Caso Serginho

Justiça manda continuar ação contra médico do São Caetano

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28 de abril de 2005, 17h43

A Justiça paulista negou pedido do médico do São Caetano, Paulo Donizeti Forte, que queria o trancamento da ação penal em que é acusado da morte do jogador Serginho. Forte vai continuar respondendo a processo pelo crime de homicídio doloso qualificado – por motivo torpe. A decisão foi proferida nesta quinta-feira (28/4), por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça.

A defesa ingressou com recurso na 6ª Câmara Criminal contra decisão do juiz do 5ª Vara do Tribunal do Júri, Cassiano Ricardo Zorzi Rocha. O juiz instaurou ação penal contra o médico e o presidente do São Caetano, Nairo Ferreira de Souza. Trata-se de crime hediondo, com pena variável de 12 a 30 anos de prisão, sem direito a qualquer benefício.

O TJ entendeu que a responsabilidade de Paulo Fortes está caracterizada, o que autoriza o prosseguimento da ação penal. O julgamento foi concluído com os votos dos desembargadores Debatin Cardoso (relator), Ribeiro dos Santos e Pedro Gagliardi.

Um outro habeas corpus, a favor do presidente do São Caetano, Nairo Ferreira de Souza, teve o julgamento adiado nesta quinta-feira depois dos votos contrários de Debatin Cardoso e Ribeiro dos Santos. O desembargador Pedro Gagliardi pediu vistas do processo.

Nairo Ferreira e Paulo Donizeti foram acusados pelo Ministério Público de responsabilidade pela morte do jogador Paulo Sérgio Oliveira da Silva – o Serginho –, fulminado por um ataque cardíaco em 27 de outubro do ano passado, durante partida de seu time contra o São Paulo, em pleno gramado do estádio do Morumbi.

Nos pedidos de habeas corpus, os advogados reclamaram ao Tribunal de Justiça a inépcia da denúncia e o trancamento da ação penal. Na opinião da defesa, o prosseguimento da ação contra seus clientes constituiria “clamoroso constrangimento ilegal”, contra os acusados.

O Ministério Público afirma que os acusados tinham total e absoluto conhecimento da doença cardíaca do atleta e que tinham o dever legal de evitar que ele continuasse jogando, já que isso aumentava o risco de morte. A denúncia foi apresentada pelo promotor de Justiça, Rogério Leão Zagallo.

A denúncia aponta, ainda, que o médico e presidente do clube ocultaram o fato de que Serginho não tinha condições físicas para a prática de futebol profissional, em face de taquicardia ventricular não sustentada.

O jogador, segundo laudo realizado pela Unifesp — Universidade Federal do Estado de São Paulo, sofria de cardiomiopatia e morreu de cardiomiopatia hipertrófica e edema pulmonar ocasionados pela prática diária de esporte.

Para o promotor, o dolo é justificado pois os acusados “assumiram o risco” pela morte já que tinham conhecimento de sua iminência. Segundo ele, em fevereiro de 2004, exames realizados por Serginho no Incor — Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, apontaram uma arritmia que o impedia de exercer esforços físicos.

Zagalo entendeu que os dois acusados tinham o dever jurídico de evitar este resultado, tomando providências para evitar a morte.

Leia a íntegra da denúncia

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA DO JÚRI DA CAPITAL.

I.P. Nº 1.051/04

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio de seu Promotor de Justiça que esta subscreve, vem à presença de Vossa Excelência a fim de oferecer denúncia em face de NAIRO FERREIRA DE SOUZA, qualificado a fls. 33 e em face de PAULO DONIZETTI FORTE, qualificado a fls. 35, pela prática das seguintes atividades consideradas ilícitos penais.

I – DOS FATOS: UMA MORTE ANUNCIADA

Quando da partida de futebol disputada entre os times do São Paulo Futebol Clube e São Caetano Futebol Ltda., válida pela Série “A” do Campeonato Brasileiro, ocorrida no dia 27 de outubro do corrente, nas dependências do Estádio do Morumbi, o atleta PAULO SÉRGIO OLIVEIRA DA SILVA, popularmente conhecido como “Serginho”, do São Caetano Futebol Ltda., aos treze minutos do segundo tempo de jogo, deu seu último suspiro espontâneo, caindo praticamente sem vida no gramado, ante fulminante ataque cardíaco.

Ainda no estádio, por médicos e enfermeiros, foram realizados trabalhos de ressuscitamento do jogador, com aplicação de massagens cardíacas externas, ventilação manual e utilização de aparelho desfibrilador.

Diante da inexistência de resultados, foi ele imediatamente removido ao Hospital São Luiz, que se situa nas imediações do palco do evento esportivo, local onde poderia receber atendimento mais adequado e proporcional à gravidade de seu quadro.

Durante sua remoção, os profissionais da área médica continuavam realizando manobras que objetivavam restituí-lo à vida. Foi ele entubado e submetido à ventilação mecânica com oxigênio e, também, a novos procedimentos de desfibrilação. Para a aplicação de medicamentos foi feita uma punção venosa e oximetria de pulso foi implantada para o controle da saturação do oxigência no sangue do jogador.


No Hospital São Luiz, malgrado tenha sido levado à sala de emergência, não foi possível evitar o óbito de Paulo Sérgio.

II – DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS DENUNCIADOS: A RELEVÂNCIA CAUSAL DA OMISSÃO

Não há desconfiança, hesitação ou incerteza que os denunciados PAULO DONIZETTI FORTE, médico do São Caetano Futebol Ltda. e NAIRO FERREIRA DE SOUZA, presidente do São Caetano Futebol Ltda. tinham total e absoluto conhecimento da situação que acometia o atleta vitimado e que tinham o dever legal de evitar que o resultado ocorresse da forma como ocorreu.

O não afastamento do jogador da prática das atividades desportivas competitivas, sobretudo em nível profissional, e sua submissão a inúmeros jogos e treinos decorrentes da disputa de 03 (três) campeonatos importantes (Campeonato Paulista, Taça Libertadores de América e Campeonato Brasileiro), fizeram com se criasse e se agravasse a situação de risco para ele com sua conseqüente morte em campo. Pela assunção desses riscos, os denunciados são co-responsáveis pelo resultado morte de Paulo Sérgio.

Apurou-se no presente inquérito policial que alguns jogadores do São Caetano Ltda., entre eles Paulo Sérgio, vulgo “Serginho”, em fevereiro de 2004, foram levados ao Instituto do Coração –- Instituto do Coração — INCOR para a realização de exames de capacitação clínica para regular desenvoltura da profissão de atletas profissionais do futebol. Esse instituto foi indicado pelo denunciado Paulo Donizetti Forte, por ser conhecido como centro de referência mundial em cardiologia. Esses exames ficaram a cargo do renomado Dr. Edimar Alcides Bocchi, Professor Livre Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e profundo conhecedor da cardiologia.

O que deveria ser apenas uma rotina, transmudou-se em um Inferno de Dante para os denunciados. É que quando eram realizados os exames no jogador “Serginho”, verificou-se uma arritmia ventricular, com diagnóstico de taquicardia ventricular não sustentada, impondo-se imediata interrupção.

De assaz importância observar que “Serginho”, antes da realização do exame de esforço, no qual se constatou a arritmia e a conseqüente taquicardia ventricular não sustentada, realçou ao médico especialista já ter sentido palpitação, silenciando sobre elementos mais específicos de data e circunstâncias.

Esse exame foi acompanhado pelo denunciado Paulo Donizetti Forte, médico do São Caetano Ltda., a quem foi inicialmente passada a necessidade de que outros exames fossem levados a termo para se perscrutar as razões dos problemas apresentados por “Serginho”. Ao denunciado também foi preconizado o afastamento do jogador da prática de atividades esportivas, uma vez que havia risco de morte súbita.

Note-se: assim que detectada a taquicardia ventricular não sustentada o Dr. Edimar Alcides Bocchi e sua equipe aconselharam ao denunciado Paulo Donizetti Forte que havia risco de morte súbita do jogador e demonstraram que seu afastamento do esporte era medida imperativa, pelo menos até que seu quadro clínico fosse melhor avaliado.

A conclusão chegada pelo Dr. Edimar Alcides Bocchi, no sentido de que o simples fato de ser detectado mencionado problema tornava proibitiva a prática de atividades esportivas ante a iminência de morte súbita é compartilhada pelos médicos da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP que confeccionaram parecer médico de fls. 765/766. Neste parecer, os nobres pareceristas, ao responderem a quesito que lhes indagava se o quadro clínico de “Serginho” indicava seu afastamento das práticas esportivas, afirmam que:

“O Teste ergométrico, por si só tornava proibitiva a prática esportiva, mesmo em nível amador. As arritmias que surgiram durante o mesmo, foram prenúncio de morte súbita, principalmente aos esforços, mesmo leves (…)”

Um dos subscritores desse parecer, o Dr. Antônio Carlos Lopes é uma das maiores autoridades médicas do nosso Brasil, tendo inúmeros títulos na área da cardiologia.

A testemunha Guilherme Veiga Guimarães, Fisiologista do Exercício do INCOR e Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ao pronunciar o resultado do teste ergoespirométrico assinalou como orientação: recomendação para que o jogador não desenvolva atividades esportivas (fls. 163).

Ainda naquela primeira oportunidade de realização de exames perante o INCOR, ou seja, em 11 de fevereiro de 2.004, o Dr. Edimar Alcides Bocchi, repisamos – médico Cardiologista do Instituto do Coração – INCOR e professor Livre-Docente da Faculdade de Medicina da Universidade assinalava a seguinte conduta:

“1. Solicitação de exames complementares para esclarecimento da arritmia. 2. Reforço da recomendação de não praticar esportes ao médico do Clube (Dr. Paulo) e ao jogador, que já foram informados no término do exame ergoespirométrico. O médico e o jogador foram informados do risco de morte súbita do jogador pela arritmia (o Dr. Guilherme, fisiologista do exercício já havia informado a ambos). 3. O jogador e o médico deverão avisar a família desde que esta não compareceu”.


As recomendações deduzidas pelo Dr. Edimar Alcides Bocchi, neste primeiro contato com o jogador, foram parcialmente cumpridas. “Serginho” foi apresentado outras vezes para a realização de alguns exames solicitados pelo Dr. Edimar Alcides Bocchi, todavia, não foi determinado seu afastamento das atividades físicas.

Ocorre que importante detalhe ficou consignado no prontuário médico elaborado pelo Dr. Edimar Alcides Bocchi:

“Dr. Paulo informou que exames a serem realizados dependerão da agenda do time, também informou que o afastamento do futebol dependerá do clube e do jogador”.

Muito embora houvesse possibilidade de morte súbita do jogador e, mesmo diante da gravidade do quadro clínico, assim como, das advertências dos médicos, optou-se pelo prosseguimento das atividades desportivas pela atleta, consignando-se que os trabalhos que tinham a missão de evidenciar as causas de sua taquicardia ventricular não sustentada ficariam postergados a segundo plano, impondo-se respeito à agenda do clube.

Nos dias 19 e 20 de fevereiro de 2.004 são realizados novos exames, renovando o Dr. Edimar Alcides Bocchi: “recomendado ao jogador e ao médico que o jogador não pratique esportes, portanto deve ficar afastado do futebol”. Naquela oportunidade, mais uma vez, ficou registrada a manifestação do médico que acompanhava o atleta Paulo Donizetti Forte, do São Caetano Futebol Ltda: “médico disse que o afastamento depende do clube”.

Desprezada toda a necessidade de se apurar as causas dos problemas do jogador, houve um imperdoável hiato nos trabalhos que eram realizados pelo Instituto do Coração – INCOR e que tiveram início em fevereiro de 2004, pois, apenas em 29 de junho de 2.004 “Serginho”, acompanhado do seu médico, o denunciado Paulo Donizetti Forte, retornou ao INCOR para novos exames, outrora indicados como necessários. A justificativa é registrada no prontuário da evolução médica: “jogador veio somente hoje devido à dificuldade pela agenda de jogos”.

Sobreleva ressaltar, por curial, que apesar da ciência da gravidade da doença e dos riscos de morte súbita, retardou-se o exame de cateterismo em razão da agenda de jogos. Neste período, o São Caetano Ltda. disputou vários jogos, tendo sido campeão do Campeonato Paulista e tendo chegado às semi-finais (ficado entre os quatro melhores) da Taça Libertadores de América e “Serginho”, titular absoluto do time, participou de repetidos treinamentos e diversos jogos, inclusive, em estádios situados em elevadas altitudes.

Finalmente levado a termo o exame de cateterismo novas advertências:

“Orientação para não fazer atividade esportiva padrão. Medicação não protege provavelmente. Não existe comprovação de que desfibrilador funcione. A melhor conduta é parar de jogar futebol”.

O cateterismo não encerrava os ciclo de exames e persistia a necessidade de que outros trabalhos de investigação, de inspeção ou de pesquisa minuciosa fossem realizados, tal como o Holter, todavia, o jogador não mais compareceu para se submeter a eles, levando o Dr. Edimar Alcides Bocchi a registrar derradeira informação registrada sintetiza o quadro:

“Jogador não comparece para acompanhamento, portanto não é nosso paciente. Continua em atividade física esportiva. Que tenha sorte, pois a chance de óbito existe”.

Após essas anotações feitas no prontuário do jogador, no dia 27 de outubro de 2004, em plena partida de futebol entre as agremiações do São Paulo Futebol Clube e do São Caetano Ltda., “Serginho” falece, praticamente em campo, vítima de um mal súbito.

E, neste momento, cumpre relembrar que o exame ergoespirométrico (teste de esforço físico em esteira) diagnosticou arritmia ventricular do coração; a ressonância magnética detectou cardiomiopatia hipertrófica assimétrica e mostrou anormalidade cardíaca, comprometimento da capacidade de concentração do coração; a cintilografia miocárdica apontou comprometimento da função do coração e anormalidade no fluxo do coração e, finalmente, o cateterismo detectou anormalidade na capacidade de contração do coração, apontando ponte miocárdica e prolapso da válvula mitral.

Observamos que inúmeras pessoas ouvidas nos presentes autos demonstraram que o denunciado Paulo Donizetti Forte tinha pleno conhecimento dos riscos decorrentes do prosseguimento das atividades físicas do atleta “Serginho”, entre eles, as testemunhas GUILHERME DE GUIMARÃES, médico fisiologista do exercício, com quinze anos de experiência no Instituto do Coração – INCOR (fls. 95), CARLOS EDUARDO ROCHITTE, médico Cardiologista do Instituto do Coração – INCOR (fls. 106), CHRISTIANO PEREIRA DA SILVA, médico Cardiologista do INCOR (fls. 108), ANTÔNIO ESTEVES FILHO, médico Cardiologista do Instituto do Coração – INCOR (fls. 107), MARIA DE LOURDES RIBEIRO, funcionária do Instituto do Coração – INCOR (fls. 104), LUIZ ESTEVAM IANHEZ, médico nefrologista (fls. 265), MARIA CECÍLIA ALVES DE LIMA, técnica de recursos gráficos do Instituto do Coração – INCOR (fls. 297), LÍDIA ANA ZYTYNSKI, médica cardiologista (fls. 298) e QUILHERME SANGIRARDI DE MELO ALVES, médico.


Sobejamente demonstrado e comprovado documental e testemunhalmente, refuta-se alegação de infortúnio, fatalidade ou imprevisibilidade, adjetivos citados nas declarações dos denunciados.

Ainda assim, o denunciado Paulo Donizetti Forte, atestou e certificou falsamente, em razão de sua função, fato ou circunstância que habilitou o atleta a obter registro e inscrição perante a Confederação Brasileira de Futebol – CBF e condições de jogo perante a temporada de 2.004.

Além de atestar falsamente fato relevante, o denunciado Paulo Donizetti Forte, omitiu declarações relevantes que importariam na suspensão do referido contrato de trabalho.

Essas duas condutas que importaram em sua condenação perante o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, demonstram nítido interesse em omitir a situação clínica do atleta que lhe incapacitaria para o cumprimento do contrato de trabalho.

Percebe-se que, além de não afastar o atleta “Serginho”, tarefa que lhe seria exigível diante de seu quadro médico e do iminente risco de morte súbita, o denunciado Paulo Donizetti Forte, fez tudo o podia para deixar de mencionar ou de descrever, nos casos em que a lei exigia, tais fatos. Sonegou, pois, a realidade clínica de “Serginho”.

Outra atitude deveras estranha do denunciado Paulo Donizetti Forte, foi a tomada logo após a realização do exame de cateterismo, ocasião em que, após ter sido novamente alertado dos riscos de morte súbita e da necessidade de afastamento de “Serginho” do esporte, afirmou para este que ele poderia prosseguir jogando, gerando nele uma falsa e censurável expectativa de que nada poderia ocorrer se continuasse pelejando pelos campos do mundo.

Por outro lado, a conclusão de que NAIRO FERREIRA DE SOUZA, presidente do São Caetano Futebol Ltda também gozava das informações sobre o quadro clínico do atleta é emergente do óbvio.

Isso porque, ao prestar depoimento no Inquérito Policial não nega o conhecimento do problema do atleta e esclarece que o custeio dos exames fora autorizado pela Diretoria do Clube (fls. 33).

Outrossim, durante as entrevistas de “Serginho” e seu médico, o denunciado PAULO DONIZETTI FORTE com os médicos especialistas do Instituto do Coração – INCOR, mais de uma vez, sugerem que a decisão de parar de jogar também caberia ao Clube, cuja presidência estava nas mãos do denunciado Nairo.

Por outro lado, os vários encaminhamentos do atleta ao mencionado instituto, em oportunidades diversas, induziam a inequivocidade de anormalidade em seu estado de saúde, circunstâncias que não escapavam do conhecimento do Presidente do Clube, a mais elevada autoridade administrativa da entidade Desportiva.

Importantíssima a informação prestada pelo Dr. Edimar Alcides Bocchi a fls. 77:

“O médico disse que já havia informado ao Clube e que já haviam lavrado um documento provisório para que o jogador assinasse, pois esse insistia em continuar jogando”.

Assim como o Paulo Donizetti Forte, o denunciado Nairo Ferreira de Souza, também abafou e abscondeu a realidade clínica do jogador, encovando declaração relevante que importaria em suspensão do contrato de trabalho entabulado entre o clube e o atleta.

Isso porque, ostentava ele condição de mandatário máximo do São Caetano Ltda. e, como dito alhures, tinha plena ciência das intercorrências sofridas por “Serginho”, nascendo, via de conseqüência, o dever de levar à Confederação Brasileira de Futebol – CBF, tais fatos.

Não há dúvida que “Serginho” não ostentava condição física para o Desporto, notadamente o futebol profissional, decorrente da já mencionada taquicardia ventricular não sustentada. No entanto, essa falta de capacidade, permaneceu silenciada aos órgãos da Administração do Desporto e por quase uma temporada inteira não houve qualquer notícia dessa situação.

Incabível qualquer simplismo no sentido de que o Contrato de Trabalho do atleta fora registrado na Confederação Brasileira de Futebol em 14 de janeiro de 2.004 e afirmado, naquele momento, que o atleta encontrava-se em boas condições de saúde física e mental, podendo exercer suas atividades profissionais. Não há dúvida que as “palpitações” já dotavam de inverossimilhança a capacidade física atestada. Demais disso, ninguém constrói o quadro clínico de arritmia ventricular e miocardiopatia em menos de trinta dias, especialmente no recesso do futebol.

Por esses fatos, Nairo Ferreira de Souza também foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

A necessidade de imediato afastamento das atividades desportivas, cientificamente constatada e levadas ao conhecimento do atleta “Serginho”, ao médico PAULO DONIZETTI FORTE e ao Presidente NAIRO FERREIRA DE SOUZA, afastam, como já destacado alhures, qualquer hipótese de fatalidade, infortúnio, imprevisibilidade ou de ceticismo.


Ainda há mais.

Há fato digno de registro que robustece a tese segundo a qual o jogador já vinha apresentando sinais de problemas cardíacos: a ingestão do medicamento conhecido por Digoxina (fls. 200). Segundo exsurge do parecer médico solicitado à UNIFESP (quesito número 08), a Digoxina:

“É uma droga que pertence ao grupo dos cardiotônicos digitálicos, indicada fundamentalmente no tratamento da disfunção ventricular esquerda. É droga de uso exclusivamente cardiológico.”

A condição de jogo ressalte-se, não está atrelada exclusivamente ao contrato de trabalho. A condição de jogo está presente na habilitação do atleta relacionado para a disputada do campeonato e persiste a cada nova partida, sempre que relacionado na Súmula de Jogo.

Não é por outra razão que a agremiação, a cada partida, deve relacionar e indicar os atletas que disputarão o jogo, sendo certo que apenas aqueles em condições físicas devem figurar entre os presentes. Daí, a relação dos jogadores ainda estar acompanhada pela identificação dos Diretores e do médico responsável.

Trata-se de uma obrigação de natureza permanente. Encontramos no Regulamento Geral das Competições da Confederação Brasileira de Futebol, mais precisamente no artigo 17, Parágrafo 4º, a regra cogente: somente terão condição de jogo os atletas que estiverem nas condições previstas nas normas legais e regulamentares.

Os denunciados Nairo Ferreira de Souza e Paulo Donizetti Forte, mesmo cônscios do problema que “Serginho” ostentava, apresentavam-no como apto a cada jogo, dando de brancos ao dever jurídico que tinham como presidente e médico do São Caetano Ltda. no sentido de afasta-lo do futebol profissional e de indagar de seu Departamento Médico as razões da autorização para um jogador nessas condições exercer atividades físicas.

Aliás, repita-se, tais fatos foram objeto de acirrado debate no âmbito da Justiça Desportiva e conferiram fundamento para que o São Caetano Ltda. e os denunciados fossem condenados em todas as instâncias daquele ramo da Justiça (fls. 301/678).

A intenção de esconder das autoridades esportivas competentes a impossibilidade de “Serginho” jogar futebol robustece a tese de má-fé e vileza dos denunciados.

Assevere-se para reforçar a idéia, que PAULO DONIZETTI FORTE, médico do São Caetano Futebol Ltda. e NAIRO FERREIRA DE SOUZA, presidente do São Caetano Futebol Ltda. tinham em razão de suas atividades o dever de agir, consistente no afastamento do atleta das partidas disputadas pelo São Caetano Futebol Ltda. até sua eventual autorização médica.

Ao contrário. Apesar do patente óbice das ciências médicas, os denunciados permitiram que o atleta fosse inscrito e participasse de incontáveis partidas pelos Campeonatos Paulista, Sulamericano e Brasileiro.

Tinham eles o dever legal de evitar o resultado, ou seja, deveriam ter afastado o jogador das atividades físicas e não tê-lo inscrito nessas citadas competições e, com isso, poderiam ter evitado o resultado morte.

Uma vez mais, há que ser trazido à baila o parecer da UNIFESP (fls. 765/766), pois, segundo conclusões que nela repousam, a prática diária de atividades físicas foi a causa da morte de “Serginho” (quesito número 06). Neste diapasão, tivesse sido ele retirado do desporto, sobretudo o profissional, certamente teria desaparecido o resultado típico.

Em outras palavras, no presente caso, não estamos em face de uma conduta que causou o resultado, mas, estamos diante de um nexo entre a não realização de um comportamento devido e esperado e a ocorrência do resultado, inerente, pois, aos delitos praticados pela omissão. E, deixando de atuar dessa forma, os denunciados assumiram o risco de produzir o resultado colhido.

Daí porque a existência das falsas declarações e das não declaração de fatos relevantes que importariam na suspensão do contrato de trabalho.

O proceder dos denunciados foi ditado por um motivo torpe. A torpeza consiste no fato dos denunciados negarem vigência às recomendações médicas que ditavam o afastamento do atleta das práticas esportivas, para que o São Caetano pudesse usufruir o jogador, que era seu titular absoluto, em vários campeonatos futebolísticos importantes e competitivos.

III – DO DIREITO: HOMICÍDIO DOLOSO

Ante o todo exposto, denuncio a V. Exa. NAIRO FERREIRA DE SOUZA, qualificado a fls. 33 e em face de PAULO DONIZETTI FORTE, qualificado a fls. 35, como incursos no artigo 121, par. 2º, inciso I c.c. artigo 13, § 2o., alínea “b” e artigo 18, inciso I, última parte, todos previstos no Código Penal e requeiro que, após recebimento e autuação desta, seja instaurada a competente ação penal, citando-se-os para interrogatório e demais atos processuais, com oportuna designação de audiência para a oitiva das pessoas abaixo arroladas e prosseguimento, nos termos dos artigos 394/497 do C.P.P., até final condenação pelo Tribunal do Júri.

ROL (requer-se sejam as testemunhas extranumerárias ouvidas como do Juízo em razão da relevância de depoimentos que trarão valiosos subsídios para a busca da verdade real)

a – EDIMAR ALCIDES BOCCHI – fls. 77

b – ANTÔNIO ESTEVES FILHO – fls. 107

c – QUILHERME DE GUIMARÃES – fls. 95

d – MARIA DE LOURDES RIBEIRO – fls. 104

e – MARCOS VALÉRIO COIMBRA DE REZENDE – fls. 105

f – CARLOS EDUARDO ROCHITTE – fls. 106

g – CRISTIANO PEREIRA DA SILVA – fls. 108

h – LUIZ ESTEVAM IANHEZ – fls. 265

i – GUILHERME SANGIRARDI DE MELO ALVES – a ser intimado no Instituto do Coração – INCOR

j – HELAINE CRISTINA DE CASTRO CUNHA NUNES CECÍLIO – fls. 74

k – EDUARDO ARGENTINO SOSA – fls. 266

l – MARIA CECÍLIA ALVES LIMA – fls. 297

m – LÍDIA ANA ZYTYNSKI – fls. 298

n – KARINA PASTORE – a ser intimada na redação da Revista Veja – Editora Abril – tel. 3037-5638

o – DAVID UIP – a ser intimado no Instituto do Coração – INCOR

São Paulo, 31 de janeiro de 2005.

ROGÉRIO LEÃO ZAGALLO

PROMOTOR DE JUSTIÇA

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