Direito ao silêncio

Waldomiro Diniz obtém liminar para calar na CPI dos Bingos

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10 de agosto de 2005, 16h05

O ex-assessor parlamentar da Casa Civil Waldomiro Diniz obteve liminar em Habeas Corpus para que possa ter o direito de permanecer em silêncio sempre que comparecer para depor na CPI dos Bingos se a resposta implicar em auto-incriminação. A liminar foi concedida pelo ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (10/8).

Waldomiro também poderá ser acompanhado do advogado e não será preso ao invocar o direito constitucional de não se auto-incriminar. No pedido de Habeas Corpus, a defesa de Waldomiro alegou coação ilegal e abusiva. Disse tratar-se de eufemismo qualificar como testemunha uma pessoa que é investigada em vários processos.

Segundo os advogados de Waldomiro Diniz, isso “usurpa do cidadão as suas mais preciosas garantias constitucionais, colocando-o na absurda situação de, ele próprio, ser constrangido a se auto-incriminar”.

Leia a íntegra da liminar

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 86.426-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

PACIENTE(S) : WALDOMIRO DINIZ DA SILVA

IMPETRANTE(S) : LUÍS GUILHERME VIEIRA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : MÁRCIO PALMA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : PRESIDENTE DA COMISSÃO

PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI DOS

BINGOS

DECISÃO:

1.Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de WALDOMIRO DINIZ DA SILVA, e em que se aponta como autoridade coatora o Senador EFRAIM MORAIS, Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito instituída, no Senado Federal, pelo requerimento nº 245/2004 (CPI dos Bingos), de relatoria do Senador GARIBALDI ALVES FILHO.

Requerem os impetrantes seja decretado segredo de justiça no feito, tendo em vista estar o pedido instruído com cópias reprográficas de peças de procedimentos que tramitam ou tramitaram nesse regime. Narram que o ora paciente foi convocado para depor, no dia 11 (onze) do corrente, perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito, na qualidade de testemunha, o que implicaria exigir-lhe prestação de compromisso de só dizer a verdade, sob pena de incorrer em crime de falso testemunho (art. 4o, I, da Lei nº 1.579/52). Tal exigência estaria a ameaçar a garantia constitucional do nemo tenetur se detergere (art. 5o, LXIII, CF), já que seria fato notório que o paciente é indiciado e/ou suspeito e/ou réu em vários feitos de natureza criminal, civil e administrativa, segundo os documentos apresentados.

Diante da iminência do ato receado, requerem concessão de liminar, para:

“a) ser expedido salvo-conduto em benefício da testemunha-paciente, com o escopo de que ele, a um, deixe, em todas as sessões para as quais foi intimado a comparecer na CPI dos Bingos, de responder às perguntas que possam vir a incriminá-lo, a seu critério ou a critério de seus advogados e, a dois, se fazer acompanhar de seus advogados-impetrantes (e/ou dos procuradores destes, também advogados da testemunha-paciente, que deverão postar-se a seu lado, para que melhor possam orientá-lo), respeitado o direito de se comunicarem, seja por iniciativa da testemunha-paciente, seja por iniciativa dos causídicos, em todos os momentos em que isto se fizer necessário ao exercício da ampla defesa, conseqüentemente, da defesa técnica, já que aquela não sobrevive sem esta” (fls. 19).E pedem o deferimento definitivo da ordem nesses mesmos termos.

2. É caso de liminar.

É entendimento firme e aturado desta Corte que, nos termos da Constituição da República (art. 58, § 3º), as Comissões Parlamentares de Inquérito têm todos os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, mas nenhum além desses. Estão, portanto, submissas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, oponíveis aos juízes no desempenho de idênticas funções. E um deles é o dever de respeitar a garantia constitucional contra auto-incriminação (art. 5º, inc.LXIII), e cuja manifestação mais expressiva está no direito ao silêncio de que gozam acusados e suspeitos (HC-MC nº 86.232, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 01.08.2005; HC-MC nº 86.319, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 01.08.2005; HC–MC nº 86.355, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 02.08.2005; HC nº 79.812, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 16.02.2001; HC nº 79.244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, RTJ 172/929-930; HC-MC nº 83.775, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ de 09.12.2003;HC-MC nº 85.836, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 06.05.2005).

E é não menos aturada e firme sua jurisprudência no sentido de que tal garantia se estende a todas as pessoas sujeitas aos poderes instrutórios das Comissões Parlamentares de Inquérito, assim aos indiciados mesmos, ou, recte, envolvidos,investigados, ou suspeitos, como às que ostentem a só qualidade de testemunhas, ex vi do art. 406, I, do Código de Processo Civil, cc. art. 3º do Código de Processo Penal e art. 6º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952 (HC nº 73.035, Tribunal Pleno, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 19.12.1996; HC nº 79.244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, in RTJ 172/929-930, HC-MC nº 78.814, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 09.02.1999; HC nº 83.648, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 28.10.2003; HC- MCs nº 84.089 e nº 85.502, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 25.03.2004 e 23.02.2005 Cf., ainda, OVIDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, CPI ao Pé da Letra, Campinas, Ed.Millennium, 2001, p. 64-66, nº 58; e JESSÉ CLAUDIO FRANCO DE ALENCAR,Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil, RJ, Renovar, 2005, p. 137-142).

De tal garantia decorrem, para a pessoa objeto de investigação ou para a testemunha, os seguintes direitos:

a) manter silêncio diante de perguntas cuja resposta possa implicar-lhe auto-incriminação;

b) não ser presa em flagrante por exercício dessa prerrogativa

constitucional, sob pretexto da prática de crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), nem tampouco de falso testemunho (art. 342 do mesmo Código); e,

c) de não ter o silêncio interpretado em seu desfavor.

Ao propósito, já decidiu esta Corte:

“O paciente – na comunicação escrita de suas razões para silenciar –demonstrou satisfatoriamente – à luz de fatos que, de resto, são notórios – as razões pelas quais se considera na condição de acusado à vista dos procedimentos de investigação criminal em curso na Polícia Federal e no Ministério Público.Não importa que, na CPI – que tem poderes de instrução, mas nenhum poder de processar nem de julgar – a rigor, não haja acusados. A garantia contra a auto-incriminação não tem limites espaciais nem procedimentais: estende-se a qualquer indagação por autoridade pública de cuja resposta possam advir subsídios à imputação ao declarante da prática de crime” (do voto do Relator, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, no HC nº 79.244, Tribunal Pleno, DJ de 24.03.2000).

O escólio tem inteira aplicação ao caso. E tem-no, não apenas porque reafirma a denotação subjetiva da garantia constitucional, como porque põe em relevo a impossibilidade absoluta de, em casos semelhantes, firmar-se juízo de distinção prévia e nítida da qualidade em que deporá o paciente, se na condição de testemunha, ou na de suspeito, análoga à de indiciado e de réu, para efeito da garantia complementar do direito à defesa técnica. Se será na qualidade similar de suspeito, o depoimento equiparar-se-á a interrogatório, em cujo ato não se lhe pode negar a assistência de advogado (art. 185, caput, do Código de Processo Penal, cc. art. 6º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952), como concretização ou conformação do princípio da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República), a qual, como atributo elementar do devido processo legal (due process of law), só é plena à medida que se assegure, enquanto ônus, o exercício de defesa técnica. Sendo os acusados, de regra, pessoas desprovidas de conhecimentos jurídicos específicos, só podem valer-se, às inteiras, do direito ao silêncio, quando, acompanhados de advogado, seja este capaz de adverti-los do risco de auto-incriminação às respostas. Tal assistência compõe, aliás, dever jurídico do advogado de prevenir ilegalidade ou abuso de poder contra o constituinte (art. 133 da Constituição da República e art. 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB).

Ora, a despeito de a convocação do paciente não formalizar-lhe a condição de suspeito, investigado, ou indiciado, essa deve admitida na hipótese, por duas boas razões. A primeira, que, em caso de dúvida a respeito, é a que lhe seria mais favorável (in dubio proreo). A segunda, que é a real condição que lhe advém, não apenas de todos os documentos que instruem este pedido, nos quais consta como alvo de inúmeros procedimentos de cunho criminal, civil e administrativo, por conta dos mesmos fatos objeto da mesma Comissão Parlamentar de Inquérito (cf. fls. 36-203). Não custa lembrar que o art. 1º da Resolução nº425, de 2004, que é o ato constitutivo da Comissão, faz menção expressa ao nome do paciente (cf. fls. 142). E é também a que dimana de todas as notícias que, veiculadas pela imprensa falada e escrita, tornam pública e notória tal condição.

Em caso idêntico e recente, de igual publicidade e notoriedade, esta Corte estimou que o paciente prestaria “declarações na qualidade de investigado e não como testemunha”, donde ter-lhe “assegurado o direito de se calar sempre que a resposta à pergunta, a critério dele, ou de seu advogado, possa atingir a garantia constitucional de não-auto-incriminação” (Decisão da Min. ELLEN GRACIE, no HC-MC nº 86.232).

É o que convém a este caso.

Anoto, por fim, que os documentos juntados reproduzem, deveras, peças de processos que correm sob segredo de justiça.

3. Isto posto, a) imponho segredo de justiça a este feito; b) concedo liminar, para garantir ao paciente, sempre que convocado a depor perante a já aludida Comissão (dita CPI dos Bingos), (i) o direito de se fazer acompanhar de advogado(s), e (ii) o direito de não ser preso em decorrência da invocação do direito constitucional de não autoincriminar-se, (iii) com a prerrogativa de permanecer em silêncio, se, da resposta à pergunta, puder, a seu critério ou a critério de seu(s) advogado(s), derivar-lhe risco de autoincriminação.

Com urgência, comunique-se à autoridade, solicitando-lhe informações, e expeça-se salvo-conduto.

Publique-se. Int.

Brasília, 10 de agosto de 2005.

Ministro CEZAR PELUSO,

Relator

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