Estatuto do Idoso

Com estatuto, MP pode defender direito individual de idoso

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1 de agosto de 2005, 13h06

A Lei 10.471/03 (Estatuto do Idoso) garante o direito de o Ministério Público propor ação para defender os interesses individuais de um idoso. Mas o direito é restrito apenas para as ações iniciadas após a entrada em vigor da lei. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu Recurso Especial do estado do Rio Grande do Sul contra o Ministério Público.

O MP entrou com Ação Civil Pública para obrigar o estado gaúcho a fornecer medicamentos à idosa Wilma Helda Esthal. No STJ, o governo do Rio Grande do Sul conseguiu reverter decisão do Tribunal de Justiça, que reconheceu o direito de o MP atuar no caso. A informação é do STJ.

Para o governo gaúcho, não se poderia aplicar o Estatuto do Idoso no caso porque ele passou a vigorar em 1º de outubro de 2003 e a ação foi ajuizada em setembro. O estado afirmou que o estatuto só legitima o Ministério Público a defender direito individual se o idoso estiver desamparada pelos familiares, o que não ocorra no caso.

A relatora da causa, ministra Eliana Calmon, acatou os argumentos do governo gaúcho. Para a ministra, o MP tem legitimidade para propor Ação Civil Pública com o objetivo de “defender os interesses transindividuais”, porém deve observar os requisitos estabelecidos na lei.

Segundo a ministra, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao declarar a legitimidade do Ministério, invocou dispositivos do Estatuto do Idoso que estabelecem que as medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos forem ameaçados ou violados. Porém, o que não levou em consideração, é que a lei só entrou em vigor depois de 90 dias de sua publicação.

A relatora concluiu ser procedente o recurso do estado do Rio Grande do Sul, “uma vez que a presente ação foi proposta antes da vigência da lei que autoriza o Ministério Público a propor ação civil pública com o fim de proteger direito individual indisponível no caso de idoso”.

Resp 664.978

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 664.978 – RS (2004/0116952-4)

RECORRENTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROCURADOR : LEANDRO DA CUNHA E SILVA E OUTROS

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INTERES. : MUNICÍPIO DE ROCA SALES

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, em sede de agravo de instrumento, reconheceu a legitimidade ativa ad causam do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL para propor ação civil pública, com o fim de compelir o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL a fornecer medicamentos à idosa Wilma Helda Erthal.

Alega o recorrente a inaplicabilidade do Estatuto do Idoso, in casu, primeiramente porque sua edição se deu em 1º/10/2003 e a ação ajuizada em setembro de 2003; e mais, o art. 43, II, do referido Estatuto (Lei 10.741/2003) só legitima o Ministério Público para defender direito individual de idoso se este estiver desamparado pelos familiares, o que não ocorre na hipótese dos autos.

Insurge-se, ainda, contra as astreintes fixadas, apontando, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 461, §§ 4º e 5º, 461-A, e 644 do CPC.

Com as contra-razões, subiram os autos.

Relatei.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): Está claro que, na demanda, o Ministério Público defende direito individual da idosa Wilma Helda Erthal.

Em hipótese semelhante, em que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL propôs ação civil pública, com o fim de compelir o Estado a realizar, gratuitamente, exame de ressonância magnética em favor de uma menor, assim me manifestei:

Tenha-se presente que na ação civil pública atua o parquet como substituto processual da sociedade, que exige o cumprimento da lei: no caso, o direito de todas as crianças no Estado do Rio Grande do Sul, da faixa etária de Milene, de terem garantida assistência médico-hospitalar.

Por via da ação civil pública, está o MP legitimado a defender os interesses transindividuais, sem vinculação a qualquer das partes, diferentemente do que ocorre quando intervém em razão de interesse público ligado a condições especiais de uma pessoa, como por exemplo, um incapaz determinado, um acidentado do trabalho, uma pessoa portadora de deficiência etc.

O MP pode, efetivamente, agir como representante ou substituto processual de pessoa determinada, mas é necessário, na hipótese, saber o porquê da representação ou da substituição, pois os pais representam o menor e só em casos específicos é que o MP age em favor deste, como bem exposto por Hugo Nigromazilli:

A possibilidade de o Ministério Público agir como autor no processo civil supõe autorização taxativa na lei, salvo as hipóteses de legitimação genérica nas ações civis públicas em defesa de interesses transindividuais.

(A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 16ª ed., pág. 90).

Assim compreendendo a questão, nego provimento ao recurso especial.

(RESP 682.823/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.03.2005, acórdão publicado no DJ de 18.04.2005, p. 276)

No entanto, o acórdão recorrido, ao declarar a legitimidade do Ministério Público na presente ação civil pública, invocou os seguintes dispositivos do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003):

Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;

III – em razão de sua condição pessoal.

Art. 45. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 43, o Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimento daquele, poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

(…)

III – requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar;

Art. 74. Compete ao Ministério Público:

I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso;

(…)

III – atuar como substituto processual do idoso em situação de risco, conforme o disposto no art. 43 desta Lei; Cabe, ainda, transcrever o art. 118:

Esta Lei entra em vigor decorridos 90 (noventa) dias da sua publicação, ressalvado o disposto no caput do art. 36, que vigorará a partir de 1º de janeiro de 2004.

Concluo, assim, pela procedência do recurso, uma vez que a presente ação foi proposta antes da vigência da lei que autoriza o Ministério Público a propor ação civil pública com o fim de proteger direito individual indisponível no caso de idoso.

Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para extinguir o feito sem julgamento do mérito, por ilegitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, restando prejudicada a análise das demais teses.

É o voto.

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