Falta de eficácia

Mulher que engravidou depois de laqueadura ganha indenização

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11 de agosto de 2005, 16h20

É de responsabilidade do hospital e do médico que faz a cirurgia de laqueadura de trompas informar a paciente que o método pode não ser completamente eficaz. Deixar de prestar a informação gera indenização por danos morais em caso de gravidez indesejada.

O entendimento é do juiz José Arnóbio Amariz de Sousa, da 2ª Vara Cível de Teófilo Otoni, Minas Gerais, que condenou o Hospital São Vicente de Paulo a pagar R$ 30 mil de reparação por danos morais à paciente Ivonete Alves Pereira.

A mulher fez laqueadura de trompas no dia 20 de março de 2000, mas, depois de um ano, engravidou do seu quinto filho. Ivonete entrou com a ação em primeira instância, já que o médico garantiu que ela não ficaria mais grávida. Ela alegou que vive em situação financeira precária e enfrenta dificuldades para cuidar dos filhos.

Em sua defesa, o hospital alegou que a paciente estava ciente dos riscos e benefícios da cirurgia de laqueadura de trompas e que a prestação de serviços do hospital se restringe à internação e aos cuidados médicos, e que não houve culpa do médico. Também sustentou que a gravidez da paciente está dentro do percentual previsível pela literatura médica e que a paciente estava consciente dos riscos, mas não tomou precauções.

O juiz acolheu o pedido de indenização. Para ele, o hospital é responsável pelos atos dos médicos que ali trabalham e o médico cirurgião, Ademir Camilo Prates Rodrigues, tem responsabilidade pela eficácia da cirurgia.

Segundo o juiz, ao fazer cirurgia de laqueadura, deve ser documentado que a mulher tem ciência de que o procedimento pode não ser totalmente eficaz. “A paciente, ao se submeter ao procedimento cirúrgico de laqueadura de trompas, deve declarar, documentalmente, que foi convenientemente esclarecida dos riscos e que não lhe resta qualquer dúvida sobre a intervenção que sofrerá, especialmente, de que a mesma não é totalmente segura, pois, sua efetividade não é 100%, uma vez que existe uma falha de 0,41%, além do que, existe risco excepcional de mortalidade derivado do ato cirúrgico e da situação vital de cada paciente”, registrou.

O hospital e o médico foram condenados também a pagar pensão mensal de um salário mínimo até que a filha complete 18 anos de idade.

Responsabilidade civil

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Leia a íntegra da decisão

S E N T E N Ç A

Vara: 2ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otoni

Processo nº: 686.03.067.986-0

Autora: Ivonete Alves Pereira

Réus: Ademir Camilo Prates Rodrigues e Hospital São Vicente de Paulo

Natureza: Ação de Indenização

Vistos etc.

I – RELATÓRIO

Ivonete Alves Pereira, qualificada na inicial, propõe a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO contra Ademir Camilo Prates Rodrigues e Hospital São Vicente de Paulo, já qualificados nos autos, alegando, em resumo, o seguinte:

No dia 20 de março de 2000, foi internada no Hospital Santa Rosália para ser submetida à cirurgia de ligadura de trompas e, no mesmo dia da internação, foi submetida à cirurgia, com alta médica no dia seguinte, tendo o médico, o primeiro réu, lhe garantido que ela jamais teria filhos.

Sucede que, após doze meses da ligadura de suas trompas, em março de 2001, a requerente engravidou-se, de cuja gestação nasceu seu quinto filho e, em situação financeira precária, enfrenta dificuldades para cuidar dos cinco filhos.

Relata a autora que o médico não realizou exame complementar radiológico para êxito do ato cirúrgico e não lhe orientou da sua necessidade, agindo de modo negligente e displicente.

Com a inicial, vieram os documentos de f. 7/16.

Pediu citação, procedência, condenação, justiça gratuita, dando valor à causa.Em resposta (f. 24/32), o Hospital-réu alegou inexistência de litisconsórcio necessário e que não há pedido para sua condenação.

No mérito, inexistência de responsabilidade solidária e que a autora autorizou, expressamente, a cirurgia de laqueadura de trompas, declarando-se ciente dos riscos e benefícios da mesma e que a prestação de serviços do hospital cingiu-se à internação da autora como paciente e que não houve falha na prestação de serviços, assim como não houve culpa do médico, cuja obrigação é de meio.


Juntou os documentos de f. 34/52.

Em resposta (f. 53/61, o médico-réu alegou inépcia da inicial, ilegitimidade para figurar no pólo passivo e, no mérito, não houve culpa de sua parte, que teve autorização expressa da paciente e declaração de conhecimento dos riscos de vir a se engravidar, tendo se utilizado da mais estrita técnica médica conhecida pela medicina atual, sendo sua obrigação de meio e não de resultado.

Diz, ainda, que a gravidez da paciente está dentro do percentual previsível pela literatura médica e, no caso concreto, previsto pela ré, que estava consciente dos riscos e, assim, não laborou com imperícia.

Juntou os documentos de f. 62/76.

Impugnando as contestações (f. 78//83), a autora refutou as preliminares e reafirmou os termos do pedido inicial, acrescentando que a declaração que assinou não esclarece a natureza dos riscos da intervenção cirúrgica.

Audiência de Instrução e Julgamento (f. 93), com oitiva de 2 testemunhas da autora, seu depoimento pessoal e do primeiro réu.

Alegações finais dos réus à f. 100/103 e 104/110.

Esse o relatório. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O contraditório foi observado, o processo teve seu trâmite dentro da normalidade, estando apto a receber julgamento de mérito.Cuida-se de ação de indenização por negligência médica, quando a autora se submeteu à cirurgia de laqueadura tubária, sem que o médico lhe prestasse os devidos e necessários esclarecimentos sobre o risco futuro de gravidez, o que veio a ocorrer, após um ano, nascendo seu quinto filho.

Os réus negaram, peremptoriamente, responsabilidade e a obrigação de indenizar a autora pela gravidez indesejada, ao fundamento de ausência de culpa em qualquer de suas modalidades.

Principiando o exame da causa, rejeito a preliminar suscitada pelo Hospital-réu, porque o prestador de serviços hospitalares é responsável solidário pelos atos dos médicos que ali atuam, no caso de falha na prestação do serviço.

Essa posição tem lastro em decisões do STJ, verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL – Hospital.Santa Casa. Consentimento informado. A Santa Casa, apesar de ser instituição sem fins lucrativos, responde solidariamente pelo erro do seu médico, que deixa de cumprir com a obrigação de obter consentimento informado a respeito de cirurgia de risco, da qual resultou a perda da visão da paciente.Recurso não conhecido. (STJ – RESP 467878 –

RJ – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar– DJU 10.02.2003)

Rejeito também as preliminares argüidas pelo médico contestante, porque a petição inicial preenche os requisitos da lei processual e ele é parte legítima para figurar no pólo passivo, pois, foi o médico que realizou a cirurgia na paciente e tem sim responsabilidade pelo seus atos, inclusive,tem obrigação de reparar eventuais prejuízos suportados pelo Hospital.

Esclarece-se aqui que a referência ao Hospital Santa Rosália, proferida na petição inicial, constitui evidente erro material, pois, toda documentação e os próprios réus confirmam que a cirurgia na paciente foi realizada no Hospital São Vicente de Paulo, pelo médico Ademir Camilo.

Os réus confirmaram e, na conformidade da prova documental constantes dos autos, que a autora foi submetida a cirurgia de laqueadura tubária, nas dependências do Hospital São Vicente de Paulo e não negam que ela ficou grávida após a ligadura de suas trompas.

Assim, o fato objetivo é real, bem como o nexo de causalidade e o prejuízo experimentado pela autora, conforme seu relato na petição inicial, surgindo para o Hospital o dever de indenizar, pois, nesse caso sua responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto a responsabilidade civil do médico na qualidade de profissional liberal, em face do disposto no art. 14, § 4º, do CDC, será apurada mediante verificação da culpa, regra aliás aplicável a todos os demais profissionais liberais, cujo elenco está relacionado no anexo art. 577da CLT. Quando se tratar de serviços médicos prestados por hospital, como fornecedor de serviços (art. 14, caput), a apuração da responsabilidade independe da existência de culpa, conforme esclarece ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS e BENJAMIN:

“O Código é claro ao asseverar que só para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema alicerçado

em culpa. Logo, se o médico trabalhar em hospital responderá apenas por culpa, enquanto a responsabilidade do hospital será apreciada objetivamente” (Com. ao Código de Proteção ao Consumidor, obra coletiva, Saraiva, 1991, p. 80).

Observa RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR sobre a atuação do médico nos dias atuais:

“Durante muitos séculos, a função esteve revestida de caráter sigiloso e mágico,atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte (…) O ato médico se resumia na relação entre uma confiança (a do cliente) e uma consciência (a do médico). As circunstâncias hoje estão mudadas. As relações sociais massificaram-se, distanciando o médico de seu paciente. A própria denominação dos sujeitos da relação foi alterada, passando para usuário e prestador de serviços, tudo visto sob a ótica de um sociedade de consumo, cada vez mais

consciente de seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados”(Responsabilidade civil do médico, RT718/33).


No caso examinado, a discussão gira em torno da negligência do médico, que não se acercou de cuidados objetivos, ou seja, não tomou as providências recomendáveis ao profissional diligente, ao prestar esclarecimento à paciente de forma deficiente e incompleta, para que a mesma pudesse decidir se deveria ou não se submeter à intervenção cirúrgica.

O médico obriga-se, antes de iniciar o ato cirúrgico de qualquer natureza, obter do paciente e, se for o caso, de seu responsável ou parente próximo, o que se denomina de “consentimento informado ou esclarecido”, posto em documento que alguns preferem denominar de “consentimento pós-informado”.

Significa dizer que o paciente tem o direito inarredável de ser correta e completamente informado de todos os riscos que podem surgir, durante ou depois, da intervenção cirúrgica.O que se espera, portanto, de um verdadeiro consentimento esclarecido é muito mais.

Seria um texto redigido especificamente para cada caso, numa linguagem clara e compreensível, explicando todas as complicações possíveis do procedimento e esclarecendo que o paciente tem todo o direito de abandonar o tratamento quando quiser.

Isso é o que recomenda os médicos AROLDO FERNANDO CAMARGOS e VCTOR HUGO DE MELO, assim declarando:

“Não se pode iniciar um tratamento, seja ele clínico ou cirúrgico, sem o consentimento esclarecido do paciente (…) E mais, esse esclarecimento não se atém a meras palavras e considerações superficiais” (in Ginecologia Ambulatorial, Editora Médica Coopmed,2001, p. 498).

Induvidosamente, a paciente, ao se submeter ao procedimento cirúrgico de laqueadura de trompas, deve declarar, documentalmente, que foi convenientemente esclarecida dos riscos e que não lhe resta qualquer dúvida sobre a intervenção que sofrerá, especialmente, de que a mesma não é totalmente segura, pois, sua efetividade não é 100%, uma vez que existe uma falha de 0,41%, além do que, existe risco excepcional de mortalidade derivado do ato cirúrgico e da situação vital de cada paciente.

Nessa conformidade e pela própria natureza de qualquer intervenção cirúrgica voluntária, é direito do paciente revogar o consentimento prestado.Por isso, a exigência do esclarecimento pleno sobre todas as circunstâncias e riscos próprios da intervenção cirúrgica e, no caso, o risco de nova gravidez é, portanto, previsível, pois, efetiva é a margem de falha, embora, de difícil ocorrência.

O que se vê, nos autos, é que o médico não foi diligente e cuidadoso, pois, o documento que exibe, como prova do consentimento da paciente, é de flagrante fragilidade e, muito mais, frágil como instrumento de defesa, porque, não informa pormenorizadamente à paciente os riscos, especialmente, de nova gravidez, que, indesejadamente, veio acontecer.

CIVIL E CONSUMIDOR – FATO DO SERVIÇO – LEI Nº 8078/90 – REPARAÇÕES MATERIAL E MORAL – Sociedade prestadora de serviços médicos que, por casa de saúde terceirizada, não realiza – nem disso cientifica a paciente – laqueadura tubária durante serviço de parto cirúrgico, vindo a causar nova gravidez, não planejada, causando extraordinária aflição à mãe, desprovida de recursos para a criação e sustento do novo filho. Fato do serviço – Lei nº 8078, art. 14, caput. Danos material e moral, reparações conseqüentes. Reparação material bem composta em sede monocrática no sentido da restituição do valor do pagamento efetuado para os serviços e a prestação de um salário mínimo como auxílio à criação até a maioridade civil do filho. Reparação moral fixada em 100 (cem) salários mínimos, razoável ante as posições sociais da ofensora e da ofendida e da repercussão da ofensa. Provimento parcial do recurso adesivo para essa finalidade. Improvimento do recurso principal. Unânime. (SCK) (TJRJ – AC 9661/2001 – (2001.001.09661) – 3ª C.Cív.– Rel. Des. Murilo Andrade de Carvalho – J.08.01.2002).

Não se descura que os serviços prestados pelos médicos não se sujeitam à responsabilidade objetiva, mas o dever de indenizar, nesses casos, dependente da averiguação da culpa, segundo disposto no § 4º do art. 14 da Lei 9.078, de 1990, pois, tais serviços estão compreendidos nas relações de consumo.

É da essência do caput art. 14 do CDC, que “o fornecedor de serviços responde (….) por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”, o que está reforçado pelo inciso III do art. 6º, que contempla como direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços”, destacando, ao final, “… os riscos que apresentem”.

A laqueadura tubária, como método contraceptivo, está prevista na Lei 9.263, de 1996, que regulamentou o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, dispondo no seu artigo 10, expressamente, sobre a autorização para se permitir a esterilização voluntária, exigindo, obrigatoriamente, o consentimento da paciente em documento escrito e firmado, “após a informação a respeito dos riscos da cirurgia”, notadamente, sobre a possibilidade de nova gravidez, por falha, embora remota, mas razoavelmente prevista.

Consignada a culpa dos réus, ao primeiro subjetivamente, e, ao segundo objetivamente, pela negligência cometida, não esclarecendo à autora, pormenorizadamente, as possibilidades de nova gravidez, obtendo dela uma declaração de consentimento informado adequadamente, fato que, evidentemente, causou-lhe sofrimento e angústia, ao contrair nova e indesejada gravidez, em face de suas precárias condições financeiras, para suportar as graves e prolongadas despesas de criação de mais um filho, o quinto, considerando-se ser ela e seu marido, pessoas pobres e de baixa-renda.

Nesse diapasão, entendo justo e adequado deferir a autora o pedido de pagamento das despesas que está tendo na criação do filho, oriundo da gravidez pós-cirurgia, em forma de pensão mensal, no valor de um salário mínimo mensal, a partir do nascimento da filha Jessiane Ferreira Dias, ocorrido no dia 15.01.2002.

O dano moral, conforme atrás justificado, deve ser indenizado, como forma de compensação ao sofrimento, angústia e aflições sofridas pela autora, viu frustrada sua vontade de não mais ter filhos, devido a negligência do médico e, evidentemente, do Hospital, que com o médico, é igualmente responsável pelo dever de compor os danos reclamados.

O valor da indenização por dano moral – tarefa reservada ao prudente arbítrio do juiz – deve ser fixado examinando-se as peculiaridades de cada caso e, em especial, a gravidade da lesão, a intensidade da culpa do agente, a condição sócio-econômica das partes e a participação de cada um nos fatos que originaram o dano a ser ressarcido, de tal forma que assegure ao ofendido satisfação adequada ao seu sofrimento, sem o seu enriquecimento imotivado, e cause no agente impacto suficiente para evitar que provoque novo e igual atentado.

Sopesando-se as circunstâncias acima evidenciadas, fixo a indenização do dano moral em 100 salários mínimos, equivalentes a R$ 30.000,00.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial, para condenar os réus a pagarem à autora pensão mensal de um salário mínimo mensal, a partir do dia 15.01.2002, até a data que a filha da autora, Jessiane Ferreira Dias, complete 18 anos de idade, e ao pagamento da importância de R$ 30.000,00, a título de dano moral, corrigida monetariamente pelos índices da Corregedoria de Justiça Estadual, a partir do ajuizamento da ação, e com juros de 1% ao mês, a partir da citação.

Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios à razão de 20% do valor da condenação, constituída das parcelas da pensão mensal vencida e da quantia deferida por dano moral, devidamente corrigida, atento ao comando do artigo 20 § 3º do Código de Processo Civil.

Publicar. Registrar. Intimar.

Teófilo Otoni, 3 de agosto de 2005.

JOSÉ ARNÓBIO AMARIZ DE SOUSA

JUIZ DE DIREITO

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