Tempo de trabalho

Anistiado político ganha direito de voltar ao emprego com promoção

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3 de agosto de 2005, 9h44

Anistiado político pode entrar com processo trabalhista pedindo reintegração no emprego e as promoções a que teria direito se estivesse ativo. A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). O entendimento foi firmado no julgamento de Recurso Ordinário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Os juízes determinaram que os Correios reconheçam a vigência do contrato de trabalho de um carteiro de 5 de outubro de 1988 até 23 de março de 2000. O carteiro receberá salários e as devidas vantagens do tempo de serviço do período de 10 de janeiro de 1994 até 23 de março de 2000.

Segundo o processo, o carteiro foi demitido dos Correios e 1986 por participar de uma greve. Em 1994, o trabalhador entrou com pedido na Comissão Especial de Anistia para ser enquadrado como beneficiário do artigo 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O artigo garante ao trabalhador demitido por motivo político o direito de retornar ao emprego na função que ocuparia se não tivesse sido demitido. Anistiado pela comissão e readmitido em março de 2000, ele foi dispensado pelos Correios em abril de mesmo ano. A informação é do TRT de São Paulo.

Em 2002, o carteiro entrou com processo na 44ª Vara do Trabalho de São Paulo. Alegou que os Correios descumpriram o texto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O trabalhador também pediu que constasse na Carteira de Trabalho sua readmissão no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Além disso, solicitou que fosse considerado o tempo de inatividade, desde o pedido à comissão até a readmissão, para ser promovido por antigüidade e merecimento. A primeira instância acolheu em parte o pedido do carteiro. Os Correios recorreram.

Segunda instância

No TRT paulista, os Correios sustentaram que o trabalhador teria dois anos para entrar com ação, a contar da promulgação Constituição Federal. Portanto, segundo os Correios, o autor deveria ter entrado com processo até 5 de outubro de 1990. O carteiro também recorreu, insistindo que 5 de outubro de 1988 fosse considerada a data de sua readmissão.

De acordo com o juiz Rovirso Aparecido Boldo, relator do Recurso Ordinário no tribunal, “nascido em 1960, o autor só conheceu um tipo de regime até a dispensa: a ditadura. Não tinha padrão de comparação. Para ele, eventuais restrições aos direitos de ir e vir; sigilo de correspondência ou comunicações telefônicas, como também, o direito de reunião e reivindicações salariais eram a regra”.

Segundo o relator, “o reconhecimento pela União da responsabilidade por homicídios cometidos nesse período, a pretexto de salvaguardar a lei e a ordem, só ocorreu em 04 de dezembro de 1995, com a edição da lei n. 9.140, ou seja, após 7 anos sob a nova ordem democrática, orientada, expressamente pelo princípio da reconciliação e pacificação nacional (art. 2º da Lei n. 9140/95)”.

“Nesse contexto, não se poderia exigir do autor que tivesse consciência plena de eventuais direitos garantidos pela nova ordem constitucional. Não se tratou de mero capricho o tempo decorrido entre a dispensa e a efetiva iniciativa do autor em tentar ser readmitido, mas de tempo plenamente justificável para que se tivesse ciência dos novos direitos assegurados”, concluiu o juiz, afastando a tese de prescrição defendida pelos Correios.

A decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional de São Paulo foi unânime. Cabe recurso.

RO 00328.2002.044.02.00-0

Recurso Ordinário

Recorrentes: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e Ronaldo Chiles Pereira

Recorrido: os mesmos

Origem: 44ª Vara do Trabalho de São Paulo

EMENTA: ANISTIA. EBCT. ART. 8º do ADCT. EFEITOS PECUNIÁRIOS NÃO SUJEITOS À PRESCRIÇÃO DO ART. 7º DA CF/88. O período que mediou o golpe militar de 1964 e a promulgação da Constituição de 1988 foi marcado pela supressão de direitos e garantias individuais, cujas reparações não são ainda questões resolvidas. É o exemplo de recentes indenizações atribuídas aos familiares de desaparecidos políticos na denominada “Guerrilha do Araguaia”. A percepção de uma nova ordem constitucional genuinamente democrática ocorre aos poucos, após um período de exceção de mais de 20 anos, sendo razoável que eventuais reparações desse lapso não se sujeitem às regras gerais de prescrição. Assim é que o artigo 8º do ADCT, pela sua inserção topográfica no texto constitucional, dispensou tratamento específico aos trabalhadores do setor público e privado quanto às reparações pecuniárias decorrentes de dispensas por motivos políticos. A fixação da data da promulgação da Constituição como marco inicial de exigibilidade dos efeitos pecuniários desses atos já seria o bastante para se afirmar que não se aplica a regra geral do artigo 7º, XXIX, da CF/88. Mas, a previsão feita no ato de disposições constitucionais transitórias denota a intenção do Constituinte de não sujeitar esses créditos às disposições limitativas inseridas no corpo da Constituição Federal.


Contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, recorrem ambas as partes. O réu, argüindo prescrição bienal a partir da promulgação da Constituição Federal da pretensão à readmissão no emprego, que, se não acolhida, seria aplicável a prescrição qüinqüenal. No mérito, diz que quaisquer efeitos contratuais, patrimoniais ou não, são devidos a partir da readmissão; que a orientação jurisprudencial é inconstitucional, pois atribui maior importância a requerimentos administrativos do que à norma constitucional; que a readmissão do autor em cargo compatível com o tempo de afastamento não importou prejuízo patrimonial; que tem as mesmas prerrogativas da Fazenda Pública, não podendo sofrer execução forçada. O autor, alegando que o reconhecimento de nulidade do ato de demissão importa considerar todo o tempo de afastamento para efeitos de promoções por antigüidade.

Contra-razões do autor às fls. 385/392.

Recurso Adesivo do autor às fls. 393/396, requerendo a aplicação da correção monetária no mês da prestação dos serviços.

Contra-razões da ré às fls. 400/403 e fls. 404/408, nestas, sustentando preliminar de não conhecimento do recurso adesivo.

Parecer do Ministério Público do Trabalho à fl. 410, opinando pelo não conhecimento do recurso adesivo e, quanto ao mérito, pelo não provimento do recurso do autor, e provimento do recurso da ré para exclusão dos efeitos financeiros entre o período da dispensa e o da readmissão.

V O T O

A regularidade do recurso adesivo está vinculada a duas situações concomitantes, diante de uma decisão que julga procedente em parte o pedido: ausência de interposição de recurso autônomo e existência de recurso pela parte adversa (CPC, art. 500, caput). O autor interpôs recurso autônomo, operando-se a preclusão lógica, já que optou em recorrer em separado. Não conheço do recurso adesivo.

Quanto aos demais recursos, presentes os pressupostos de admissibilidade (fls. 375/376 e 379), conheço.

RECURSO DA RÉ

Anistia

Considerando a correlação lógica entre as matérias referentes aos efeitos da readmissão decorrentes da lei de anistia, passo a analisar a prescrição e efeitos condenatórios e declaratórios em conjunto.

A ré sustenta que o marco inicial da exigibilidade para o retorno ao emprego dos trabalhadores dispensados por motivos políticos, sob a égide do regime de exceção, é a promulgação da Constituição Federal. Portanto, segundo a ré, o autor deveria ter proposto a ação até 05/10/1990.

Essas alegações parecem sugerir a seguinte situação: que mesmo nos idos de 1986, ano da dispensa do autor (18/04/1986), sob um dos regimes mais autoritários da história recente do país que perdurava desde o golpe de 1964, portanto há mais de 20 anos, regido pelo temor, um simples carteiro, dispensado por ter aderido a uma greve, tenha tido consciência de que sofreu um ato abusivo e poderia ter pleiteado reparação, no máximo, em dois anos da promulgação da nova ordem constitucional.

Nascido em 1960, o autor só conheceu um tipo de regime até a dispensa: a ditadura. Não tinha padrão de comparação. Para ele, eventuais restrições aos direitos de ir e vir; sigilo de correspondência ou comunicações telefônicas, como também, o direito de reunião e reivindicações salariais eram a regra.

Aos 26 anos, foi dispensado por ter aderido a movimento paredista. Não há como se exigir a exata compreensão dos fatos. Até hoje, 2005, toda a sociedade brasileira não sabe bem ao certo quais foram as reais dimensões de toda a sorte de abusos e ilegalidades cometidas no período. É recente, em jornal de grande circulação nacional, descrições de ex-componentes do exército sobre as atrocidades cometidas no famoso episódio da “Guerrilha do Araguaia”, em que muitas famílias de desaparecidos, nesse evento, sequer tiveram informações dos restos mortais de seus parentes (CPC, art. 335).

Veja-se que o reconhecimento pela União da responsabilidade por homicídios cometidos nesse período, a pretexto de salvaguardar a lei e a ordem, só ocorreu em 04 de dezembro de 1995, com a edição da lei n. 9.140, ou seja, após 7 anos sob a nova ordem democrática, orientada, expressamente pelo princípio da reconciliação e pacificação nacional (art. 2º da Lei n. 9140/95).

Nesse contexto, não se poderia exigir do autor, repito, que tivesse consciência plena de eventuais direitos garantidos pela nova ordem constitucional. Não se tratou de mero capricho o tempo decorrido entre a dispensa e a efetiva iniciativa do autor em tentar ser readmitido, mas de tempo plenamente justificável para que se tivesse ciência dos novos direitos assegurados.

A ausência de prazo para que os trabalhadores ilegalmente dispensados pretendessem o retorno ao emprego depreende-se, também, dos termos expressos da norma constitucional (artigo 8º do ADCT). E isso decorre de regra consagrada de hermenêutica de que onde o legislador não limitou, não cabe ao intérprete fazê-lo.


Assim, nos exatos termos do artigo 8º, § 1º, do ADCT, que garante os efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição Federal, como se em atividade estivesse, reconheço a unicidade contratual a partir de 05/10/1988, marco de exigibilidade reconhecido pela própria ré, ao pugnar a prescrição bienal a partir de então (4º §, fl. 355), até a readmissão (23/03/00). Esse período será considerado como tempo de serviço e enquadramento do autor no cargo que teria direito se estivesse em atividade desde 05/10/1988 (art. 8º, caput, do ADCT: “…asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características…”). A ré procederá à retificação da CTPS em 05 dias, do trânsito em julgado. No silêncio, multa diária de R$ 100,00 (CPC, art. 461, § 5º).

Quanto aos efeitos financeiros, a situação vivida pelos empregados da ré, como é a apresentada pelo autor – dispensa motivada por perseguição política – são devidos a partir do momento em que o empregado manifestou a vontade de retornar ao emprego (OJ/TST n. 91 da SDI – I). No caso, do autor, contar-se-á a partir do ingresso com pedido administrativo junto à comissão de anistia, 10/01/1994 (fl. 26).

Ficam deferidos os salários, considerando a inclusão dos anuênios, e reflexos em 13º salários, férias acrescidas do terço e FGTS , no importe de 8% depositados em conta.

As promoções por antigüidade ficam assegurados pela contagem do tempo de serviço e enquadramento na carreira conforme o critério tempo; já as promoções por merecimento estão indeferidas.

Critérios de liquidação

Os cálculos observarão, portanto, a evolução salarial do autor como se em atividade estivesse desde 05/10/1988; a partir dessa data, proceder-se-á à recomposição salarial e enquadramento no plano de cargo e salários adotado pela ré. A exigibilidade financeira ocorrerá a partir de 10/01/1994.

Prescrição

Afasto ambas as hipóteses de prescrição do artigo 7º, XXIX, da CF/88, pois, como já dei a ver alhures, não se cuida de créditos resultantes de um contrato de trabalho regular, cujo decurso de tempo importa limitação da pretensão creditória, mas de uma situação anômala, que visa recompor o patrimônio daqueles que, sob um regime de exceção e com sérias restrições a direitos individuais fundamentais, foram despojados de seus postos de trabalho, sem qualquer motivação profissional, senão política. Tamanha foi a repercussão desses procedimentos que mereceu tratamento constitucional expresso, não se aplicando, portanto, a regra geral de prescrição prevista no corpo da Constituição.

Forma da Execução

Observando o entendimento jurisprudencial consagrado pelo STF, em decisão plenária, acerca da sujeição da EBCT à execução por precatório (RE 230051 ED / SP – SÃO PAULO – EMB.DECL.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Vícios no julgamento. Embargos de declaração rejeitados.), e recente alteração da jurisprudência do TST a respeito (OJ/TST n. 87 da SDI – I), acolho a pretensão quanto à execução na forma do artigo 100 da CF/88, inclusive à possibilidade de dispensa de precatório para obrigações definidas como de pequeno valor (art. 100, § 3º, CF/88).

Ante o exposto, não conheço do recurso adesivo do autor e dou provimento parcial a ambos os recursos. Ao da ré, para determinar que a execução se processe nos termos do art. 100 da CF/88. Ao do autor, para reconhecer a unicidade contratual a partir de 05/10/1988 até 23/03/00, e acrescer à condenação os salários, já majorados pela contagem dos anuênios, desde 10/01/1994 até 23/03/2000. A ré procederá à retificação da CTPS em 05 dias, do trãnsito em julgado. No silêncio, multa diária de R$ 100,00 (CPC, art. 461, § 5º).

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

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