da advocacia, outorgadas aos seus profissionais em favor da defesa dos direitos de seus constituintes.

Esse o quadro, defiro, em termos, a liminar, para determinar à autoridade coatora que assegure ao advogado dos inquiridos pela CPI, nas sessões que vem realizando no Estado de Alagoas, o exercício regular do direito à palavra, na conformidade do art. 7º, X e XI, da Lei nº 8.906/94”.

A proposta legislativa em comento, pretende assegurar a prerrogativa do advogado ao uso da palavra, nas reuniões das Comissões Parlamentares de Inquérito, sempre que necessário, para resguardar os direitos de seus constituintes, direito esse já consagrado pelos nossos Tribunais.

Desse modo, esperamos contar com o apoio de nossos ilustres Pares, com vistas à aprovação dessa propositura, que se reveste de inegável interesse público e alcance social.

Sala das Sessões, em

Deputado Rubinelli

PT/SP

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