Sigilo na rede

Provedor tem de identificar origem de e-mail anônimo

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8 de agosto de 2005, 14h20

“Se a expressão do pensamento é livre, de igual modo o é o conhecimento do agente emissor da idéia (expressão do pensamento) pelo respectivo recebedor”. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que determinou ao provedor de serviços de internet Onda, do Paraná, que identifique o autor de mensagens anônimas enviadas por e-mail à direção da Embrapa — Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

A ação foi ajuizada na 3ª Vara Federal de Londrina pela Embrapa. A empresa sustentou que “vem sofrendo com manifestações veiculadas por empregados através de e-mail anônimos” e que “a forma que os protestos têm sido veiculados tem causado intranqüilidade e conturbação em meio aos empregados, o que não contribui em nada para o trabalho desenvolvido na empresa”.

Na esfera administrativa, a Embrapa solicitou ao provedor a identificação do autor dos e-mails. O Onda se recusou a fazer a identificação e a empresa, então, ingressou com ação na Justiça.

Em sua defesa, o provedor sustentou que a ação deveria ser extinta, sem julgamento do mérito. Primeiro porque ele seria parte ilegítima para figurar no processo. E, em segundo lugar, a Justiça Cível não seria competente para tratar da questão, já que se tratava de infração penal. A primeira instância condenou o Onda a revelar a origem dos e-mails, que logo recorreu da decisão, sem sucesso.

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou a sentença. O desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, relator do recurso, considerou que “o direito da demandante de conhecer o emissário do e-mail encontra-se evidenciado no artigo 5º, IV, da Constituição Federal, o qual veda o anonimato”.

Segundo o advogado Omar Kaminski, especialista em Direito da Tecnologia, “embora a Constituição Federal preserve a liberdade de manifestação do pensamento, ao mesmo tempo coibe o anonimato”. Ele destaca o artigo 5º, inciso XII da Constituição, que estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal”.

O inciso V do mesmo artigo determina que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. De acordo com Kaminski, já está pacificado pela jurisprudência que, para que haja a identificação do remetente de um e-mail, é necessário expressa determinação judicial.

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.70.01.017246−3/PR

RELATOR : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

APELANTE : ONDA PROVEDOR DE SERVICOS S/A

ADVOGADO : Carlos Adolfo Nishida Mayrink Goes

APELADO : EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUARIA − EMBRAPA

ADVOGADO : Carlos Marcal de Lima Santos e outros

EMENTA

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRESSUPOSTOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO IMPROVIDO. Improvimento da apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de junho de 2005.

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.70.01.017246−3/PR

RELATOR : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ

APELANTE : ONDA PROVEDOR DE SERVICOS S/A

ADVOGADO : Carlos Adolfo Nishida Mayrink Goes

APELADO : EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUARIA − EMBRAPA

ADVOGADO : Carlos Marcal de Lima Santos e outros

RELATÓRIO

É este o teor da r. sentença recorrida, a fls. 112/5, verbis:

“1− Trata−se de ação de exibição de documento, com pedido de liminar, na qual o Autor busca o provimento judicial a fim de que seja o Réu compelido a informar−lhe quem é o emissário do e−mail até agora anônimo − que recebeu.

1.1− Diz que já há algum tempo ‘vem sofrendo’ com atos desta espécie − manifestações veiculados por empregados através de e−mail anônimo −, os quais têm nítido caráter protestativo. A forma pela qual tais protestos têm sido veiculados tem causado intranqüilidade e conturbação em meio aos empregados da Autora, o que repercute, inclusive, na ocupação desnecessária de canais empresariais de comunicação sem qualquer caráter de utilidade e praticidade, o que não contribui em nada para o trabalho desenvolvido na empresa.

Na tentativa de coibir tal prática a postulante ativa solicitou ao provedor Onda a identificação do emissário do e−mail constante de fl. 17, o qual negou−se ao fornecimento da informação.


Assevera ter direito de saber quem lhe enviou o e−mail referido.

1.2− A liminar foi indeferida pela decisão de fls. 22/23.

1.3− Regularmente citada a Ré apresentou contestação em fls. 26 e seguintes.

Diz que o feito deve ser extinto prematuramente, sem julgamento de mérito, isto em razão de ser a Ré parte ilegítima para figurar na lide.

Também não seria o Juízo cível o competente para tratar da questão, a qual, em verdade, retrata caso de infração penal.

1.4− A réplica vem em fls. 85 e seguintes, ocasião em que foram refutadas as alegações da demandada.

1 . 5 − É a síntese processual necessária.

Passo a fundamentar e a decidir.

2− Conforme já foi dito, trata−se de demanda na qual a parte autora requer a condenação da Ré a lhe informar o emissor do e−mail constante de fl. 17.

2.1− Por primeiro de se ver que as questões preliminares argüidas pela demandada não podem prosperar.

2.1.1− Quanto a legitimidade ad causam, tem-se que a solução da questão encontra-se no documento de fl. 18. Naquela folha, a funcionária da Ré de nome Maristela Albuquerque, diz: ‘Infelizmente, como provedores, não temos a permissão de lhe informar qual é o usuário, a não ser mediante uma petição jurídica’.

Se assim é, tem-se que, como afirmado em fls. 18, é possível à Réu prestar a informação solicitada, o que denota a legitimidade processual.

Por isso, rechaço a preliminar.

1.2− No que se refere à incompetência absoluta em razão da matéria, não assiste razão à Ré, pois a questão aqui é de índole estritamente civil e não penal.

Em vista disso, rejeito a preliminar.

2.2− Com relação ao mérito propriamente dito, tenho que assiste razão à Autora.

Por primeiro de se ver que a ação exibitória é perfeitamente viável nos casos desta espécie, uma vez que o direito processual não pode desconhecer a evolução científica, a qual deve encampar o conceito do denominado ‘documento eletrônico’.

Este, na visão da moderna doutrina, seria um arquivo eletrônico capaz de representar um fato através do tempo e do espaço, ou, conforme refere Gian Franco Ricci, citado por Ivo Teixeira Gico Júnior: ‘por documento eletrônico, se entende o documento não cartular, constituído em uma memória eletrônica. A manifestação de vontade do agente não se expressaria através dos signos gráficos da escrita e subscrição, mas através de um fluxo eletrônico incorporado em uma memória, a qual só seria susceptível de ser lida através do uso de um computador. O documento eletrônico seria definido pela impossibilidade de leitura sem o uso da máquina’ (Repertório IOB Jurisprudência: Civil, Processual, Penal e Comercial. São Paulo, n. 14, 2ª quiz. Jul. 2000, 3/7004).

Complementa o mesmo Ivo Teixeira: ‘No Brasil, alguns projetos de lei começam a tratar do assunto, mas apenas um traz uma definição do que venha a ser documento eletrônico. O PL n. 2.644 diz o seguinte em seu artigo 1º: ‘Considera−se documento eletrônico, para efeitos desta Lei, todo documento, público ou particular, originado por processamento eletrônico de dados e armazenamento em meio magnético, optomagnético, eletrônico ou similar’ (ob. cit.).

Daí dizer Ivo Teixeira que ‘o elemento representativo de que se valerá a parte interessada em um processo, para influir na cognição do juízo, é o documento eletrônico residente na memória de um computador, com o auxílio deste, ou a sua impressão (cópia), resultando na sua cartularização’ (ob. cit.).

Por isso se tem que o referido documento por ser objeto da denominada actio ad exhibendum.

2.2.1− Na vertente substancial da questão, tem−se que o direito da demandante de conhecer o emissário do e−mail encontra−se evidenciado no art. 5º, IV da Constituição Federal, o qual veda o anonimato.

Se alguém envia uma correspondência, lógico e cristalino que o recebedor tem o direito de conhecer a origem, ou seja, melhor esclarecendo, se a expressão do pensamento é livre, de igual modo o é o conhecimento do agente emissor da idéia (expressão do pensamento) pelo respectivo recebedor.

3− Posto isto e pelo que mais dos autos consta, julgo procedente o pedido inicial, o que faço para condenar a ré ONDA PROVEDOR DE SERVIÇOS S/A a exibir o documento que retrata (identifica) em seu bojo o emissor do e-mail referido em fl. 17, tudo com fundamento nos arts. 355 e seguintes do CPC.

O documento deverá ser depositado nesta 3ª Vara Federal no prazo de 5 (cinco) dias a contar da intimação desta decisão, a fim de ser consultado pela Autora.

3.1− Descumprida a determinação, retornem os autos conclusos para deliberação a cerca da fixação das medidas constantes do art. 362 do CPC (aplicação analógica), observadas as peculiaridades do caso.


3.2− Condeno a Ré no pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor dado à causa, devidamente corrigido.”

Interposta a apelação, postula a recorrente a reforma do julgado.

O MPF manifestou−se pela não intervenção no feito.

É o relatório.

Peço dia.

VOTO

Em sua r. sentença, a fls. 114/5, anotou, com inteiro acerto, o douto Julgador, verbis:

“2.2− Com relação ao mérito propriamente dito, tenho que assiste razão à Autora. Por primeiro de se ver que a ação exibitória é perfeitamente viável nos casos desta espécie, uma vez que o direito processual não pode desconhecer a evolução científica, a qual deve encampar o conceito do denominado ‘documento eletrônico’.

Este, na visão da moderna doutrina, seria um arquivo eletrônico capaz de representar um fato através do tempo e do espaço, ou, conforme refere Gian Franco Ricci, citado por Ivo Teixeira Gico Júnior: ‘por documento eletrônico, se entende o documento não cartular, constituído em uma memória eletrônica. A manifestação de vontade do agente não se expressaria através dos signos gráficos da escrita e subscrição, mas através de um fluxo eletrônico incorporado em uma memória, a qual só seria susceptível de ser lida através do uso de um computador. O documento eletrônico seria definido pela impossibilidade de leitura sem o uso da máquina’ (Repertório IOB Jurisprudência: Civil, Processual, Penal e Comercial. São Paulo, n. 14, 2ª quiz. Jul. 2000, 3/7004).

Complementa o mesmo Ivo Teixeira: ‘No Brasil, alguns projetos de lei começam a tratar do assunto, mas apenas um traz uma definição do que venha a ser documento eletrônico. O PL n. 2.644 diz o seguinte em seu artigo 1°: ‘Considera−se documento eletrônico, para efeitos desta Lei, todo documento, público ou particular, originado por processamento eletrônico de dados e armazenamento em meio magnético, optomagnético, eletrônico ou similar’ (ob. cit.).

Daí dizer Ivo Teixeira que ‘o elemento representativo de que se valerá a parte interessada em um processo, para influir na cognição do juízo, é o documento eletrônico residente na memória de um computador, com o auxílio deste, ou a sua impressão (cópia), resultando na sua cartularização’ (ob. cit.).

Por isso se tem que o referido documento por ser objeto da denominada actio ad exhibendum.

2.2.1− Na vertente substancial da questão, tem-se que o direito da demandante de conhecer o emissário do e-mail encontra-se evidenciado no art. 5°, IV da Constituição Federal, o qual veda o anonimato.

Se alguém envia uma correspondência, lógico e cristalino que o recebedor tem o direito de conhecer a origem, ou seja, melhor esclarecendo, se a expressão do pensamento é livre, de igual modo o é o conhecimento do agente emissor da idéia (expressão do pensamento) pelo respectivo recebedor.”

Por esses motivos, conheço da apelação, negando−lhe provimento.

É o meu voto.

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator

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