Danos morais

Delegados da PF perdem ação contra rádio CBN

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15 de agosto de 2005, 18h04

As ações por dano moral não podem ser banalizadas. Com esse entendimento, o juiz Clóvis Ricardo de Toledo, da 19ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, julgou improcedente ação de indenização por danos morais movida por um grupo de delegados da Polícia Federal contra a rádio Excelsior, razão social da rádio CBN.

O motivo da ação foi o programa “Liberdade de Expressão” que foi ao ar no dia 15 de fevereiro deste ano. Na ocasião, ao discutir o assassinato da freira Dorothy Stang, o comentarista Carlos Heitor Cony afirmou “…ela é ineficiente em todo o Brasil. A Polícia Federal é um cancro na vida nacional. A verdade é essa, não é? O que a gente sabe da Polícia Federal é que, quando não é ineficiente, ela é corrupta. Então, realmente, não dá nenhuma garantia”.

Os delegados alegaram que houve uma “agressão imotivada que atingiu todos os policiais indistintamente, reputando-os ineficientes e corruptos”. Eles alegaram, ainda, que não houve notícia, mas uma agressão contra a comunidade dos policiais federais, qualificando-a como um cancro na vida nacional.

A rádio CBN, por sua vez, alegou que o comentário feito no programa “está imbuído de inegável interesse coletivo e amparado pelo interesse constitucional de crítica e de livre manifestação do pensamento, e que o dever da empresa é questionar a idoneidade e adequação das atividades desenvolvidas pelos órgãos públicos”.

O juiz entendeu que houve litigância de má-fé por parte dos autores. “Está plenamente caracterizada a culpa grave na promoção da demanda sem qualquer substrato fático razoavelmente capaz de geral dor e angústia nos autores, já que em nenhum momento foram expostas suas vidas ou condutas pessoais”.

Para o juiz Toledo, num Estado onde não há liberdade “a verdade permanece oculta pelos interesses dos poderosos do momento. Trata-se de uma imperiosa necessidade de Democracia”.

Ele afirmou ainda que “é fundamental que os independentes se manifestem sempre, denunciando o farisaísmo, a omissão, a violência, o erro, a inércia, a ausência, a corrupção, o abuso, a falácia, a podridão, o medo, a impostura, o segredo, procurando mostrar ao povo ou aos interlocutores o conhecimento racional sobre a estrutura e sobre o funcionamento dos acontecimentos relatados e também sobre a sociedade como um todo”.

A rádio CBN foi defendida pelo escritório Camargo Aranha Advogados Associados. Os delegados foram representados pelo escritório Paulo Esteves Advogados Associados.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

19ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA CAPITAL

Proc. Nº 000.05.051044-4

VISTOS.

MARCOS AURÉLIO FRANCO DE MACEDO e outros, já qualificados nos autos, propuseram ação com pedido condenatório de indenização por danos morais contra RADIO EXCELSIOR LTDA, também já qualificada nos autos, alegando, em breve síntese, que são Delegados da Polícia Federal com reputação ilibada e com excelentes serviços prestados à instituição, respeitados pelos colegas, pelos advogados e pela sociedade em geral, orgulhando-se de sua profissão. Afirmam que no programa intitulado “Liberdade de Expressão”, que foi ao ar no dia 15/02/2005 pela ré, em virtude do assassinato da freira Dorothy Stang, o comentarista Carlos Heitor Cony afirmou “[…] ela é ineficiente em todo o Brasil … A Polícia Federal, ela é um cancro na vida nacional. A verdade é essa, não é? O que a gente sabe da Polícia Federal é que quando não é ineficiente ela é corrupta. Então, realmente, não dá nenhuma garantia”.

Afirmam que houve uma agressão imotivada que atingiu todos os policiais indistintamente, reputando-os ineficientes e corruptos. Afirmam que não há uma notícia, mas uma agressão contra a comunidade dos policiais federais, qualificando-a como um cancro na vida nacional. Afirmam que isso foi feito de forma coletiva, generalizada e indiscriminada, incluindo todos os policiais na mesma vala comum.

Afirmam que a menção foi feita de forma distorcida, induzindo o convencimento do ouvinte no sentido de que a Polícia Federal é ineficiente e corrupta houve a caracterização de danos morais que repercutiram nos sentimentos, na tranqüilidade, na dignidade, no decoro dos autores, humilhando-os perante suas famílias, colegas, alunos, serventuários públicos, enfim, toda a sociedade em geral. Requereu a condenação da ré ao pagamento de danos morais a serem arbitrados pelo Juízo, além dos ônus da sucumbência.

Com a inicial foram juntados os documentos de fls. 13/27. Os autores também juntaram os documentos de fls. 29/42.

Devidamente citada (fl. 47) a ré apresentou contestação (fls. 49/66), alegando, em breve síntese, que há ilegitimidade ativa, uma vez que o nome dos autores não é mencionado em nenhum momento pelos comentaristas. Afirma que o comentário está imbuído de inegável interesse coletivo e amparado pelo interesse constitucional de crítica e de livre manifestação do pensamento, e que o dever da empresa é questionar a idoneidade e adequação das atividades desenvolvidas pelos órgãos públicos, principalmente no caso mencionado, tendo em vista a inércia da Polícia Federal diante do assassinato da missionária. Afirma que o programa é respeitado e a sua essência é a total liberdade editorial. Afirma que Carlos Heitor Cony é escritor, jornalista e desde maio de 2000 é membro da Academia Brasileira de Letras.

Afirma que o âncora Heródoto Barbeiro lembrou logo no início do programa que a missionária já havia encaminhado ao governo federal carta um ano antes de sua morte na qual descrevia os crimes e cobrava a presença da Polícia Federal na região. Afirma que na mesma oportunidade Heródoto Barbeiro mencionou que em maio de 2004 a missionária havia dado depoimento da CPI da Terra e em junho do mesmo ano retornou à Brasília cobrando uma ação da Polícia Federal. Afirma que, da mesma forma, em novembro de 2004, a missionária teve uma audiência com o Ministro da Justiça, na cidade da Altamira, ocasião em que foi anunciada a criação de uma Delegacia da Polícia Federal na cidade, o que efetivamente não ocorreu. Afirma que o resultado foi que em fevereiro de 2005 a missionária foi assassinada, causando revolta e indignação a setores da sociedade, sendo este o contexto do comentário do jornalista Carlos Heitor Cony. Afirma que é público e notório que o Governo e a Polícia Federal nada fizeram para evitar a morte da missionária norte americana.

Afirma que as acusações feitas pelo jornalista não geram nenhuma indenização uma vez que vinculadas ao contexto mencionado. Afirma que de acordo com o comentário do Jornalista a morte da missionária foi uma reedição do assassinato de Chico Mendes. Afirma que a Polícia Federal tem demonstrado grande ineficiência na solução dos crimes de acontecem no Pará. Afirma que em menos de 30 anos mais de 70 pessoas foram assassinados no Estado do Pará, na luta pela reforma agrária, ocorrendo no local uma guerra civil rural. Afirma que no tocante à corrupção a revista Veja de 20/10/2004 trouxe entrevista com o diretor geral, Delegado Paulo Lacerda, no qual este afirmou que 90% da Polícia Federal é conivente com a corrupção.

Afirma que o Jornal o Estado de ao Paulo de 29/03/2005 informou que em recente correição realizada pela corregedoria constatou que em 40% dos policiais federais estariam envolvidos em irregularidades que trariam prejuízo de R$1,5 milhão por ano, somente na capital paulista. Afirma que jornalista apenas exerceu seu direito constitucional de livre manifestação do pensamento, de liberdade de criticar e informar. Afirma que a Constituição e as Declarações de Direitos Humanos permitem a liberdade de manifestação do pensamento. Afirma que os autores não comprovaram nenhum dano concreto, decorrendo apenas de fantasiosas suposições, e no caso de condenação a indenização deve ser feita dentro da realidade e da razoabilidade. Afirma que a pretensão de veiculação da sentença nos termos da Lei 5.250/67 não encontra guarida na legislação. Requereu a improcedência do pedido.

Com a contestação foram juntados os documentos de fls. 67/76.


Os autores manifestaram-se sobre a contestação (fls. 78/85), juntando documentos (fls. 86/135).

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil. Não há necessidade de produção de provas em audiência ou fora dela.

Já segundo as provas coligidas durante a instrução da causa, os pedidos condenatórios contidos na inicial devem ser julgados improcedentes.

Contudo, em um primeiro momento, antes analisar os pressupostos de fato do pedido condenatório, são necessárias algumas considerações sobre a liberdade do pensamento e sobre a liberdade de imprensa.

A liberdade de expressão do pensamento, nas palavras de Konrad Lonrez, ao mencionar o perigo da doutrinação feita pelos demagogos, é “[…] uma das mais importantes características do ser humano […]”. (A demolição do homem – crítica à falsa religião do progresso, ed. Brasiliense, 2ª edição, trad. Horst Wertig, p. 148).

Sem a plena liberdade de manifestação do pensamento, o homem se torna um autômato, sem independência, facilmente domesticado pelos doutrinadores demagogos, pelos militares violentos ou pelos publicitários sedutores.

A verdade deve sempre imperar no Estado Democrático de Direito.

E a verdade somente poderá imperar onde imperar também a liberdade do pensar. No Estado onde não há liberdade a verdade permanece oculta pelos interesses dos poderosos do momento. Trata-se de uma imperiosa necessidade de Democracia.

É preciso, necessário e fundamental que os independentes se manifestem sempre, denunciando o farisaísmo, a omissão, a violência, o erro, a inércia, a ausência, a corrupção, o abuso, a falácia, a podridão, o medo, a impostura, o segredo, procurando mostrar ao povo ou aos interlocutores o conhecimento racional sobre a estrutura e sobre o funcionamento dos acontecimentos relatados e também sobre a sociedade como um todo.

A certeza moral é um perigo. É necessário que as premissas levantadas pelos demagogos sejam questionadas. É necessário que as notícias da imprensa sejam também questionadas, uma vez que a pressa leva ao erro, ou ainda à leviandade de mostrar rapidamente o acerto deste ou daquele Governo em determinado conflito, como facilmente se verifica no caso de invasões criminosas a países por forças poderosas para matar os civis indistintamente sob os mais perigosos argumentos, como já denunciado alhures pelo sábio Noan Chomsky.

A doutrinação que leva a certeza moral é um perigo para as liberdades, é um perigo para a juventude.

Segundo Jacques Ranciére, “Hegel já zombava da noite do Absoluto, onde todas as vacas são cinzentas.” (Folha de São Paulo, Mais!, domingo, 31 de março de 2002). Não há verdades absolutas, como já pretenderam instalar as ditaduras de direita e de esquerda, e o pensar é livre, uma vez que “nada já existiu antes”, nas palavras de Konrad Lorenz (A demolição do homem – crítica à falsa religião do progresso, ed. Brasiliense, 2ª edição, trad. Horst Wertig, p. 177).

É preciso distinguir o certo do errado, ouvir, falar, questionar. E isso é a liberdade.

Albertus Camus definiu liberdade da seguinte forma: “Liberdade nada mais é do que uma oportunidade de fazer melhor.”

“A vida é crescimento. A história do homem, da poeira protoplásmica ou do limo ao que quer que a corrida atrás da ‘noosfera’ de Teilhard de Chardin eventualmente alcance, é uma história de desenvolvimento, de melhoria, de atualização de um potencial. Tal desenvolvimento, como Darwin provou, depende do acaso, da oportunidade de selecionar entre alternativas, ou, nas palavras de Camus, ‘a oportunidade de fazer melhor’. A liberdade é, então, a disponibilidade de fazer aquelas seleções que militam em prol do progresso da vida e do desenvolvimento da raça humana. Como disse Archibald McLeish, o poeta-advogado-estadista norte-americano, e um dos fundadores da Unesco: ‘Liberdade é o direito de escolher; o direito de criar para si mesmo as alternativas de escolha.’.” (Desmond Fischer, O direito de comunicar, ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p. 21).

Expressar o pensamento é dar um pouco de si para o debate, para o diálogo, para o crescimento. Esta é uma virtude socrática, do livre discutir tudo o que for cognoscível. É poder dizer a opinião sobre todos os assuntos que digam respeito aos negócios e aos interesses públicos.

Rui Barbosa definiu a liberdade de pensamento da seguinte forma: “De todas as liberdades, a do pensamento é a maior e a mais alta. Dela decorrem todas as demais. Sem ela todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o governo do Estado.” – grifei – (Teoria política, seleção, coordenação e prefácio de Homero Pires, W.W., Jackson Inc. Editores, voluma XXXVI, p. 257/258).

A Constituição da República, no art. 5º, inciso IV, garante que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) estabelece nos arts. XVIII e XIX que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou particular” e “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, série documentos nº 14).

Liberdade de Expressão é, nas palavras de Nicholas Capaldi, na introdução do livro Da liberdade de expressão. Uma antologia de Stuart Mill a Marcuse, a “[…] liberdade de explorar, de descobrir, coordenar e divulgar aquilo que conhecemos, pensamos ou sentimos.”

Já segundo John Stuart Mill “Ninguém pode ser grande pensador sem reconhecer que, como tal, o primeiro dever é o de seguir sua inteligência a quaisquer conclusões que possa levar. A verdade lucra mais com os erros de alguém que, com o devido estudo e preparo, pensa por si mesmo, do que com as opiniões verdadeiras dos que só apóiam porque não são auto-suficientes para pensar. Não é só, ou principalmente, para formar grandes pensadores que se requer a liberdade de pensamento. Pelo contrário, ele é tanto, e mais indispensável ainda, para habilitar a média dos seres humanos a atingirem a estatura mental de que são capazes. Houve, e poderá haver ainda, grandes pensadores individuais numa atmosfera geral de escravidão mental. Nunca existiu, porém, nem existirá jamais, em tal atmosfera, um povo intelectualmente ativo.” – grifei — (Nicholas Capaldi, Da liberdade de expressão. Uma antologia de Stuart Mill a Marcuse, trad. Gastão Jacinto Gomes, Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 20).

Já no tocante à liberdade de imprensa, novamente é necessário o socorro a Rui Barbosa, o campeão das liberdades, para defini-la. Afirma Rui: “Há cento e oitenta anos que, na primeira fase da revolução francesa, na sua fase de luz e justiça, antes que os erros e paixões começassem a ensangüentá-la, um homem de autoridade superior entre seus contemporâneos, Pétion, ‘o virtuoso’, como eles lhe chamavam, exprimia-se assim: ‘Um dos maiores benefícios da liberdade de imprensa é acoroçoar os cidadãos a vigiarem sem cessar os homens que ocupam cargos públicos, alumiarem-lhes o procedimento, desvendarem-lhes as intrigas, advertirem a sociedade dos perigos, que corre.

Cria a liberdade de imprensa atalaias desveladas, que às vezes dão rebates falsos, mas às vezes os dão proveitosos; e mais vale estar de sobreaviso para a defesa, quando nos não acometem, que ficar desapercebido, convencida uma pessoa de que um funcionário público é culpado, e trai a confiança do povo; pode ter recebido confidências de um subalterno desinteressado; podem ocorrer, enfim, um sem conto de indícios, que obrigue a consciência de um homem escrupuloso a se declarar. Terá salvado a pátria. Entretanto, pela lei que vos propõe, será levado a juízo, e declarado caluniador. Quê! Hei-de eu aguardar que o inimigo tenha entrado em França, para dizer que a França se acha ameaçada? Para denunciar uma conjuração, hei-de esperar que ela estoure?” – grifei – (Teoria política, seleção, coordenação e prefácio de Homero Pires, W.W. Jackson Inc. Editores, volume XXXVIm p. 258/259).


A morte da missionária Dorothy Stang é gravíssima e resvala na capacidade do Estado brasileiro de manter a segurança das pessoas que estão sob o seu território.

Acontecimentos deste tipo se sucederam no tempo e no espaço sem que as autoridades constituídas tomassem as providências para dar segurança e proteção.

As mortes de Chico Mendes, do navegador neozelandês Peter Black, da missionária Dorothy Stang, de ecologistas, além das inúmeras mortes anônimas no campo, tanto no Pará como nos demais Estados da República Federativa do Brasil são uma ofensa e uma vergonha para a nação como um todo.

E a denúncia veemente de tais fatos deve ser reiterada e lembrada a todo o momento.

Leda Boechat Rodrigues lembra dois casos em que a Suprema Corte dos Estados Unidos teve oportunidade de julgar a questão da liberdade de imprensa. Em um dos casos, o matutino The New York Times havia publicado um anúncio de quatro pessoas que haviam descrito os maus tratos sofridos por Martin Luther King em Montgomery, tendo sido proposta uma ação por um funcionário do Estado do Alabama contra o jornal. O Ministro William J. Brennan Jr assim se referiu em parte da decisão: “A proposição geral de que a Primeira Emenda assegura a liberdade de expressão sobre questões públicas foi há muito firmada pelas nossas decisões. … Assim, consideramos este caso na perspectiva de um profundo compromisso nacional quanto ao princípio de que o debate de questões públicas deve ser livre de quaisquer inibições, robusto e aberto, podendo incluir ataques veementes, cáusticos e, algumas vezes, desagradáveis ao governo e aos funcionários públicos.” – grifei – (A corte de Warren, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991, p. 261).

Não é possível desencorajar os possíveis críticos da conduta e da postura oficial de exprimirem sua opinião. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, além dos demais órgãos e funcionários do Estado não estão imunes a críticas, ainda que veementes.

A crítica aos órgãos oficiais é um direito da imprensa e, principalmente, do Povo.

Na mesma questão decidida por aquele Tribunal de Justiça, o Ministro Hugo L. Black assim se pronunciou: “Afastando-me, neste ponto, da Corte, Voto no sentido de reformar a decisão recorrida baseando-me, exclusivamente, no fundamento de que o Times e os outros réus têm direito absoluto e incondicional de publicar, no referido anúncio, sua crítica aos órgãos oficiais e aos funcionários públicos de Montgomery. … Suspeito que esta Nação pode viver em paz sem ações de difamação baseadas na discussão pública de assuntos públicos e funcionários públicos, mas duvido que um país possa viver em liberdade quando seu povo pode ser obrigado a pagar, física e financeiramente pelas críticas feitas ao governo, às suas ações e aos seus funcionários. ‘Uma democracia deixa de existir no momento em que os funcionários públicos são de qualquer modo absolvidos de responsabilidae perante os seus constituintes; e isso acontece sempre que o constituinte pode ser impedido, por qualquer forma, de falar, escrever, ou publicar suas opiniões sobre qualquer medida publicam, ou sobre a conduta daqueles que podem aconselhá-la ou executá-la’. O direito incondicional de dizer o que quiser sobre os assuntos públicos é, na minha opinião, a garantia mínima da Primeira Emenda.” – grifei – ( A corte de Warren, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991, p. 263).

Por fim, é preciso mostrar, ainda, as sábias palavras do Ministro Arthur Goldberg para quem: “A teoria da nossa Constituição é a de que cada cidadão pode dizer sobre matérias de interesse público; os que controlam o governo não podem impedi-los de falar ou publicar, por acreditarem que o dito ou escrito é insensato, injusto ou malicioso. Numa sociedade democrática, aquele que age oficialmente, em função executiva, legislativa ou judiciária, em nome de seus concidadãos, deve esperar que seus atos oficiais sejam comentados e criticados. Tais críticas não podem, a meu ver, ser amordaçadas ou impedidas pelos tribunais, a pedido dos funcionários públicos, a pretexto de serem caluniosas. …Isto não significa que a Constituição protege afirmativas difamatórias dirigidas contra o procedimento privado de um funcionário ou de um cidadão privado.” (A corte de Warren, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1991, p. 263.

Durante todo o início da República Federativa do Brasil, sempre permeada de autoritarismo, incompreensão e intolerância para com a opinião alheia, e muito antes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte, o nosso Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido o direito à liberdade de imprensa e à liberdade de pensamento, com demonstrou Leda Boechat Rodrigues nos três primeiros volumes da História do Supremo Tribunal Federal, ed. Civilização Brasileira.

No caso dos autos, contudo, em nenhum momento foi feita qualquer afirmação desabonadora, seja no plano privado de suas vidas ou em seus comportamentos público e funcional, contra os autores Marcos Aurélio Franco de Macedo, Vanessa Credidio Costa, José Roberto Fiel de Jesus, Vânia Coradeli da Silva e Jéferson Clécio Simões.

Os comentaristas criticaram tão-somente a instituição Polícia Federal. E as instituições públicas, como já ficou dito e repetido no bojo da sentença, estão ai para serem questionadas e criticadas em seus procedimentos, posto que isso é da índole do sistema democrático.

E a instituição Polícia Federal não pode, de forma nenhuma, considerar-se impoluta, como mostra, por exemplo, a reportagem do Jornal do Brasil, do repórter Hugo Marques (25/03/2005), na qual a Corregedoria da Polícia Federal encontrou problemas no órgão, mencionando desvio de mercadorias, sumiço de armas, inquéritos clonados, e investigações sobre criminosos engavetados.

Se os órgãos públicos não pudessem ser questionados e investigados, não haveria democracia. Por outro lado, como os próprios autores dizem, são pessoas de bem, e devem ficar também indignados com os eventuais atos criminosos de colegas, ou com os erros e omissões da instituição.

Não há instituição ou funcionário público imune a críticas, ressalvadas as ofensas à honra e aos atos da vida privada dos funcionários.

Por fim, é preciso dizer que houve litigância de má-fé por parte dos autores, posto que está plenamente caracterizada a culpa grave na promoção da demanda sem qualquer substrato fático razoavelmente capaz de geral dor e angústia nos autores, já que em nenhum momento foram expostas suas vidas ou condutas pessoais. Foram propostas várias ações diluídas com o firme propósito de coagir o órgão de imprensa, já que se conclui que outras mais foram distribuídas às demais Varas deste Foro Central.

As partes têm plena ciência de que seus nomes jamais foram mencionados pelos comentaristas da Rádio. Um mínimo de consciência democrática poderia ter servido para frear o ímpeto litigante dos autores em defesa dos princípios mais comezinhos da democracia. As ações judiciais não podem ser banalizadas. O fenômeno da banalização dos processos judiciais, além de outros facilmente identificáveis, tem causado enormes prejuízos para a sociedade e para o Estado, atulhando o Judiciário com causas sem qualquer fundamento, e impedindo que as questões realmente justas sejam apreciadas.

A pena de litigância de má-fé é matéria de ordem pública e pode ser aplicada sem requerimento da parte contrária, uma vez que viola as regras processuais, além da ética das relações humanas.

Na lição dos mestres do processo civil, a configuração do litigante temerário é daquele cônscio de que não tem razão (Giusepe Chiovenda, in Instituições de direito processual civil, vol. II, Ed. Saraiva, 1965, Trad. J. Guimarães Menegale, acompanhadas de notas de Enrico Tullio Liebman, p. 371).

Na mesma obra, afirma o antigo professor da Universidade de Roma, que impende ao litigante o dever de boa fé na direção da causa, compreendendo, entre outras, “a obrigação de não sustentar teses de que, por sua manifesta inconsistência, é inadmissível que o litigante esteja convencido” — grifei — (Giusepe Chiovenda, in Instituições de direito processual civil, vol. II, Ed. Saraiva, 1965, Trad. J. Guimarães Menegale, acompanhadas de notas de Enrico Tullio Liebman, p. 370).

O processo é regido por normas de direito público, não devendo as partes vir a Juízo vindicar direitos pelos quais não acredita, ou indicar fatos que não são verdadeiros, atrasando a prestação jurisdicional, e causando transtorno para a parte contrária.

Na lição de Liebman, litigante temerário é aquele “sucumbente que tenha agido ou resistido em Juízo com má-fé ou culpa grave, isto é, sabendo ou devendo saber que não tinha razão.” — grifei — (Enrico Tullio Liebman, in Manual de direito processual civil, vol. I, 2ª edição, Trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1985, p. 132). Afirma ainda o doutrinador: “O fundamento dessa responsabilidade é, pois, subjetivo; mas a dificuldade de pesquisar diretamente a intenção do litigante obriga a recorrer também a elementos objetivos capazes de identificar a existência de lide temerária, a qual por isso mesmo deve ser considerada existente quando a pretensão ou a resistência for tão claramente infundada, que qualquer um seja capaz de percebê-lo” — grifei.

A litigância de má-fé é, rigorosamente, necessária para o caso, posto que em virtude do alegado houve a necessidade de contratação de Advogados para a realização de um direito constitucionalmente qualificado de expressar o pensamento de acordo com a livre consciência e do dever os órgãos públicos de prestar contas à sociedade.

Diante do exposto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de natureza condenatória contidos na inicial, extinguindo o processo com julgamento do mérito, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil.

Condeno os autores ao pagamento das custas, despesas processuais e nos honorários advocatícios, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tendo como base a equidade, nos termos do art. 20, § 3º, letras “a”, “b” e “c”, e § 4º, do Código de Processo Civil, tendo em vista a necessidade de ressarcimento das despesas que a ré teve com os honorários advocatícios, bem como em virtude do abuso no poder de litigar, e também da culpa grave dirigida à livre manifestação do pensamento.

Condeno o autores, ainda, ao pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa a título de litigância de má-fé, nos termos do art. 18, caput, Código de Processo Civil, e ao pagamento de outros 20% sobre o valor dado à causa, também como litigância de má-fé, agora nos termos do art. 18, § 2º, do Código de Processo Civil, com a finalidade de indenizar a parte ré pelos prejuízos que a ela causou, para vir a juízo em caso no qual há clareza e do direito constitucional do livre pensar e da manifestação do livre pensar, sem ofensa a qualquer dos autores individualmente, e, por fim, como forma de impedir a banalização do processo e o seu uso como forma de pressionar para obter indenizações de cunho patrimonial.

P.R.I.C.

São Paulo, 29 de julho de 2005.

CLÓVIS RICARDO DE TOLEDO JÚNIOR

Juiz de Direito

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