Bico sofisticado

Negado vínculo empregatício a PM que faz bico como segurança

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9 de agosto de 2005, 11h26

“Bico sofisticado”. Foi assim que a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) definiu o trabalho de um policial militar que prestava serviço de segurança para o Condomínio Habitacional Residencial. Com esse entendimento, os juizes negaram o vínculo empregatício do policial com um conjunto residencial.

O policial se revezava com um grupo de outros PMs na segurança do conjunto residencial. Os serviços eram prestados dentro das folgas e escalas dos policiais.

Para a 1ª Turma, “a relação era com o grupo e não com os indivíduos que o compunham. Era um ‘bico’ sofisticado, porque coordenado pelo policial militar de maior patente e ascendência entre os demais”.

O policial, que já deixou a Polícia Militar, entrou com processo na 43ª Vara do Trabalho de São Paulo. Ele pedia o reconhecimento de vínculo empregatício com o condomínio, já que o síndico combinou com um grupo de policiais militares a segurança do conjunto residencial.

Os serviços eram prestados de acordo com as conveniências de cada um dos participantes. O pagamento era repartido entre o grupo. O autor da ação comparecia no máximo duas vezes por semana para as rondas de vigilância. Os policiais prestavam também serviço de segurança para um clube, o Tênis Clube Paulista.

A primeira instância reconheceu a relação de emprego. O condomínio recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O relator do recurso, juiz Plínio Bolívar de Almeida, esclareceu que foram os policiais que “convidaram” o condomínio para “receber segurança”.

“Na verdade, esses policiais, no meu entendimento, de forma incorreta, angariavam como que uma taxa de proteção aos moradores, tão ameaçados pela delinqüência que corre solto nas ruas das cidades”, observou o juiz.

Para o juiz, “o aumento, sem precedentes, da criminalidade em todo o território nacional em diversas tipificações ilícitas criminosas, que passou a atingir os conjuntos residências e habitacionais, e a falta de providências efetivas por parte das autoridades levam o particular a procurar a segurança privada”.

“Mas, não se trata de discutir a licitude, ou não, do trabalho dos policiais militares em suas horas de folga. Trata-se, sim, de se apurar se havia a subordinação, a impessoalidade e o trabalho fixo, elementos que determinam a caracterização do vínculo”, destacou Bolívar de Almeida.

O relator também acrescentou que “as provas orais negam todos os atributos”. O juiz explicou “que não havia qualquer subordinação, podendo cada um dos membros do grupo trabalhar quando e como quisesse”, concluiu o relator.

Outro ponto de vista

A decisão do TRT paulista está em sentido contrário com o entendimento fixado do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP). Na ocasião, a juíza Elency Pereira Neves, da 10ª Câmara do Tribunal, esclareceu que mesmo sendo policial militar da ativa, o trabalhador pode ter relação de emprego com empresa particular.

Nesse processo, o policial também prestava serviços de segurança para a empresa em seus dias de folga. A empresa de móveis alegou que o trabalhador fazia “bico” durante as folgas e que o vínculo empregatício não poderia ser acolhido porque o segurança é policial militar da ativa.

A juíza, no entanto, não acatou os argumentos do empregador. Para ela, o fato de ser policial militar “não impede o reconhecimento da relação de emprego. É pública e notória a freqüência da contratação de policiais militares por empresas”. Para a juíza, a eventual transgressão ao regulamento militar por parte do policial não estava em discussão.

Tribunal Superior

No Tribunal Superior do Trabalho, o entendimento predominante é o mesmo adotado pelo TRT de Campinas. Os ministros editaram a Súmula 386, publicada no Diário Oficial em 20 de abril de 2005.

De acordo com a súmula, “preenchidos os requisitos do artigo 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar”.

O artigo 3º da CLT estabelece: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”.

Leia a íntegra da decisão do TRT-SP

RO 01600.2000.063.02.00-5

RECURSO ORDINÁRIO DA 43ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP.

RECORRENTE: CONDOMÍNIO HABITACIONAL RESIDENCIAL

PALMARES.

RECORRIDO: VALDECIR CROCO.

EMENTA: “Grupo de segurança privada informal. Aumento da criminalidade. Policial militar que presta serviços juntamente com outros militares disponíveis em função das escalas da corporação. Impessoalidade e ausência de subordinação. Trabalho eventual. Apelo provido.”


RELATÓRIO

Inconformado com a r. sentença de fls. 135/137, que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista, recorre o Réu, às fls. 144/147, pela via ordinária, por entender que não houve o vínculo empregatício. Eventualmente desprovido, insiste quanto às horas extras, o vale transporte e o seguro desemprego que entende não serem devidos.

Feito instruído conforme atas de fls.114/115, oitiva das partes e 132/134, depoimento de duas testemunhas da Ré e uma do Autor, e encerrada a instrução do processo. Juntados documentos com a inicial e com a defesa.

Custas e depósito recursal satisfeitos, fls.148/149, correto o valor e a época dos recolhimentos.

Tempestividade das razões de recurso também observada.

O Autor apresenta contra-razões, fls.152/154, a tempo e modo.

Procurações às fls. 10 e 28 (Recte.) e 128 (Recda.).

Manifestação da douta Procuradoria Regional do Trabalho às fls. 155, nos termos do art. 83, II, VII, XII e XIII da Lei Complementar nº 75/93.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do recurso. Bem feito e aviado preenchendo, portanto, os pressupostos de admissibilidade.

VOTO

O aumento, sem precedentes, da criminalidade em todo o território nacional em diversas tipificações ilícitas criminosas passou a atingir os conjuntos residências e habitacionais, e a falta de providências efetivas por parte das autoridades leva o particular a procurar a segurança privada. As camadas sociais de maior poder aquisitivo contratam os serviços de segurança através de empresas regularmente constituídas. Outras – hipótese contemplada pelo presente processo – são obrigadas a lançar mão de empresas de fato, ou de autônomos, enfim, premidas pela necessidade absoluta de manter um mínimo de segurança, e não podendo arcar com os altíssimos custos da verdadeira indústria de segurança particular, vêem-se como que coagidas por essa situação de fato resolver a situação da forma com que podem se defender.

É o que temos nos autos. O Condomínio Réu acertou com um grupo de policiais militares a segurança do conjunto residencial, que era provida por uma pessoa jurídica de fato, cooperativa ou similar, constituída por esses policiais militares. O próprio Autor, quando iniciou a empreitada, era também policial militar, condição que perdeu e o leva à presente ação, também proposta, ao menos por outro policial militar, conforme confessada por uma das testemunhas e pelo próprio Autor. E os seus serviços eram prestados de acordo com as conveniências de cada um dos participantes, dentro das folgas de suas escalas (12 x36) e repartindo entre si os pagamentos auferidos. Todos coordenados pelo Policial Militar Salvador Gonçalves da Costa. As provas orais – depoimentos orais das partes e três testemunhas, duas do Réu e uma do Autor, são unânimes em narrar tais fatos, depoimentos coerentes e que não deixam dúvidas.

Confessados, explicitamente, em sede de depoimento pessoal do Autor assentado às fls. 114 e 115 dos autos do processo.

Trecho do depoimento in comento:

Sic: “foi convidado para trabalhar no condomínio pelo Sr. Salvador Gonçalves da Costa…; foi entrevistado pela síndica Deise, que autorizou a contratação; trabalhavam em três seguranças a cada turno, alguns colegas eram PMs; …o Sr. Salvador comparecia quando havia ocorrências policiais, o controle da jornada era feito pela central de rádio, utilizado durante a jornada, descansava uma hora de intervalo. Prestava serviços no Tênis Clube Paulista, aos finais de semana e feriados, para eventos;a sua escala era de 12×36”.

Às fls. 132 dos autos do processo vem o depoimento da testemunha, também policial militar, o citado Salvador Gonçalves da Costa e confirma o que vem em sede de defesa e do depoimento Autor, no sentido de haver uma equipe integrada por policiais militares que prestavam serviços de segurança ao Tênis Clube Paulista, tradicional associação esportiva da Capital, no bairro da Aclimação e ao Condomínio Réu. E que o Autor comparecia no máximo duas vezes por semana para as rondas de vigilância.

Existe também nos autos do processo o depoimento assentado de outra testemunha, fls.133, do Autor, com idêntico processo contra o Condomínio Réu, confirmando o grupo de segurança do citado Salvador Gonçalves da Costa.

A r. sentença, que reformo, entende que o Réu não se desincumbiu da prova e tece considerações que quando do seu depoimento o sempre lembrado coordenador do grupo, Salvador Gonçalves da Costa, “a testemunha riu um pouco no depoimento.” Tal fato não consta da assentada e não se pode confirmar se o riso, se é que existiu, era um tique nervoso, ou deboche. De toda maneira, depreendo do conjunto probatório, o depoimento pessoal do Autor e das testemunhas ouvidas, que de fato – o que é realidade nesse tipo de situação e de contratação – o condomínio foi convidado por um grupo de policiais e ex-policiais, sob a liderança de um deles para receberem a segurança pela forma inusitada dessa organização informal, clandestina e que até se intercomunicavam pelos rádios da Polícia Militar. Eis até onde chega o descalabro da segurança pública. Como os flanelinhas e os pseudoguardadores de carros, que exigem dinheiro para nada fazer.


Entendo que o fato dos serviços serem no interesse do condomínio não descaracteriza a “empresa de segurança de fato” e não ficou bem claro se os prestadores da segurança eram associados ou empregados do Sr. Salvador. E não me parece correto se fixar, como pretende fundamentar a r. decisão, que os condôminos que não pagavam teriam a vantagem do serviço e que tacitamente concordaram com essa contratação. A diferença entre guarda de rua, que não é empregado de qualquer dos moradores, e a situação descrita nos autos do processo, é que nesse caso o serviço era prestado por diversos agentes, na forma da disponibilidade das folgas dos policiais militares, e dividido, trabalho e pagamentos, entre os participantes. É claro que síndica não tinha qualquer autoridade, ou poder de mando sobre o policial, Autor, seus colegas, simplesmente arrecadando entre os condôminos dinheiro da paga mensal. Assim, os trabalhadores, ou atuando como autônomos, ou firma de fato, era patente que não existia relação de empregado direto entre o Condomínio e cada um dos agentes de segurança. Contraria a razoabilidade. A mais recente jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho que me informa, afirma a impossibilidade de prestação de serviços a vínculo quando o Autor trabalha para mais de um empregador. Caso dos autos, em que, além de componentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo, todos os envolvidos afirmam prestar serviços também ao Tênis Clube Paulista, se é que não arrecadavam mais dinheiro de outros interessados. Na verdade, esses policiais, no meu entendimento, de forma incorreta, angariavam como que uma taxa de proteção aos moradores, tão ameaçados pela delinqüência que corre solto nas ruas das cidades.

Mas, não se trata de discutir a licitude, ou não, do trabalho dos policiais militares em suas

horas de folga.

Trata-se, sim, de se apurar se havia a subordinação, a impessoalidade e o trabalho fixo. Elementos que determinam a caracterização do vínculo.

E as provas orais negam todos os atributos. Manifesto que não havia qualquer subordinação, podendo cada um dos membros do grupo trabalhar quando e como quisesse. As partes avençaram, apenas, a segurança ostensiva prestada pelos policiais, que nas folgas ficavam na portaria do Condomínio. A eventualidade está patente, haja vista o depoimento do próprio Autor, pois trabalhavam nas folgas e quando bem entendesse. A relação era com o grupo e não com os indivíduos que o compunham. Era um “bico” sofisticado, porque coordenado pelo policial militar de maior patente e ascendência entre os demais, o profalado Sr. Salvador Gonçalves da Costa.

Não provada a relação de emprego, eventualmente vencido, de se anotar que as horas extras também não tiveram qualquer comprovação por parte do Autor. Sua única testemunha afirma horário diferente do que vem na peça vestibular e no depoimento do Reclamante, acertando, depois o que dizia. Da mesma forma o vale transporte, eis que o Autor, à época Policial Militar, locomovia-se nas viaturas policiais. O seguro desemprego, além da negação do vínculo, tem regras próprias e não poderia o Autor de tanto se socorrer pela sua condição de policial.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra, dou provimento ao recurso do Réu para, reformando a r. decisão guerreada, julgar a reclamatória improcedente.

Custas em reversão, pelo Autor, que isento, tendo em vista o requerido às fls.8 dos autos do processo e por entender atendidas as condições de concessão dos benefícios da justiça gratuita.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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